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    Felizmente, para a nossa felicidade, Handares diminuiu a velocidade. Agora não pareciamos papagaios sendo puxados por uma criança. Agora estávamos sentados no chão de madeira quentinho e confortável. Contudo, mantínhamos as nossas mãos nos braços daquela carroça. As duas meninas e ó menino estavam do lado esquerdo enquanto eu e o Zernen estávamos no direito.

    — Ah, que tédio! Justo quando eu estava gostando!

    Apesar dos pesares, Zernen tinha razão. Sentir o vento bater no rosto e as pernas balançarem ao vento era uma sensação que te fazia sentir vivo, mas que também podia facilmente te fazer sentir morto.

    — Eu estou impressionada com a força e a velocidade que o Handares está demonstrando. Parece um cavalo!

    Meredith tinha razão. Handares fazia jus ao ditado: vim à procura de prata, mas encontrei ouro. Era melhor que um cavalo puxando uma carroça. Facilmente roubaria o emprego de um cavalo.

    — Talvez esse seja o seu poder — disse Rein. — Conheci pessoas que nascem com uma magia similar às habilidades de monstros e animais.

    — Isso é verdade.

    Theresa balançou a cabeça e então sorriu para ele. A paisagem continuava passando como uma mistura de salada entre a flora e a construção de algumas casas sapateiras. — Realmente, ele é um grande potencial humano. Quantas pessoas deficientes estão escondendo suas habilidades por trás das suas limitações humanas?

    — Pode acreditar!

    Dei um sorriso nostálgico, me lembrando do meu potencial liberado quando Frida havia transferido seu poder para mim. Isso me fazia pensar que se eu não tivesse essa maldita enfermidade eu poderia fazer mais, muito mais.

    — Mas com o seu poder é possível, não é? — disse Meredith, olhando para ela.

    — É verdade. Afinal, esse é o papel dos médicos. Curar enfermidades.

    Um sorriso se abriu em nossos lábios. Afinal de contas, o que seria do mundo sem os médicos? Aqueles que dedicam sua vida para salvar vidas.

    — Istar deveria se orgulhar disso… Acho que a maior magia é a de cura. Dentre todas as magias, essa é a que mais salva vidas.

    Concordei com a cabeça.

    — E sabem que outra magia salva vidas? — Todos olhamos para o Zernen. — O dinheiro! Isso, o dinheiro salva vidas!

    — É… Apesar dos pesares, o dinheiro salva vidas — eu disse. Todo mundo concordou.

    — Pois é, até porque quem mancha o dinheiro é a pessoa que usa mal. Meu pai que disse isso.

    — E ele estava certo! — Zernen levantou o polegar. — O dinheiro deveria ser usado para salvar os pobres da pobreza! Mas o que vemos hoje são pessoas esbanjando dinheiro a torto e a direito sem olhar para o próximo. É por isso que eu odeio nobres e realeza!

    Meredith encurvou a cabeça diante daquelas palavras.

    — Ei, Zernen…

    — Ah, claro! Menos a Meredith! Ela e a princesa da ilusão são as únicas exceções! Elas são as únicas com o coração bom.

    — Eu não gosto desse termo “ coração bom”. Porque eu matei alguém. Porque eu perco a cabeça e deixo a fúria tomar conta de mim. Então não diga que eu tenho um coração bom.

    Os olhos da Meredith pareciam querer deitar lágrimas, suas sobrancelhas estavam caídas e pesavam contra os seus olhos na cor da água, tão profundos.

    — Se for assim, então o meu coração também não é bom! Porque eu costumo mentir…. E também já roubei.

    — O que? Mas isso não é nada.

    — O que? Uma mentira pode fazer com que outra pessoa morra injustamente, sabia? Então ambos são gravíssimos.

    — Mas…

    — É isso mesmo, Meredith. Seja mentir ou qualquer coisa, todos aqui já cometemos atrocidades, então não precisa se culpar. O importante é se arrepender, estar em paz consigo mesma e seguir em frente.

    Theresa não podia ter escolhido melhores palavras. Depois de levar uma surra da minha mãe por ter lhe enganado nos trocos, eu pedia desculpas sinceras e prometia não fazer nada. Isso me enchia de paz. Claro que roubei novamente quando a tentação bateu a porta, mas depois que percebi o quanto aquilo deixava minha mãe triste e o quanto aquela atitude pesava nas contas, eu deixei de fazer isso.

    — Quando amamos de verdade, seja qualquer pessoa, não vamos querer fazer mal. Acho que se pensarmos assim, podemos evitar muita coisa.

    — Pessoal…

    Meredith estava em lágrimas.

    — Já eu acho que a Meredith não cometeu crime nenhum! Sentimentos e emoções não fáceis de controlar. — Zernen cerrou um dos punhos. Meredith enxugava suas lágrimas com o braço.— Se alguém de alguma forma ferisse os meus sentimentos, eu não sei o que faria…

    — Isso é natural.

    Até o Rein estava concordando comigo.

