Índice de Capítulo

    Cassian e Helick lutavam contra a paralisia que os prendia. Tentavam, desesperados, alcançar o cabo de suas espadas, mas seus corpos permaneciam imóveis, como se as sombras ao redor tivessem enraizado suas vontades. Eles estavam presos naquele abismo de escuridão, condenados a assistir, impotentes, ao que acontecia.

    Ao lado dos príncipes, os soldados lançavam olhares inquietos para os anões e Tály, suas expressões carregadas de esforço e desespero. Era como se todos ali compartilhassem o mesmo tormento, a mesma incapacidade de reagir.

    Rhyssara, no entanto, permanecia imóvel. A postura altiva contrastava com a tensão no ar, e seus olhos fixos observavam a cena com uma quietude inquietante. A coroa em sua cabeça emitia um brilho suave, pulsando levemente como se respondendo ao ambiente carregado de magia.

    — Onde paramos? — Hope quebrou o silêncio, sua voz doce e cheia de desdém ressoando pelo vazio. Ele estalou os dedos ligeiramente tortos, o som seco reverberando como uma sentença inevitável.

    Com o estalo, Tály emudeceu novamente. Sua voz, que antes ecoava com raiva e dor, foi silenciada, e as imagens de suas memórias tornaram a dançar diante deles. Fragmentos de sua As imagens cintilaram, revelando agora um grupo de bandidos ateando fogo no humilde casebre onde Tály vivia com os pais. O céu noturno era pintado de vermelho pelas chamas, e o crepitar do fogo parecia ecoar como risos cruéis. A mãe de Tály estava inconsciente, os braços do marido a segurando firmemente enquanto ele corria na frente, o desespero estampado em cada movimento.

    “Não pare de correr, Tály!” gritava o pai pela lembrança, sua voz entrecortada pelo esforço e pela angústia.

    Tály, ainda tão jovem, tropeçava nos próprios pés, o coração disparado pelo medo e pela confusão. Seus pensamentos eram um turbilhão: “Por quê?” A pergunta ecoava, corroendo suas memórias como um veneno lento e implacável.

    Os bandidos, com olhos ferozes e armas em punho, ignoravam as outras casas ao redor. Não saqueavam, não causavam destruição ao acaso. Toda a sua atenção parecia focada unicamente na família em fuga. Eles perseguiam com uma determinação quase obsessiva, como lobos encurralando a presa.

    Tály olhava por cima do ombro, o suor misturando-se às lágrimas enquanto via as labaredas devorarem tudo o que ela conhecia. A respiração pesada do pai à frente era a única coisa que a mantinha em movimento.

    — ISSO! — bradou Hope, sua voz reverberando como um trovão no vazio. — ESSE DESESPERO QUE VEM LOGO APÓS A ESPERANÇA SER ARRANCADA ME ALIMENTA DE FORMAS TÃO DELICIOSAS!

    Ele gargalhava com prazer, os olhos faiscando com uma fome insaciável. A cada momento de agonia na lembrança, parecia crescer, como se a dor que presenciava fosse um banquete. Em contraste, seus irmãos pareciam encolher, sombras diante da figura que agora dominava a cena.

    Na memória, após uma corrida desesperada, eles finalmente pareciam ter despistado os bandidos.

    O pai de Tály parou, o corpo tremendo de exaustão. Ele encostou a esposa inconsciente no tronco de uma árvore robusta, o rosto suado e marcado pela tensão. Tály, ainda com o peito arfando, aproximou-se e o cutucou levemente no braço.

    “Papai…” começou ela, a voz fina e entrecortada. “Por que eles estão atrás de nós? Eles… eles não atacaram as outras casas! Estão atrás de nós! Por quê?”

    O brilho das lágrimas nos olhos da menina refletia a confusão e o medo que a consumiam. O pai desviou o olhar, a dor em sua expressão mais pesada do que qualquer resposta que pudesse dar.

    “Apenas venha comigo, filha.” A voz do pai estava rouca, carregada de cansaço e algo mais, algo que Tály não conseguia entender completamente. “Já devemos estar perto.”

    “E… e a mamãe?” Tály perguntou, a voz fraca, hesitante, enquanto seus olhos se fixavam na mãe inconsciente recostada na árvore.

    O pai respirou fundo, os olhos escurecendo por um instante, mas ele forçou um sorriso trêmulo.

    “Não se preocupe, pequena. Ela está segura aqui.” Ele colocou a mão no ombro de Tály, apertando-o levemente, quase como se precisasse desse gesto para se convencer. “Agora venha.”

    Os passos apressados de Tály e de seu pai ecoavam pelo silêncio opressor da floresta, quebrados apenas pelo som abafado da respiração ofegante de ambos. Eles caminharam até que a densa vegetação deu lugar a uma clareira onde ruínas esquecidas pelo tempo se erguiam. As pedras desgastadas eram cobertas por musgo e sombras que se alongavam, dançando à luz de um pequeno grupo de tochas mantidas por figuras encapuzadas.

    Tály encolheu-se ao ver o grupo. Eram pequenos, mas havia algo neles que a fazia estremecer. Pareciam tão frágeis quanto ela, mas os movimentos cuidadosos e o silêncio quase ritualístico com que aguardavam indicavam perigo.

    Uma das figuras, ligeiramente maior que as outras, deu um passo à frente. O capuz ocultava completamente seu rosto, mas sua voz grave e rouca quebrou o ar pesado.

    “Você trouxe o que foi prometido?”

    O pai de Tály hesitou por um momento, olhando para trás para conferir se não havia sido seguido. Finalmente, abriu um pequeno embrulho improvisado feito com pedaços de tecido. Dentro dele, fragmentos do diamante negro minerado na noite em que tudo começou. Eles brilhavam fracamente, refletindo a luz das tochas com uma intensidade sobrenatural.

    A figura encapuzada acenou para um dos outros membros do grupo, que carregou um saco quase do tamanho do próprio líder. Ao entregá-lo ao pai de Tály, o som das moedas de ouro tilintando foi inconfundível, mas o homem ergueu a mão, recusando a oferta.

    “Não quero o ouro.” A voz dele era firme, mas desesperada. “Quero… quero que vocês façam algo por mim.”

    O líder parou, inclinando levemente a cabeça como se estivesse avaliando o homem.

    “Algo… por você?” repetiu, a voz arrastada, carregada de suspeita.

    O pai de Tály apertou os punhos, e Tály pôde sentir o nervosismo crescendo nele.

    “Quero que vocês me ajudem a despertar um ARGUEM.”

    O silêncio caiu sobre o grupo como uma cortina pesada. Após alguns segundos que pareceram uma eternidade, o líder ergueu lentamente as mãos e puxou para trás o capuz, revelando seu rosto.

    Era um anão. A barba marrom era densa e mal aparada, com fios entrelaçados em um padrão que lembrava runas antigas. Contudo, o que mais chamava atenção era a cicatriz grotesca que começava na lateral de sua testa, descia por seu olho direito – fechado, cego, provavelmente destruído pela origem do ferimento – e terminava no canto de sua boca, que parecia levemente torcida pela tensão da marca.

    “Você deseja um ARGUEM, humano?”

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