Capítulo 71: Castelo sob a água
Depois de nos recompormos, afagando nossas cabeças, decidimos subir à superfície do barco para verificar a origem do som. Haviam duas opções. Oceano e os demais haviam pousado ou um qualquer monstro estava à espreita. Frida confiava na primeira opção, na verdade, todo mundo.
Passando pelo corredor, nossos passos e rostos iluminados pelas tochas num tom alaranjado, chegamos às escadas, contemplando por último os ossos daqueles esqueletos. Frida deu ordem, na verdade, empurrou seu irmão falso para a linha de frente para que abrisse aquela portinhola, que estava selada, enquanto aguardávamos com olhos fixos e punhos cerrados, confiantes de que seriam eles.
Assim que o irmão falso da Frida abriu, ele tomou um susto quando se deparou com gotas de sangue caindo enquanto encarava algo com um rosto apavorado.
Ele deu um grito e caiu.
Perguntamos o que tinha se passado e, quando olhávamos com exatidão, não passava do Fred todo coberto de sangue.
— Pessoal? Então, vocês sobreviveram mesmo!
— Oceano e os outros estão bem?
Quando Frida fez essa pergunta com o rosto apreensivo, os traços de Fred contorceram-se em uma expressão de tristeza.
Mas, ele provavelmente estava fazendo aqueles tipos de brincadeiras de mau gosto e já, já iria dizer,
“É brincadeirinha, queria ver sua cara!”
Segundos passaram e ele continuava com a mesma expressão. Ok, retiro o que disse.
— O que aconteceu?
Frida questionou o que todo mundo ali queria saber.
— Vejam vocês mesmos com seus próprios olhos.
“Oh, Fred, precisa mesmo desse suspense?”
Quando queria verbalizar isso, ele sumiu e nós, apressadamente, corremos para a superfície do barco com os corações nas mãos, já temendo pelo pior.
Arregalei os olhos quando vi Meredith de joelhos, suas madeixas cobrindo seu rosto. Ela estava diante do corpo do Zernen todo ensanguentado enquanto seus olhos estavam fechados. Oceano fazia uma expressão triste enquanto nos fitava.
Theresa, prontamente, correu até lá e questionou o ponto de situação enquanto aplicava sua magia de cura, sua esfera esverdeada pairando sobre aquela ferida aberta no abdômen.
Oceano explicou que Zernen havia se sacrificado para que pudessem obter uma chance de vitória contra o dragão, após serem imobilizados por suas carapaças.
“Bem mesmo a cara do Zernen fazer isso… Droga…”
Cerrei um dos punhos.
Se eu fosse forte, se eu tivesse vindo a esse mundo overpower, seria tudo diferente, mais fácil…
Mordi os lábios e lancei os meus olhos para aquela cobertura de rochedos, pedindo explicação internamente sobre o porquê eu havia nascido desse jeito, quando normalmente nas histórias, as pessoas reencarnadas recebiam uma benção de poderes avassaladores.
Sério, por quê?
— Por que eu sou tão fraco?
Acabei trazendo à tona a minha frustração.
Frida chutou uma das minhas pernas, atraindo a minha atenção.
— O que você quer?
— Não se culpe por isso.
— Ah, você não entenderia. Eu, na verdade, é que nos trouxe a essa situação desesperadora.
— Hã? Do que está falando?
Encurvei a cabeça enquanto ouvia passos ressoando, que pareciam estar vindo em nossa direção. Quando uma mão pegou meus ombros, levantei o rosto, recebendo um tapa, que fez mover o meu pescoço para direita.
— Nunca mais…
“Meredith, você…”
— Nunca mais repita isso!!!
Meredith estava em lágrimas enquanto me encarava severamente.
— Graças a você, muitas vidas podem ser salvas. Você entende isso, não entende? Você é um herói e tudo isso é resultado de nossa luta contra o destino. Ninguém disse que seria fácil, ninguém disse…
Comecei a chorar sobre seu colo, lembrando que Meredith havia falado essas palavras para o herói quando ele estava prestes a desistir, frustrado por uma onda de coisas que só estavam dando errado.
Apesar de não me sentir merecedor dessas palavras, me senti feliz por ser acolhido pela heroína, a pessoa que sempre admirei na série.
Certo. Abandonei aquela expressão triste e coloquei um sorriso na cara, um sorriso de confiança enquanto deixava Meredith, avançando para o Zernen que estava sendo curado pela Theresa.
— Zernennnnnnnn!
Dei um grito.
— Acordaaaaaa! Eu sei que você é mais forte que isso! Nada pode te parar!
— Ei, pare de gritar — Theresa emitiu. — Ele vai ficar bem, só precisa descansar. Mas ele não vai poder mais lutar. A única opção é desistir…
— Quem disse isso?
Zernen abriu os olhos, roubando sorrisos e lágrimas do meu rosto.
— Eu vou! Aí! Aí! Aí!