    — É uma linha bastante tênue. Quando a raiva chega, chega a ser incontrolável. Claro que muitos decidem o que fazer com a raiva, outros preferem se culpar e jogar sua vida fora. Outros descarregam na origem. É complexo demais. Depende do controle emocional da pessoa. A única pessoa que consegue controlar suas emoções de uma maneira quase perfeita é o Oceano.

    — É verdade, e eu o julguei por ele não ter usado o poder para nos salvar naquela dimensão… Devo um pedido de desculpas para ele.

    — Não acho que ele se importe com isso. Afinal, você não sabia.

    — O Oceano parece um robô!

    Zernen começou a rir. E eu também.

    — Concordo!

    — Já eu acho a atitude do Oceano muito humana. Ele estava confiando nos seus parceiros, como um membro do mesmo corpo, não é?— Ela olhou para Rein com um sorriso. Ele mostrou reciprocidade.

    Também acabamos concordando com aqueles dois. Afinal de contas, nossas fraquezas é que fizeram ele carregar tudo nas costas. Mas ainda assim, ele foi sincero consigo mesmo e quando viu que não podia mais nos carregar nas costas, optou por confiar em nós.

    Pensando bem, agora eu admirava ainda mais o Oceano. Muito mais do que o heroi.

    — Pessoal, olhem!

    O dedo do Zernen apontou para a frente onde podíamos avistar uma caravana. Estávamos alcançando eles.

    — Preparem-se, eu vou acelerar!

    Quando o Handares disse isso, levamos ao pé da letra. A estrada que agora estava ligeiramente calma estava prestes a virar um palco de poeira que nos esconderia essa paisagem faroeste, mas com um pouco mais de vida. O verde das polpas ainda cintilavam nos nossos olhos, contrastando o desértico com algumas construções de casas agora normais. Eram alguns dos que se exilaram pela pressão social, por não corresponderem à cultura sapateira.

    Com um zás, ele ultrapassou a caravana. Mas dessa vez estávamos preparados. Seguramos bem os braços com as duas mãos, mas não impediu com que fossemos puxados, mas ao menos dessa vez, ninguém incomodaria os braços e as pernas de outrem.

    Nossos olhos se fecharam devido à forte poeira. Senti a carroça balançar em um rodopio como se fosse um carro dando um drift. E então quando abri os olhos, estávamos em frente a caravana, impedindo a sua passagem com uma rajada de poeira nos rodeando em um círculo.

    O cavalo parou quando o dono — um homem de juba de leão, com aparência de alguém de meia idade e vestes plebeias — sacudiu as rédeas. Ele saltou as patas enquanto relinchava.

    Nós saltamos da carroça, formando uma pose um tanto quanto peculiar. Daquelas que aparecem em capas de quadrinhos. Como se fôssemos uma equipe de herois salvando o dia de uma ladra de baús de tesouro.

    — Pode parar aí! — Assoprei o dedo, fazendo um assobio. Como se fosse um apito. Queria sentir a sensação de um polícia de trânsito parando um veículo. — O senhor está multado por excesso de velocidade e por carregar uma ladra em sua caravana!

    — É isso mesmo, o meu parceiro de negócio tem toda razão! — disse Zernen, se aproximando. A pose agora estava desfeita. — Terão que pagar juros!

    — Croma, saia daí!

    Quem chamava era Handares.

    — Sair? Eu vou tirar ela de lá dentro!

    Antes que o Zernen entrasse, uma faca saiu flutuando contra o pescoço daquele homem que se mostrou surpreendido. Arregalou os olhos.

    — Não se mexam, ou eu mato esse homem! Por favor, me deixem prosseguir a viagem em paz!

    Era a voz doce e adorável da Croma. Mas eu não podia ver o seu rosto esbelto.

    — Ela está invisível… Que inútil.

    Pior que eu tinha que concordar com o Zernen. Essa magia, apesar de surpreendente, era inútil contra pessoas que conseguiam detectar mana. A menos que você tenha défice de mana, aprenda a omitir mana ou tome uma daquelas poções da Theresa, ter magia de invisibilidade era o mesmo que estar no nu.

    — Sua maldita!

    A pele do cocheiro se tornou prata. O cavalo baixou sem forças. Quando se movimentou, a faca raspou seu pescoço e soltou uma faísca. Ele havia endurecido sua pele como ferro. Sua mão segurou o braço invisível da croma. Em um instante, Croma havia virado refém. Agora ela era visível. Sua beleza selvagem a mostra. Beleza digna de uma moça do campo. Estava montada no cavalo à frente enquanto o cocheiro lhe ameaçava com uma faca no pescoço.

    — Agora o jogo virou! Saiam da frente! Eu vou ficar com o baú!

    Meredith correu com sua espada pronta, mas travou e recuou quando uma gota de sangue manchou o belo pescoço da Croma, que estava em lágrimas.

    — Tse! Por que vocês precisam ser assim? Maldito dinheiro!

