Capítulo 84: Capacidade de Adaptação
Região da Savana
Fazia tempo… Aí, como fazia tempo que eu não levava um tapa tão forte como esse com recurso a um objeto, normalmente, vulgo chinelada. Pela pressão, fui arremessado, mas não permiti que Frida se machucasse — entre aspas — porque o meu chute na sua cintura com certeza deve ter doido, mas foi o suficiente para a arremessar um pouco distante daquela mulher imponente, que não se deferia de um ogro.
Enquanto massageava a parte afetada, passos farfalhavam entre o gramado que misturava o seco e o vivido. A cada passo, mais badum para o meu pobre coração atemorizado.
Quando virei o corpo enquanto cerrava um dos punhos, o outro ainda acalentando a dor, meus olhos quase que deixavam o corpo de tão arregalado que estavam. Aquele ângulo era terrível… De baixo para cima, seus músculos bem definidos como uma lutadora de boxe, veias rompendo sua testa, dentes cerrados e olhos felinos devoradores, enquanto suas narinas pareciam soltar fumaça devido à sua forte respiração.
Engoli em seco.
— Vamos, levante-se! — Ela bateu o cajado no chão, abrindo uma pequena cratera enquanto fazia grãos de areia pularem para cima das minhas vestes.
Me levantei, sim, mas não como ela desejava, não com uma postura imponente, mas como um humilde homenzinho magrinho que estava disposto a se humilhar para que tivesse sua vida poupada.
Com os joelhos dobrados, apertando um contra o outro, encurvei a cabeça no limite da terra, minhas costas fazendo uma curva meio dolorida enquanto minhas mãos se assentavam próximo ao rosto.
— Por favor, me perdoa! Por favor, poupe minha vida!
Cerrando os lábios, sem nem olhar para sua expressão, aguardava temerosamente por sua resposta, que não tardou a vir.
— Homem fraco! Morra!
Uma sequência de golpes com o cajado fora desferida contra minha cabeça, um galo se formando até o momento em que disse basta e segurei seu cajado, erguendo o rosto indignado, em troca recebendo um chute na nuca que voltou a me arremessar enquanto sangue flutuando das minhas narinas voava pelo ar.
Eu realmente esqueci… O diálogo há muito tempo era na base do soco, então não tinha muito que eu pudesse fazer. Usar palavras elegantes contra uma pessoa que não sabia o que era escola com certeza não resultaria.
— Grrr!— Soltei um pequeno rangido quando meu corpo tombou naquele revelado seco, o chão também não contribuía… Se fosse na praia onde estávamos, talvez… Ah, suspirei, agonizando da dor que corroía minhas costas.
E no meio disso tudo, me perguntei: o que Frida estava fazendo?
Meus olhos não estavam bem não. Minhas pálpebras estavam pesando sobre eles, como se a qualquer momento eu pudesse perder os sentidos. Ao passo que aquela mulherona nem queria saber disso.
“Se eu tivesse ao menos um pouco de mana…”
Tentei forçar uma esfera, mas nada surgia. Parei, porque se me esforçasse além disso, eu com certeza poderia muito bem entrar em estado de coma.
“Droga, será que a única opção agora é desistir?”
— Já sabia, você não ser digno de mim. — Com aquele tom arrogante, ela direcionava o cajado contra mim sem nenhuma piedade.
Fechei os olhos, contorcendo os meus lábios numa tentativa inútil de reprimir aquelas palavras que martelavam a minha mente. Um “eu desisto” com um gosto bem amargo, mas era melhor assim do que provocar dor nos meus companheiros.
No entanto, os céus ainda não haviam determinado isso, literalmente. Um sorriso contorceu-se no canto dos meus lábios ao contemplar fumaças tingindo o céu, freando o cajado e atraindo os olhos daquela mulher. Aliado a isso, meus ouvidos captaram uma onda sonora de crepitar de chamas. Quando finalmente virei os meus olhos para o lado, um laranja brilhante tomou meus olhos, aquela chama resplandecente que se espalhava por tudo quanto era lado.
