Capítulo 8 – Acordo
por Felipe BahiaA escuridão da noite dava espaço para a luz solar penetrar entre as nuvens e iluminar mais uma vez a capital.
O capitão da guarda real, Sam Haras, estava de volta a seu aposento na área militar nas proximidades do palácio. Seu local de descanso possuía dois cômodos, um com sua cama e um pequeno guarda roupa de madeira e outro reservado para sua higiene. Os recrutas que realizavam serviços gerais haviam preparado um banho quente para o capitão minutos depois dele chegar.
Sam Haras, recostou-se na banheira de madeira, o vapor da água quente envolvendo-o em um abraço reconfortante. Seu cabelo loiro caía em mechas úmidas pelos ombros, enquanto seus olhos verdes refletiam a tensão do dia difícil que acabara de enfrentar. O corpo definido mostrava os sinais da vida militar, cada músculo tenso relaxando gradualmente sob a água quente.
A luz do dia começava a entrar pela janela no alto da parede de pedra a frente da banheira de Sam, e velas com luzes trêmulas iluminavam o restante do cômodo, a luz refletindo sobre a pele clara do capitão. Seus pensamentos se voltaram para a reunião com o rei.
Contatar Blando. Isso era inacreditável.
Blando outrora ostentou o título que agora era de Sam. E ele também havia treinado e educado Sam depois que ele ficou órfão a muitos anos atrás.
Sam adorava o antigo mestre. O via como pai. Mas certo dia a notícia de que Blando havia traído Lyberion vazando informações do reino para inimigos estrangeiros e que na mesma noite havia matado dois companheiros que haviam saído em missão junto dele chocou todo o reino.
Sam tinha acabado de despertar seu ARGUEM por meio da lei do merecimento militar e perseguiu e confrontou Blando, que o deixou com uma cicatriz do quadril esquerdo até a altura do peito direito.
A lembrança fez com que Sam passasse a mão na pele desnivelada da cicatriz em seu peito.
Ele sabia que Blando atuava agora como traficante de informações entre vários grupos rivais, tanto de humanos quanto de anões, onde todos o queriam morto, mas todos pagavam por seus serviços. Sam sabia como contata-lo. Sabia que já deveria ter feito isso. Mas o desgosto e a angústia da lembrança do rosto do antigo mestre, do antigo pai ainda o perturbava.
Sam suspirou vagarosamente e se recostou na madeira, permitindo a água quente relaxar seus músculos. Agora ele só queria aproveitar aquele banho antes de ter que sair para remoer o passado.
Voltando algumas horas nessa madrugada, no quarto andar do palácio de ouro, Helick revirava os olhos pela completa ignorância de seu irmão que não fazia ideia do que fosse um ARGUEM mental.
— Sério, Cass? Você já vai ter que despertar o seu Armamento de Guerra Mágico e não leu nada sobre?
— Não? — um sorriso sem graça. — Não perco muito meu tempo com essas coisas.
— É, e isso quase custou sua vida — falou Helick um pouco alto demais.
— Hey! Fala mais baixo. — Se sobressaltou Cassian.
— Falar mais baixo? Você foi atacado por uma assassina, Cass, e quer que eu não fale nada para o nosso pai? — cochichou Helick.
— Exatamente — respondeu Cassian simplesmente.
Helick olhou para o irmão que o olhava com um olhar tranquilo, mesmo depois daquilo tudo. Sentia a frustração crescer em seu peito, lutando contra a preocupação e o amor que sentia pelo irmão mais velho. Ele sabia que Cassian sempre fora impulsivo, mas dessa vez parecia diferente. Havia algo mais sério em seus olhos.
— Você me conhece, sabe que eu não iria ouvir uma história dessa e te acobertar — Falou Helick semicerrando os olhos.
— Sim, eu sei — admitiu Cassian, assentindo.
— Então por que contou?
Cassian tentou sorrir para o irmão, mas falhou por conta da dor no corpo todo.
— Porque eu quero investigar o que está acontecendo no reino com você.
— Como é? — Helick levantou uma sobrancelha, desconfiado. A ideia de se envolver em algo tão perigoso o assustava, mas também havia uma ponta de curiosidade. E se Cassian estivesse certo? E se havia algo maior em jogo?
