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    Enquanto segurava o controle, eu me questionava o porquê, lançando suspiros de pesar enquanto pressionava a mão contra o peito, lágrimas percorrendo minhas bochechas enquanto meus olhos brilhavam de tristeza diante da luz que fluía daquela TV e tremeluzia as minhas vestes.

    Por sinal, a única luz que me oferecia tristeza naquele cubículo, enquanto eu me encostava na cama, tendo os pés apoiados no tapete rubro e um saco de pipoca ao lado que acabou ganhando um gosto amargo na minha boca.

    — Por queeeeeee?!!! — Segurei minha cabeça com as duas mãos, como se fosse louco, enquanto lançava gotículas de saliva naquela TV que continuava transmitindo aquelas escritas na companhia daquela música, que para mim havia se transformado em motivo de tristeza, era como uma estaca cravada ao meu coração.

    — Por que isso tinha que acontecer?

    Eu ainda não acreditava que havia acabado, pelo menos, não dessa forma. Não era assim que eu desejava. Dei um suspiro novamente enquanto pressionava a mão contra o peito, como se fosse rasgá-lo a qualquer momento.

    Aquele era o fim da série que eu considerava favorita. Tudo quanto depositei nela havia se transformado em cinzas. Ao lembrar dela, meu sangue ferveria de raiva e a vontade de fazer uso das minhas cordas vocais para ofendê-la era alta demais.

    Já era a segunda vez que surtava por causa desse final, embora eu soubesse de antemão que os meus olhos sangrariam ao ver isso, decidi, ainda, assim ver. Essa série era uma adaptação do meu livro favorito, então pensei que o autor pudesse se dar ao trabalho de mudar o final, mas não… Não! Não aconteceu!

    Ele tinha que fazer aquele final!

    Tentar fingir que não aconteceu era inútil, que não teve final, pior ainda. Minha mente estava embriagada por aqueles últimos momentos que mudavam o meu estado de espírito por completo, fazendo com que veias rompessem as extremidades da minha testa e os dentes ruíssem.

    A pergunta que eu fazia era: por que o herói tinha que casar com a vilã?

    Tudo bem que ele queria quebrar o clichê de sempre, mas e o desenvolvimento? Ele pegou todo o desenvolvimento com a heroína principal e jogou fora, é isso?

    — Ufa! — Dei um suspiro, logo ouvindo a voz de uma certa pessoa, que não estava entendendo o momento pelo qual estava passando.

    — Jarves!!! Esqueceu que tem escola hoje?!!

    “ Eu não quero ir à escola” Me joguei naquele tapete, ainda com a mão presa ao controle remoto, enquanto a luz da TV ia diminuindo a intensidade. “ Estou de greve.”

    — Não estou passando bem hoje!!

    — Essa desculpa novamente?!

    — Não é, mãe!

    Segundos depois, vi a porta crepitar enquanto se abria rapidamente, uma pequena luz vinda da sala de estar invadindo meu quarto. Ainda deitado, meus olhos conseguiam contemplar aquela invasora de propriedade privada segurando o batente da porta.

    Seus olhos negros e sombrios pousavam sobre mim, um deles sendo omitido por algumas mechas negras. Trazia consigo um vestido castanho e um avental branco com bordas florais por cima. Largou o batente e apoiou uma de suas mãos no quadril enquanto se aproximava de mim com aquela expressão de reprovação.

    — Arrume as suas coisas e vá para a escola logo!

    — Mas, mãe, eu estou doente.

    De modo a aferir a veracidade das minhas palavras, agachou e impôs sua mão contra minha testa, franzindo o cenho em seguida, ao constatar uma temperatura normal.

    — Você está brincando comigo por acaso?

    — O problema é aqui. — Pressionei a mão contra o peito enquanto torcia meus traços de tristeza.

    Com um suspiro, ela voltou a ficar em pé, posicionando suas duas mãos contra a cintura enquanto me encarava com uma expressão do tipo “eu sabia”

    — Eu não avisei que essas garotas de hoje em dia não prestavam? Agora toma, é bom mesmo para ficar esperto!

    Ainda assim, ela não entendia. 

    — Vamos… — Ela começou a chutar o meu traseiro com suas pantufas azuis. — Levante-se!  Vamos! Fora! 

    Quando levantei contra minha vontade, ela me empurrou com ambas as mãos para fora do quarto. Dirigiu-se ao cesto de roupas, pegou o meu uniforme e a minha mochila, e atirou tudo contra mim. Ainda bem que tinha bons reflexos, segurei tudo.

    — Vá se arrumar no banheiro!

    — Mas mãe… — murmurei, começando a andar como um zumbi enquanto ela fechava a porta do meu quarto com um baum. — Eu só queria um final diferente.

    — Final diferente? Acho melhor você estudar para não reprovar. Isso, sim, vai ser um final diferente!

    Não precisava esfregar na minha cara que essa era a terceira vez que eu não conseguia mudar esse final infeliz da minha vida, em que acabava sempre por reprovar no mesmo ano.

    “Frustrante, não é?”

    Era isso que eu ganhava quando ficava viciado em livros ou séries e esquecia de estudar para as provas. Mas pelo menos não doeria tanto se os autores me dessem um final satisfatório, pelo menos umzinho.