Induzida pelo fascínio, a mulher me deixou em paz, dando costas enquanto caminhava naquela direção.
Como se uma lâmpada tivesse acendido na minha mente, eu percebi o que estava se passando ali… Claro, na idade da pedra era normal os homens das cavernas usarem chamas para espantar predadores e isso era visível nos animais que recuavam vagarosamente enquanto formavam uma postura defensiva e ofensiva diante do que para eles era sobrenatural.
“Mandou bem, Frida!”
Dei um sorriso largo e me levantei, saindo de fininho, passo a passo, enquanto a mulher das cavernas permanecia boquiaberta e imóvel. Rapidamente, contornei o espaço contrário às chamas na trajetória de arco e fui para onde via um braço balançando em meio a pequenas chamas, um sinal claro da Frida sobre o nosso ponto de encontro.
Assim que consegui chegar ali, me joguei de traseiro e dei um sorriso enquanto contemplava minha salvadora encostada em um pedregulho rente a uma árvore seca, nossos rostos e vestes tremeluzindo à luz das chamas.
Ela cruzava os braços enquanto soltava um sorriso triunfante.
— E aí?
— Mandou bem, Frida! — Passei o dedo no meu nariz e ergui-me com ânimo. — Quer um abraço?!
— Eca, que nojo. Sai fora. Nunca. Jamais. Desapareça.
— Caramba…
A última vez em que ouvi isso foi quando minha me declarei para uma amiga minha nas brincadeiras e a sentença “tudo que ela pode dizer é não” nunca fez tanto sentido como não fazia agora.
— Coitado de quem se apaixonar por você, Frida… Ah, espera… — Deslizei meus dedos pelos lábios enquanto fazia uma expressão travessa. — Será que você falaria isso para o Oceano?
— Huphm! Não se compare com o Oceano. Ele não é um homenzinho como você. Ele, sim, é um homão… — Essa última palavra, ela murmurou com uma voz tímida, mas logo deixou seu semblante severo enquanto tossia com o punho contra os lábios. — Não falemos mais nisso, se não te deixo para morrer.
— Que cruel… Mas enfim, mudando de assunto, como você criou as chamas?
— Ah, com duas pedras. Nem havia pensado nisso. Fiquei tão nervosa que peguei duas pedras e bate e zas, faísca para lá! Nem sabia que pedras podiam fazer isso.
— Entendi. Como na história.
— Como assim, como “na história” se os homens já haviam nascido com magia elemental na altura?
É mesmo, neste mundo a narrativa era diferente. Os homens daqui sempre tiveram magia elemental, foi a primordial, agora no meu mundo foi pela batida de pedras que se descobriu as chamas. Por isso, neste mundo, os homens das cavernas não tiveram dificuldades para evoluir e não mudavam de habitação com frequência.
— Ué? Como assim?
— Ah, deixa. — Ela depositou a mão na testa, decepcionada. — Esqueci que você é um burro. Nem deve conhecer a história.
— Olha quem fala!
Não me senti tão indignado assim porque era a reação que eu esperava por parte dela. E no meio daquilo, notamos que aqueles caras já estavam ficando pouco impressionados à medida que as chamas ardiam. Ao passo que elas também diminuíam de intensidade pela quantidade de relvado.
— Vamos sair daqui e nos reagrupar!
Assenti com a cabeça. Então, junto da Frida, começamos a correr na direção oposta às chamas para um lugar mais seguro.
Região desértica
— Lá vem ele… — Irmão da Frida estreitou os olhos, lançando seus dois punhais que giraram em rotação no vento enquanto abria um sorriso malicioso. Quando ele pegou os dois punhais, cruzou com os ossos do seu adversário, ambas fricções criando faíscas em suas laterais.
Ao passo que o espanto subia ao semblante quanto mais encarava o rosto daquele homem, que não parava de murmurar carne.
Meredith, na posse de uma faca, rumou com passos largos auxiliar irmão da Frida, mas no meio do caminho recebeu um vento que balançou seus cabelos para trás e com isso, viu irmão da Frida saindo a voar naquela companhia.