— Não se esforce. Você quer morrer?
— Mas eu não quero perder a aventura. — Ele fez um beicinho. — Eu não quero contar ao meu avô o quanto eu fui patético e um fardo para todos.
— Depois de ouvir o relatório de Frida, tive uma ideia. Poderiam me escutar?
Oceano falou com a Analista do seu lado.
— Meredith, Jarves, Sond, Theresa e o irmão da Frida ficaram aqui no barco até a recuperação do Zernen. Enquanto isso, Fred, eu e Frida iremos explorar esse castelo. Qualquer coisa, uma unha do Fred ficará aqui para que tenham como saber se tudo está bem.
— Eu também quero ir — Meredith pronunciou, pressionando a mão no peito.
— Você é a mais forte daqui. — Oceano sorriu. — Você será a encarregada da segurança e vocês também serão nossos reforços em caso de ajuda.
— Tá certo… — Meredith acabou aceitando.
Theresa deu as suas poções restantes para Oceano e Fred. Eles bebericaram um pouco e deixaram um pouco nas mãos de Theresa para que Meredith e Zernen pudessem usar em caso de qualquer emergência.
Uma bola de sabão cobriu seus rostos.
— Se cuidem então — Meredith desejou enquanto acenava com uma expressão apreensiva.
— Baixinha, é melhor não amarelar.
— Huphm! Com quem você pensa que está falando?
Ele deu aquele sorrisinho debochado.
Fred se ajoelhou e pegou um dos braços de Zernen.
— É melhor melhorar rápido! Seria uma vergonha eu ter que salvar um refém como você, não é?
— Hum, digo o mesmo!
Com acenos e sorrisos, aqueles três mergulharam na água, um salpico ressoando por nossos ouvidos enquanto eu balançava a mão com um sorriso.
— Só espero que esses balões não tenham duração de tempo — murmurei.
— Também. Estou preocupada por eles terem tomado só um pouquinho — Theresa emitiu. — Mas não havia o que fazer.
— Vamos pensar positivo, pessoal! — Meredith deu um sorriso enquanto cerrava um dos punhos. — Vai dar tudo certo… Não, tem que dar tudo certo!
— E agora… — Cai de traseiro, observando os rochedos no teto. — O que faremos para matar o tempo?
— Eu vou dormir — O irmão falso da Frida emitiu enquanto jogava seu corpo no chão. — Queria que tivessem me levado.
— Por que será que não te levaram, não é? Já que você seria bem útil com sua magia de fazer aparecer.
Meredith deu um sorriso.
— É, isso mesmo, eu deveria ter falado isso para eles! Droga!
— Francamente, vocês dois, parem de ficar frustrados porque não foram levados. Vejam, como Sond está na dele, cantando sua música baixinha na maior paz.
Olhei para ele encostado em um dos barris.
— É, tem razão. Jarves, conta uma história como daquela vez.
— Hum, história?
— Opa! Eu quero ouvir!
Até o irmão falso da Frida se interessou.
Tudo bem, acho que vou pegar uma história clássica do meu mundo e contar como se eu tivesse inventado tudo da minha mente. E resultou, todo mundo ficou fascinado e disse que eu tinha uma mente bastante criativa, que eu deveria pensar seriamente numa carreira de contador de história ou até mesmo escrever um livro.
— Não é para tanto!
Eu dizia isso com um sorriso bobo, mas, na verdade, estava pensando seriamente em fazer isso. Imagina os milhões que eu ganharia com isso e o quão famoso eu me tornaria.
Era a única coisa que realmente daria certo para mim, já que eu jamais conseguiria projetar nenhum das invenções do meu mundo aqui, porque sou péssimo para guardar informações de coisas que não me interessam, incluindo, muitas visitas de estudos que tive o prazer de fazer, tendo visto muitas invenções, que certamente me dariam lucro.
— Quital fazer negócio comigo — Theresa sugeriu. — Caso tenha ideia de vender seus livros, podemos abrir uma farmácia e uma livraria no mesmo edifício.
— Hum, acho que vou pensar.
Não era uma má ideia. Theresa e eu certamente sairíamos ganhando.
— Não tem o que pensar, mas vou aguardar sua resposta.
— Pelo menos vocês já têm uma carreira de vida. — Meredith sorriu. — Já eu…
— E sua carreira de aventureira? Você não pretende voltar?
“Até porque você vai voltar.”
— Não sei se quero continuar com isso. Perdi todo o ânimo depois daquilo. Quando penso nisso, me sinto enjoada.
Faisal havia dado um trauma na Meredith, agora todas as aventuras boas que ela teve haviam sido manchadas por uma única pessoa. Bastava ela lembrar de algo especial, que lhe vinha a cara do Faisal em tudo, lembrando-lhe daquela dolorosa traição.
— Tenho a certeza de que você vai superar!
— Eu também já fui traído… — O irmão da Frida murmurou. — E sei bem como é isso, doloroso, muito doloroso!