    — E quem disse que a gente está aqui para salvá-la?! Para mim tanto faz o que acontece com ela, eu vou—

    — Seu idiota! — Eu e Meredith demos um tapa na cabeça dele. — Uma vida é uma vida! E vale mais do que dinheiro!

    — Ah, tá, tá! Vocês podem tentar salvá-la, com tanto que eu consiga recuperar o dinheiro! Sem esse dinheiro muitas pessoas poderão morrer de fome!

    — Tudo bem. Nós vamos fazer o que você disse — disse Rein, levantando as mãos em rendição. — Só nos devolva a mulher. Prometemos que o deixaremos em paz.

    — Não, ela vem comigo! Não há garantias de ataques assim que eu virar as costas! Eu vou com ela e vou largar ela em um ponto qualquer depois que eu estiver distante!

    — Tudo bem, você está certo. Vamos pessoal.

    Todos ouvimos o Rein sem questionar. Já sabíamos o que ele ia fazer. O cocheiro ficou feliz e desfez o endurecimento, e fez o cavalo andar, batendo no seu dorso com o pé. Havia relaxado a faca do pescoço dela, mas ainda estava em prontidão contra qualquer movimento brusco.

    — Que homem sem sorte… — eu disse. Agora a caravana havia quase desaparecido da nossa vista. Parecia uma formiga ao longe.

    — É, se não tivéssemos o Rein. Nem sei o que faríamos — disse Meredith.

    — Aqui vou eu.

    Quando vi, Zernen havia desaparecido também. Aquele idiota…

    No mesmo instante, Rein voltou com a Croma para o nosso seio. Ele pousou o baú nas mãos dele no solo fértil. Ela estava de joelhos reunidos e cabeça encurvada. Nossos olhos pousaram sobre ela.

    — Ei, Rein, e o Zernen…

    — Aquele idiota só faz o que lhe dá má cabeça!

    Uma explosão ocorreu perto do lugar onde estava a caravana. Vi madeira saltar para ali e aqui. E uma poeira cobrir nossa visão.

    — E o cavalo… Droga, Zernen. Você não tem amor nem pelos pobres dos animais?

    — Se cavalo se for, Zernen, você vai se ver comigo!

    Theresa, a defensora dos animais, se impôs.

    Mas o cavalo parecia estar bem. Ele estava correndo de volta são e salvo em nossa direção. E em cima dele estava Zernen e o cocheiro todo transformado em carvão, mas vivo pelo que parecia. Estava tossindo fumaça negra na posição de bruços.

    — Agora ele ficou ferro amassado!

    Zernen desceu do cavalo com ele.

    — Quanta imprudência, Zernen. Você não devia ter feito isso — repreendeu Rein. Meredith e eu nos limitamos a dar alguns cascudos naquela criança imatura. Depois disso estar resolvido, enquanto ele passava a mão nos galos da sua cabeça, voltamos os nossos olhos para a progenitora dessa situação toda.

    — Desculpa! Me desculpa! Eu só queria salvar o meu vilarejo, o vilarejo esquecido de Riash!

    — O que? Você disse Riash? É o vilarejo que eu também quero salvar!

    — Sério?

    — Sim! Olha, desculpa por tudo. — Ele esticou a mão para ela. Ela segurou. — Qualquer um que tente salvar o vilarejo é meu amigo!

    — Eh… Tão fácil assim? Mas isso não tira o peso do que eu fiz!

    — Tira sim! — Ele deu um sorriso. — Afinal, você e eu temos o mesmo objetivo!

    — Sim!

    Tão fácil quanto respirar, a situação havia sido resolvida. Agora todo mundo era amigo. Se o Zernen havia perdoado a croma, então eu também. Até pulei para dar um abraço de reconciliação, mas ela se atirou para os braços de Handares, pedindo desculpas com muitas lágrimas.

    — Espera um pouco aí? Eeeeeeh! — Recuou alguns passos, ficando boquiaberta. — Você está andando! Espera, espera.

    — É, estou sim!

    — Eeeeeeeeeh!

    — Tudo graças a Theresa e ao pessoal!

    — Eeeeeeeeeh! Muito obrigada, Theresa! Agora eu sou eternamente grata a você!

    Ela saltou para os braços da Theresa, depois da Meredith, do Rein, do Zernen e depois voltou para o Handares. Apenas eu não havia ganhado abraço. Semicerrei os olhos. Logo eu que tive um dos papeis mais importantes para que tudo isso acontecesse.

    Realmente, o mundo é injusto.

    — E você, Jarvessssssss!

    Quando ela havia pulado para me abraçar com os lábios fazendo beicinho, uma voz ressoou. Ela freou os passos. Todos os nossos olhos encontraram aquelas duas figuras que caminhavam no horizonte.

    — Desculpem estragar o momento — disse o Charks. O outro estalou os dedos. Quando o som ressoou, senti uma energia se formar ao nosso redor. O som de raios parecia percorrer a esfera em que estávamos envolvidos.

    — Campo elétrico. Qualquer dos seus métodos para destruí-la não irá resultar, por isso é melhor se entregarem.

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