Revirando os olhos, Meredith esticou suas mãos agilmente e segurou um dos braços do irmão da Frida, sendo arrastada também. Sentia como se o seu braço fosse se desfazer a qualquer momento, então, sem escolhas, ela tomou uma trágica decisão…
Meredith arremessou o irmão da Frida e sacrificou-se, caindo daquele penhasco enquanto vislumbrava com olhos acolhedores e um sorriso no rosto o irmão da Frida no ar.
— Idiota! Por que fez isso?!
Assim que pousou em pleno chão, o irmão da Frida não pôde mais ver Meredith, restava-lhe focar no seu adversário que parecia não querer dar trégua. Sua investida veio cedo demais para suas lamentações.
— Carne!!!
— Quer carne, não é? — Com um sorriso, ele começou a trocar golpes, punhais contra ossos, produzindo faíscas.
No meio disso, veio-lhe à cabeça que aqueles ossos não eram normais, eles tinham as propriedades metálicas, por sua vez, fortes ao ponto de não produzirem danos significativos.
Irmão da Frida era obrigado constantemente a recuar enquanto crateras se abriam pela pressão exercida por ambos, a intensidade dos seus golpes cavando a área ao redor.
— Desse jeito…
Ele percebeu que quem, na verdade, estava tomando danos era ele, seus punhais não durariam muito tempo, as rachaduras já haviam se espalhado e a ponta havia sido quebrada.
— Carne!
— Ahhhh!
Com veias extrapolando as extremidades da testa e os braços, ele empurrou com ambas espadas o homem para trás, enquanto atravessava a camada óssea.
— Carneeeeee!
Uma chuva de saliva se abateu contra o rosto do irmão da Frida quando aquele homem abriu sua boca, cada extensão da sua pele repleta de gotículas pegajosas. Nojo acendeu sua expressão, o deixando com mais raiva, mas não tanto quanto a fome por carne que o homem das cavernas sentia.
Irmão da Frida foi derrubado, suas costas tombando contra o chão enquanto sua boca se abria, lançando gotas de saliva em meio a cratera que havia formado.
— Carne… — O homem lambeu seus lábios e ergueu seus ossos ao alto, prestes a desferir um último golpe contra sua presa ainda consciente, que o olhava com pavor.
— Socorroooo!
Era a única coisa que podia fazer, gritar aos céus. Mas parecia que sua voz não havia sido ouvida, porque os ossos avançavam contra sua testa… Contudo, nos últimos segundos, num pequeno instante, Irmão de Frida pôde ver aquele homem desaparecer da sua vista, acompanhado de um vulto.
Quando ergueu-se para perceber o que se passava, contemplou sua heroína imponente; de costas, enquanto segurava sua faca perante o homem das carnes, que encurvava a cabeça com uma pequena marca de pontapé que havia atrofiado sua roupa e pele, causando dobras que culminavam em uma espiral.
— Caramba… — Irmã de Frida chegou a assobiar de admiração.
— Você está bem?
Seus olhos se encontraram.
— Sim, mas e você? Como sobreviveu?
— Ah, no último instante eu… — Antes que Meredith pudesse concluir, teve que trazer a cabeça para baixo enquanto o osso transpassava seu peito. — Eu seguirei uma pedra pontiaguda e estreita — disse enquanto chutava aquele homem no abdômen, o arremessando novamente.
— E parece que voltou mais forte…
— Hum… — Ela meneou a cabeça afirmativamente. — Eu sempre tive uma capacidade evolutiva anormal.
— Um tipo de gênio, é?
— Brincadeira. Acontece que percebi que magia básica não é tão diferente da magia de peso que normalmente uso. Como sempre estou transferindo minha magia para os objetos, tentei seguir o mesmo princípio com minha mana. Demorou um pouco, mas consegui me habituar.
— Oh? Que interessante…
— Dito isso, se prepare, porque agora vamos lutar a sério!
Os olhos afunilados de Meredith confrontaram os esfomeados do homem das cavernas, que não parava de sussurrar carne enquanto tremia os ombros.
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