— Pense um pouco. Primeiro um ataque à praça onde os atacantes só queriam alguma coisa que estava enterrada em uma fonte mais antiga que o reino, depois uma assassina que quer nossas adagas por causa das jóias encrustadas nelas. Pra mim isso parece estar ligado.
— Uau. — Helick sentou-se na cama e encarou o irmão. — É de se espantar que você tenha pensado nessa teoria sozinho.
— Helys, essa é uma das poucas vezes em que eu falo sério, não estrague.
Helick soltou um pequeno riso.
— É loucura de toda forma, Cass. Nós dois atrás de uma assassina armada com um ARGUEM que, pela sua história, consegue manipular o ambiente e os sentidos dos adversários? É suicídio.
— Helys, quando você não está nos treinamentos ou nos jardins, você só fica nesse quarto lendo livros sobre combate e os poderes da magia dos ARGUEMs. Isso pode ser uma vantagem de alguma forma, não acha?
Helick se levantou e encarou a enorme estante de livros. O príncipe mais novo já havia lido cada página de cada livro que ali estava. Uma enxurrada de informações começava a passar pela mente de Helick. Mas seria suficiente? Ele sentia o peso da responsabilidade e do medo do fracasso.
— É diferente, Cass. Na teoria eu posso ser tão bem qualificado quanto o capitão Haras, mas a prática é outra história — argumentou Helick olhando para Cassian novamente.
— Primeiro me fala aí, o que é um ARGUEM do estilo Mental? — indagou Cassian arrumando sua postura na cama soltando um pequeno grunhido.
Helick abriu o livro de capa marrom que não saiu de sua mão e começou a ler.
— “ARGUEMs Manipuladores. Conhecidos como Armamentos Mentais, podem distorcer a percepção, sentidos, emoções, sanidade, memórias e até mesmo a vontade dos oponentes. Em sua grande maioria, um portador de um Armamento Mental, pode utilizar de um a dois fatores já listados, sendo assim extremamente raro um humano ser capaz de ter um poder definitivo sobre a mente do inimigo.”
— O resto está ilegível. — falou Helick ao acabar de ler.
— Um livro dessa grossura e só fala isso? — zombou Cassian.
— Isso foi apenas um capítulo e logo o que precisávamos, mas também esses livros existem há séculos — respondeu Helick fechando o livro. — Temos sorte de ao menos poder ler uma palavra.
— Então de fato era um Armamento. — Cassian xingou. — Como podemos lutar contra isso?
— De acordo com o que você disse, a assassina recuou quando você começou a ouvir o canto dos pássaros e o disfarce parecia se desfazer. Provavelmente possa existir um limite de tempo pra este tipo de poder. Sem contar que você tomou uma surra, ela podia tirar a jóia de você quando quisesse, mas não o fez. — Helick parou de falar quando percebeu que estava caindo no jogo do irmão. — Nem ferrando, Cass!
— Não me diga que está com medo? — provocou Cassian.
— Não é medo, é a certeza de que isso não vai dar certo. E afinal, o que aconteceu com a história de aproveitar os últimos dias de liberdade?
— Seria difícil aproveitar com uma assassina atrás de mim, não é? — outro daqueles sorrisos que fazia qualquer um ceder às vontades do príncipe herdeiro.
Helick se virou e pôs as mãos sobre a cabeça. Sentia a pressão aumentar, mas também a determinação.
— Não acredito que vou falar isso, mas… — o príncipe mais novo olhou para os machucados do irmão, alguns ainda sangrando. — Primeiro você tem que se curar.
— Acho que vou me encontrar novamente com Karine — falou Cassian com malícia.
— Nem pensar! — protestou Helick. — Karine recentemente foi nomeada como chefe dos curandeiros do reino e como um dos chefes de estado deve prestar relatórios para o rei.
O príncipe mais novo realmente se impressionava como o irmão não tinha a mínima curiosidade e interesse sobre os assuntos que um dia iria herdar.
— E como eu vou me curar então?
— Do jeito antigo, vai pro seu quarto e tome um banho, coloque uns curativos e descanse. Quando os machucados não estiverem tão ruins a gente pode dizer que se machucou durante o treinamento.
Cassian concordou e grunhiu de dor ao se levantar da cama e seguir para os seus aposentos, pela janela.