Ele cerrou seus punhos.
Aqueles dois ficaram imersos numa tristeza sem fim.
— Ei, ei, vamos deixar de pensar nisso. — Dei um sorriso. — Querem ouvir mais uma história?
— Contanto, que não seja de romance.
Meredith deixou claro.
— Tá bom. Como estamos sobre as águas, a história que vos vou contar é sobre um ser chamado sereia.
— Sereia? Parece interessante.
— Quero ouvir!
Foi bem curta. Existia uma sereia que todo dia subia à superfície para cantar a todo aquele que passasse pelas praias, no entanto, num belo dia, essa jovem provou da crueldade dos seres humanos, que a capturaram e a colocaram em seu barco pirata, servindo de espetáculo para quem quisesse apreciar sua beleza e gerando muito dinheiro para os piratas.
A sereia suplicava por liberdade, mas sua voz melódica era completamente ignorada até que então um líquido vermelho acabou caindo próximo ao seu cativeiro. Movida pela curiosidade, já que não ingeria nada mais que água, ela lambeu e engoliu, não imaginando quais consequências aquilo lhe trouxera.
Transformou-se em um monstro horrendo que derrubou a cadeia em que se encontrava. Naquele dia, ela devorou todos os piratas e visitantes que se encontravam no barco, retomando sua aparência esbelta.
Desde então, movida pelo sabor da carne e pela ânsia de ficar mais bela, ela passou a subir a superfície, atraindo toda espécie de homens para água com seu cântico e os fazendo desaparecer, sem deixar rastros.
Quando terminei de contar, aqueles dois ficaram arrepiados. Teceram comentários e dúvidas, no entanto, no meio disso, a unha nas mãos da Meredith havia quebrado, sinalizando que algo havia acontecido com eles, provavelmente tiveram complicações na missão.
— Eu vou. — Meredith levantou.
— Eu também vou. — Zernen se levantou. — Já me sinto melhor, aí!
— Ei… Não.
— Zernen, você está se sentindo bem mesmo?
— Claro!
— Então vamos todos!
— O quê? Não!
Theresa contestou. Meredith concordou.
— Não sabemos o que pode acontecer daqui em diante, então temos que ir todos juntos. Zernen não vai querer desistir.
Theresa suspirou.
— Olha, mas se você se sentir mal, você vai desistir, nem que eu tenha que te obrigar!
— Isso mesmo. — Meredith concordou. — Você vai desistir!
— Mas espere aí, pessoal… Uma coisa que a gente não pensou. Se a pessoa desiste, não vai dar no mesmo se já estiver passando mal? Será que o rei dos bandidos seria tão benevolente ao ponto de curar seus reféns?
— É um bom ponto.
Theresa emitiu.
— É por isso que temos que garantir que todos estejam bem!
Meredith acrescentou.
— Você não sabe de algo?
Olhei para o irmão da Frida.
— Infelizmente. — Balançou a cabeça negativamente.
— Não se importem comigo! Eu sou muito resistente, meu corpo é tão anormal que consegue resistir a venenos e efeitos de hipnose.
Isso ele tinha razão.
— Theresa! Confie nele!
Meus olhos brilharam.
— Ah, fazer o que, né?
Theresa colocou a mão na cabeça.
— Então, não percamos tempo!
Meredith tomou metade da poção sem tocar os seus lábios, como ela era conservadora. Ela colocou os pés nas bermas do barco enquanto eu a seguia por trás.
— Sond, você pode me ajudar?
Olhei para ele que estava ao meu lado e ele assentiu. Mesmo com a proteção, eu não me garantia mexendo as pernas nas águas.
Assim, saltamos para o mar. Eu ainda estava com receio de aquela bolha não funcionar, mas no fim, todas minhas inseguranças foram sanadas e me vi, respirando debaixo de água, graças àquela bola de sabão que não deixava nenhuma água entrar dentro dela.
Sond emitiu um som que fez meu corpo se mover de um lado para outro até eu pegar jeito e nadar com minhas próprias mãos e pés, e sério, a sensação era incrível. A sensação das águas deslizando pelo corpo, dos pés batendo e das mãos flutuando num movimento oscilatório.
Agora só restava saber o caminho, mas Sond disse que havia decorado a trajetória do mapa. Sua direção batia com os pontos de referência que íamos encontrando quanto mais nadávamos, contemplando algas, pedras, até que pousamos nossos pés numa areia branca que transmitia uma sensação muito boa.
Pelos menos, não haviam aparecido monstros marinhos como temíamos. Bem, segundo o Sond, depois daquela estátua de um polvo tentacular, estaria o grande castelo. Quanto mais nos aproximávamos, mais identificávamos estátuas de pedra que lembravam muito pessoas familiares, não, eram pessoas familiares.
Frida, Oceano e Fred haviam sido transformados em estátuas de pedra.
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