    “Quer saber, vou escutar o conselho da minha mãe e focar no meu futuro, e quem sabe lá eu consiga criar a história dos meus sonhos com um final que eu tanto almejo.”

    “Quem sabe está muito longe”, suspirei. Eu sequer prestava atenção nas aulas, na verdade, o que eu gostava era mesmo assistir, mais do que ler. Recorreria à leitura quando assistia e deixava uma brecha de curiosidade que só poderia ser preenchida com a leitura do livro.

    Após me arrumar no banheiro, fui à sala de estar onde minha mãe, que se encostava em uma das cadeiras daquela mesa quadrada que carregava consigo um vaso florido, me esperava com uma marmita para o almoço em mãos, já que não tinha muito tempo sobrando. Estava dez minutos atrasado, embora a escola fosse perto.

    — Mãe, isso vai apodrecer — murmurei, lançando os olhos naquela tigela em mãos, que continha batatas misturadas com arroz de cenoura. — Não vê que está fazendo muito calor hoje?

    Ainda nem havia saído de casa, e algumas partes da minha pele já começaram a ser invadidas por gotas de suor.

    — Você sai muito tarde. Vai ficar o dia todo com fome?

    — Ué, tem a hora do intervalo. Eu dou um pulo e venho aqui em casa.

    — Eu vou visitar a sua tia, então só voltarei à noite.

    Estiquei a mão esquerda.

    — Chaves? Vai sonhando! — ela exclamou, dando um tapa na minha mão esquerda. — E não é essa mão que se usa para pedir as coisas. Quantas vezes eu vou ter que repetir “use sempre a mão direita, Jarves!”

    Estiquei a mão direita.

    — Eu não vou te dar! E você sabe o porquê!

    É claro que ela não me daria mesmo, já que uma vez eu saí do intervalo quando ela não estava e vim à casa com os meus dois amigos. Esse dia foi louco, fizemos uma grande festa. Me lembrei como se fosse ontem, foi bastante divertido. Comemos, bebemos, dançamos e assistimos, até a minha mãe ter estragado tudo com a sua súbita aparição.

    Parecia uma leoa enfurecida, rosnando de um lado para o outro:

    “Jarves, seu rebelde!”

    “Jarves, não foi assim que te criei!”

    E aquele blá-blá-blá que nunca mais acabava. Enfim, fiquei de castigo. E ainda tive que ouvir o sermão do meu pai. Ele gastava duas horas só para me dizer uma coisa:

    “Filho, não quero mais ouvir isso. Estamos entendidos?”

    “Sim, desculpa” Era o que eu dizia para que ele não continuasse, mas nos bastidores dos meus pensamentos eu guardava segredos de sua infância, que não poderiam ser revelados por eu temer levar uma boa chinelada.

    — Só não fiquem fofocando da minha vida, mãe. — Acenei, começando a caminhar em direção à porta. Ela retribuiu de volta enquanto sorria, balançando sua mão.

    — Que você é um preguiçoso, não é segredo.

    “Preguiçoso não, ótimo usuário do tempo. Ou talvez, não… Já que ultimamente tenho me decepcionado com os finais das minhas obras favoritas.”

    Balancei a cabeça negativamente, não voltaria a chorar. Continuei a caminhar, saindo pela porta, pelo quintal bem limpo do jeito que a minha mãe gostava. E, por fim, podia respirar o vento impetuoso que soprava na rua, enquanto caminhava entre as casas pequenas e grandes, me entretendo com os meus pensamentos fantasiosos.

    Por exemplo, agora, estava me imaginando a voar em plena rua enquanto anunciava aos pobres humanos a minha ascensão ao reinado como chefe desse mísero bairro caído.

    Era tão bom. Minha imaginação era tão fértil que parecia ser tudo muito realístico. Agora mesmo… Meus olhos se arregalaram ao ver o maior vilão dos animes vindo em minha direção enquanto carregava uma nuvem de poeira consigo naquele areal.

    “Só que dessa vez, você não vai me pegar, Sr. Vilão.” Cerrei os punhos, permanecendo em prontidão.

    Essa já era a terceira vez que um caminhão passava correndo na minha rua, só que dessa vez esse caminhão estava sendo perseguido por um carro policial cujas sirenes cintilavam em carmesim e azul, acompanhado do seu som.

    Provavelmente estavam perseguindo bandidos, porque os dois da cabine da frente tinham uma máscara preta cobrindo o rosto.

    Me encostei na parede como das últimas vezes, vendo o carro passar. Pelo menos era o que eu pensava, até que…

    Subitamente, o caminhão perdeu o controle e deu um rodopio, vindo contra mim. Contudo, não temi…  Como os meus reflexos eram rápidos, consegui correr o suficiente para que o caminhão não me esmagasse. Saltei e rolei para outra parte da parede.

    Suspirei de alívio, vendo a parte de frente do caminhão que estava ao meu lado deformada, com o motorista desmaiado contra o volante, enquanto o som das sirenes não parava de soar.

    Mas, ao que parece, comemorei muito cedo. Quando ouvi um som diferente das sirenes, elevei os meus olhos, contemplando um pedaço enorme da parede cobrindo toda minha visão com sua escuridão.

    — Só pode ser brincadeira.

    Essas foram as minhas últimas palavras.

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