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    — Esse lugar… Que nostálgico… — Theresa afagava o revelado macio no qual estava deitada, observando uma colônia de árvores magrinhas e grossas; bem altas, que formavam um teto no céu, mas que, em meio às suas brechas, deixavam passar algumas pontas de luz, que tombavam sobre a relva.

    Ao seu lado, haviam flores de diversas cores, as mais predominantes sendo às rosas, que tinham uma certa altura atípica de aproximadamente dois metros. Posteriormente à beleza da fauna, Theresa fincou seus olhos no homem que apareceu à sua frente. Ele possuía fardas negras e um cabelo da mesma cor, que ofuscava um de seus olhos.

    — Ah, então você está aqui… — Ela se levantou, avistando entre suas pernas uma miniatura de Golem. — Ufa, que bom. — Pegou no Golem e o observou em suas palmas das mãos. Seus olhos não tinham a claridade esverdeada, eram fundos e vazios. — Sinto muito.

    — Nós estamos sozinhos… — sussurrou.

    — É mesmo… Eu percebi o silêncio, já estariam fazendo barulho.

    Theresa foi afagando o Golem, delicadamente, enquanto sentia uma brisa suave atravessando seu rosto.

    — Então, quer dizer que nos separamos, é?

    Sond apenas balançou a cabeça afirmativamente.

    Ela guardou o Golem no bolso do jaleco e levantou-se do conforto, colocando as duas mãos contra sua cintura.

    — Certo. Hora de explorar. Creio que assim poderemos desvendar o mistério dessa dimensão e também encontrar os nossos amigos.

    Sond meneou a cabeça.

    — Hum, assim vou me sentir sozinha. Pelo menos sussurre como fez antes.

    — É, sim…

    — Estou brincando. — Ela colocou uma das mãos no seu ombro. — Não se force. Vamos com cuidado, sim?

    — Desculpa…

    — Hã?

    Theresa levantou uma das sobrancelhas, confusa. Pelo que lembrava, não havia motivo para um pedido de desculpas.

    — Por te fazer dançar…

    — Ah… — Theresa abriu sua boca em espanto e deu alguns passos para trás. — Aquilo… — Aos poucos foi lembrando daquela dança vergonhosa e das risadas que seus companheiros deram. Corou e coçou ligeiramente parte da sua face, enquanto dava um sorriso constrangido: — Poderíamos esquecer, não é? Já que agora estamos do mesmo lado.

    Sond acenou com a cabeça.

    — Uhum.

    — Então sigamos em frente. — Theresa começou a andar enquanto jogava os braços para trás, entrelaçando suas mãos enquanto sorria perante aquela paisagem. Mais adiante, haviam cogumelos gigantes e borboletas dançando perante alguns girassóis.

    Ela colocou o dedo entre o girassol e uma borboleta, fazendo com que aquele animalzinho pousasse nele num bater de asas majestoso. Ela era toda acastanhada, em contraste com suas amigas que possuíam asas violetas e amarelas.

    — Tem mesmo certeza?

    — Hã?

    — O tempo.

    — Ah, mas isso também faz parte da investigação. — Deu um sorriso e abandonou aquela colônia de flores. Mesmo o Sond que reclamava tempo, acabou pousando seu dedo, sendo agraciado por algumas borboletas.

    Ele deu um sorriso caloroso.

    Adiante, após descer um desnível no solo esverdeado, havia uma árvore, cujas raízes estavam espalhadas no chão e no ar, se interligando às outras árvores. Ela possuía uma entrada, um buraco profundo que revelava um abismo.

    — Viu só, aquilo que é suspeito.

    Eles continuaram caminhando, admirando mais e mais aquela árvore e identificando uma colmeia de abelhas presa entre um de seus ramos.

    — Eita, você vai ter que tomar cuidado.

    — Por quê?

    — Abelhas gostam de fardas negras.

    — Hein?

    — Bem, não sei se é verdade, mas há rumores de que elas não gostam da cor preta porque um urso preto que gostava de mel sempre roubava seu mel e despedaçava sua colmeia, daí elas pegaram ódio.

    — Hum, é assustador. Espero que não seja verdade. Eu não tenho outra roupa.

    — Toma. — Theresa tirou seu jaleco e o entregou.

    Em um gesto que mesclava timidez e surpresa, Sond processava; se deveria ou não levar, enquanto sua mão avançava tremelicante.

    — Tem certeza?

    — Sem cerimônias, tá bom?

    Sond enfim acabou segurando. Vestiu e o abotoou, ficando com a parte das calças apenas expostas, de resto poderia se considerar salvo.

    — Não é que te ficou bom?

    Theresa deu um sorriso, apreciando aquela farda que lhe cabia como uma luva. Era o esperado, ambos eram altos e magrinhos.

    — Muito obrigado.

    — Prontos, agora podemos avançar. 

    Eles continuaram a caminhar em direção à árvore enquanto apreciavam o ambiente rural. Quando chegaram perto da árvore, havia um lago pequeno com flores que lembravam tulipas, rodopiando de um lado para outro, à medida que provocam ondas. No centro que dividia o lago, havia uma ponte feita de pedras e adornada por pequenos focos de gramado e plantas. Eles atravessaram de cabeça erguida, mas com calma e cautela, para dentro daquela árvore. 

    Assim que entraram, seus passos despertaram o som de pirilampos, que se encontravam descansando. Luzes verdes se irradiaram por todo canto, destacando a textura de caracóis dos troncos, enquanto eles dançavam ao som de agitação.

    — Vejo que tenho visitas. 

    Ao fundo de um pequeno corredor estreito, observaram uma mulher semi-nua sentada em um trono de raízes, cujo corpo resplandecia perante as luzes dos pirilampos. Suas partes íntimas eram cobertas por folhas. Seus cabelos podiam ser comparados a lianas, embora castanhos.

    Em sua mão, ela segurava um osso com buraquinhos a cada centímetro.

    — Olá! — Theresa balançou a mão em aceno enquanto sorria.

    — Sejam bem vindos, visitantes.

    “Ao menos, ela parece amigável… Diferente daquele cara”, Theresa pensava, com os olhos atentos.

    — Vocês gostam de música?

    — Música? É claro. Quem não gosta?

    Sond deu um sorriso, meneando a cabeça em concordância com Theresa.

    — Que bom, vocês passaram.

    ” Passaram?” 

    Theresa começou a ficar preocupada com aquela afirmação. Desde quando eles estavam participando de uma prova? Bem, tudo bem que estavam numa prova, mas não havia nada que falasse sobre sub provas numa prova.

    — Com licença, estamos participando de uma prova?

    — Oh, sim, claro. Todos os que entram em meu domínio estão participando na minha prova. A prova da música. Ah, antes de mais nada… — Ela pressionou a mão contra o peito e deu um sorriso alegre, seus olhos verdes brilhando intensamente. — Eu sou a senhora da música.

    ” Senhora da música?”

    Observando aquele osso com buracos, Theresa não demorou a deduzir que se tratava de uma flauta, mas não uma qualquer, uma das flautas mais antigas da humanidade. E, ao avaliar pelo aspecto daquela mulher em comparação ao homem que encontrou no pântano, ela podia concluir que se tratava de uma mulher antiga.

    Mas possivelmente não tão antiga quanto aquele homem, pois ela era fluente na linguagem, o que dava a entender que sabia ler e escrever.

    — Entendi. Então, senhora da música, o que deseja de nós?

    — Uma batalha de música. Quem tocar a melhor música sobrevive. Quem tocar a pior música perecerá. — Ela deu um sorriso bem perverso enquanto segurava sua flauta de osso, passando em sua língua.

     — Como assim? Não tem como resolvermos isso de uma forma melhor?

    — Não.

    Ela lançou um olhar tão frio, que Theresa viu que não valia a pena dialogar. Ela lembrou da sereia da quarta prova, que se desviava de suas abordagens, e também de como o rei dos bandidos interviu quando Jarves conseguiu tocar seu coração. Tudo isso só a fazia concluir uma única coisa: A única forma de ganhar isso é derrotar a senhora da música.

    “Só tem um problema, eu não sei cantar”, ela murmurou em pensamento, mas logo notou sua esperança ao lado, o Sond, que a havia feito dançar com sua magia. Com certeza, ele era bom.

    — Ele está tremendo!

    Assim que ela o olhou, percebeu seu corpo se contorcendo em tremor.

    ” Ah, pelos vistos teremos problemas. Mas antes de me precipitar, vou fazer uma pergunta.”

    — Essa batalha de que tanto fala, como vai se dar? Como ficará claro de que a nossa música é melhor que a sua?

    — Ah, mas é claro… — Ela levantou-se do seu trono e começou a tocar seu instrumento, um som tão lindo e delicado, que atraiu alguns animais para dentro.

    Sond e Theresa ficaram tão perplexos que deixaram de admirar aquela canção para se esquivar dos animais que corriam de um lado para outro em direção à senhora da música. Eram abelhas, passarinhos, borboletas, formigas e muitos outros insetos.

     — Como vê, eu consigo controlar todos os animais através da música.

    — Tá. Bem legal, mas nós não temos essa magia.

    — Mas eu não estou usando nenhum tipo de magia. A música por si só é mágica. Seu som é capaz de capturar uma alma e fazê-la dançar segundo seus encantos.

    — E com isso você quer dizer?

    — Se a vossa música superar a minha, vocês conseguiram controlar esses animais que se movem segundo a música mais bela. Essa é a verdadeira batalha da música.

    — Ah, entendi. Bem… Essa é contigo, Sond! — Theresa deu uma cotovelada nele, que a olhou com uma cara bem triste.

    — Eu não sei cantar.

                                  


    Uma brisa soprava, bem forte, levantando uma torrente de poeira que se espalhava pelo ar. Suas vestes balançavam de um lado para outro enquanto permaneciam parados, em frente a um penhasco, cujo abismo era uma montanha de águas cristalinas.

    — Essa foi por pouco… 

    Tiveram que retroceder, pois estavam a um passo de cair naquelas águas profundas.

    — É, mais um passo e não sei o que seria da gente — Irmão da Frida emitiu, direcionando seus olhos a Meredith, que de certa forma o encarava com um certo

    desgosto.

    — Os outros não estão aqui, ah… — Deu um suspiro, esticando um pouco as mãos para aquele vento que lhe acariciava. — Onde será que estão vocês? — Ergueu os olhos ao céu com uma cara de preocupação.

    — Creio que estejam em outras partes deste lugar.

    Assim que disse isso, olhos entreabertos, que enunciavam desconfiança, pousaram sobre ele.

    — Você parece saber de alguma coisa, não é?

    — Não era óbvio?

    — Escuta aqui, eu vou ser direta ao assunto agora que estamos sós. Você não me passa nenhuma confiança. Cá para mim, você é um espião daquele maldito. — Meredith ergueu o pedaço da espada e apontou para ele com as sobrancelhas cerradas. — Portanto, um inimigo a ser derrotado.

    — Sinto muito se em algum momento passei essa impressão, mas eu também sou um pobre coitado nessa.

    — Sério mesmo? Eu não acredito.

    — Por quê? Só porque sou um capanga dele?

    — Na verdade, eu acho que… — Antes que Meredith pudesse terminar sua fala, ouviu alguns passos que pareciam subir ao monte onde eles estavam. Seus olhos foram direcionados para aquela íngreme, cada milésimo, revelando o homem que se aproximava.

    Meredith cerrou os punhos na alça da espada, com o tamanho reduzido a uma simples faca.

    Irmão da Frida retirou dois punhais, que havia escondido atrás das suas costas.

    — Carne… Carne… Carne…

    Era o som que eles podiam ouvir, pequenos sussurros. Logo, o homem de longas madeixas negras apareceu à frente deles, freando seus passos e os olhando atentamente, enquanto possuía dois ossos do tamanho de uma espada em suas mãos.

    — Carne… — Arregalou os olhos, cujas pupilas estavam dilatadas, e elevou aquele osso à sua boca, lambendo docilmente com sua língua.

    Meredith fez uma cara de nojo ao se dar conta do quanto aquele cara babava uma saliva pegajosa que caia por terra, do quanto seus olhos negros estavam tão devoradores… Do quanto aquele homem barbudo, gordo e peludo — com uma veste de pele que cobria metade do peito e a parte íntima —, estava vendo eles com uma refeição a ser degustada.

    — Era só essa que me faltava…

    — Nos faltava, isso sim.

    — Você não, é só pedir ajuda ao seu líder.

    — Aquele sádico? Você acha mesmo que ele vai me ajudar?

    — Cuidado, ele pode estar te ouvindo.

    Assim que Meredith disse, o irmão da Frida tampou a boca.

    — Mim estar com fome, mim querer carne… — Ele lambeu os lábios duas vezes.

    — Se você quer mesmo conquistar minha confiança, esse é o momento de provar.

    — Eu quero é sobreviver! Não vai restar confiança nenhuma se todos viramos ossos, pois não?

    — De certa forma. Então, vamos nessa?

    Meredith o olhou severamente, mas com um sorriso ligeiro, que lhe depositava um pouco de confiança. Irmão da Frida assentiu com a cabeça, cerrando ainda mais as mãos em seus punhais enquanto se atentava ao seu oponente.

    — Carme! Carne! Carne!

    Ele deu alguns saltos e depois executou uma investida, correndo com seus dois ossos cruzados em direção a eles, enquanto sua língua balançava no vento, sua saliva sendo jogada de um lado para outro.

    — Carne!!!

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