Capítulo 1: Eu renasci
“Que dor… mas ao menos, eu sobrevivi…” Enquanto impunha a mão na testa, buscando amenizar a dor de cabeça do desabamento que havia se abatido contra mim, meus olhos se abriam para aquela realidade que não se parecia em nada com um hospital, percebendo algo peculiar.
Haviam pessoas em vestes renascentistas e medievais andando de um lado, algumas delas lançando olhares desdenhosos enquanto cuspiam no chão como se eu fosse uma criatura bizarra. Aliado a isso, havia casas com arquiteturas diferentes do normal, eram bastante similares às medievais europeias e o pavimento que compunha a rua era pedregoso.
Elevei a minha mão aos olhos para confirmar se não havia virado um monstro bizarro e, não, embora meu braço apresentasse muitos arranhões. Então, desci imediatamente os meus olhos por minhas vestes e elas não eram o meu uniforme, pior, eram castanhas e traziam consigo rasgões como se um gato tivesse brincado com elas.
“ Será que eu voltei no tempo?” Essa ideia passou pela minha mente enquanto meus olhos eram levados a contemplar uma caneca com uma moeda de bronze, deixando evidente a minha realidade. ” Um mendigo, é?”
Quando levantei, aquela cidade por algum motivo me pareceu familiar, a maneira como estavam dispostas as casas e a rua que levava a uma praça com fonte de água bem no fundo.
Comecei a caminhar, a passos lentos, enquanto curvava a cabeça para não bater de frente com qualquer um desses que mostrava repulsa por mendigos, o que também me soava familiar. Mas o que me levou ao espanto foi perceber dois jovens brigando numa esquina enquanto suas mãos pegavam fogo.
“ Com certeza, não… Eu não voltei no tempo… ” Saí dali imediatamente antes que me notassem e fui percorrendo as ruas enquanto a ansiedade tomava conta de mim.
“ Eu estou em outro mundo…” Essa foi a conclusão lógica a que consegui chegar.
“ O tão aguardado novo mundo.”
Cerrei os punhos e pulei de felicidade. Pelo que saiba, quem vinha de outro mundo reencarnado ganhava poderes overpower, mas então por quê… Eu não conseguia sentir um poder em mim? Ao menos, uma voz do mundo que me amparasse?
Tentei gritar por isso, mas me senti ignorado pelos céus.
A pior situação era reencarnar num outro mundo, sendo pobre; sem poderes, sem voz do mundo, sem nada.
— Mas de jeito nenhum eu vou aceitar isso! — Assim que gritei, minha barriga murmurou de fome.
Antes de mais nada, precisava arrumar uma maneira de se alimentar. Então fui pensando enquanto atravessava a praça com a fonte, que dividia quatro caminhos. Ainda era alvo dos olhos de quem quer que passava dali. No entanto, algo que deu à luz a minha mente acabou atravessando os meus olhos…
“Aquela é…”
Eles seguiam aquela ruiva, que acabara de sair de uma loja, começando a caminhar próximas às casas medievais, pelo passeio pedregoso.
Eu tinha a certeza de que conhecia ela. Sua fisionomia, seu corpo, aquele rabo de cavalo formado por suas madeixas carmesim, aquelas vestes… Sem dúvidas, era ela!
Sem perder tempo, corri em direção à moça, balançando a mão enquanto gritava com euforia:
— Ei! Ei!
Em resposta, ela fez uma cara de ogra assustadora, me fazendo frear os pés bem à sua frente. Com isso, atrai a atenção de algumas figurantes que começaram a sussurrar “um mendigo” enquanto se afastavam de mim, dizendo para que a ruiva fizesse o mesmo.
É, eu havia me esquecido de que nesse mundo eles tinham zero empatia por mendigos. A razão era porque muitos deles eram apenas alguns ladrões que cansaram de ganhar a vida roubando. E por sempre serem pegos toda hora pelos soldados e, consecutivamente, soltos, estavam com medo de voltar para o terror que eram aquelas cadeias. O que lá acontecia, eu não sabia, mas para esses ladrões deixarem essa vida deve ter sido terrível.
As figurantes se afastaram por supostamente não suportarem o meu cheiro e o meu rosto, e só a minha favorita e amada heroína havia ficado.
Com aquela postura, aquele rosto um tanto quanto assustador — ela não era assim — me encarava severamente.
— Quais são as suas últimas palavras?
“O quê? Eu nem fiz nada, mulher!”
— Eu, sabe…
Minhas bochechas coraram, estava indeciso com o que diria.
“Será que peço um autógrafo?”
— É dinheiro, não é?
Balancei a cabeça positivamente.
— Vá trabalhar e ganhe a vida honestamente.
— É que…
— Não roube mais do meu tempo. — Ela me deu as costas, começando a se afastar de mim.
“A minha última esperança de sair da miséria e de mudar o final dessa história.”
— Espera!
Ela não parou, continuou a caminhar.
Eu não queria fazer isso, mas não tinha escolha. Não era o momento para eu interferir na história, mas era uma emergência — eu estava morrendo de fome e dificilmente arranjaria um emprego nesse mundo.
— Você está comprometida, não é?!
Ela parou.
— Aposto 1000 moedas de ouro que o seu noivo vai traí-la daqui a 3 dias!
Aquela minha declaração causou uma leve comoção ao redor, mas como eu era um mendigo e desprovido de qualquer tipo de educação, fui taxado como louco. Mas o que eles não sabiam era que eu sabia de tudo que iria acontecer com os personagens principais desse romance, absolutamente tudo.
O vestido azul de renda que ela estava usando hoje era o que o seu noivo atual lhe ofereceu de presente três dias antes dela enfrentar aquela dolorosa cena… Seu noivo, a quem sempre teve apreço, com outra.
Ela começou a caminhar até mim, enquanto sacava uma espada do cinto largo fixado à sua cintura. Seus olhos azuis refletiam uma profunda raiva. Não era para menos, eu havia envergonhado ela. Meredith havia virado motivo de risadas por parte daquela gente.
— Prepare-se para morrer!
— Espere! — Encurvei a cabeça ligeiramente, juntando as mãos em oração.
— Já esperei demais!
“Esperou o que, mulher? Milésimos? Mas isso não conta, conta? Ah, não importa. Eu preciso pensar em mais uma informação para eu me salvar.”
— Se você me matar e descobrir que tenho razão, como vai me pagar as minhas 1000 moedas de ouro?
— Eu colocarei no seu túmulo. — Ela ergueu a espada ao alto e eu ajoelhei-me, suplicando rente ao seu vestido azul.
— Misericórdia é o que peço!
— Agora é tarde.
Eu tinha me esquecido desse lado dela.
“Ela não vai parar, não é?”
— Eu sei do seu maior segredo!
— Hã? — Ela parou a espada, suas bochechas coraram. — O-O que está dizendo? Não tem como um mendigo saber do meu maior segredo!
“Aí, como você é ingênua, Meredith.”
— Começa com B e termina com A. — Levantei-me, olhando-a com um sorriso um tanto quanto malicioso.
— C-Como você…
— Me pague o adiantado e eu te conto.
— Chantagem? — Ela apontou a espada para mim.
— L-l-longe de mim! — gaguejei, colocando as minhas duas mãos rente ao meu rosto.
— Então me conte tudo. — Baixou a espada ligeiramente.
Engoli em seco.
— Também não posso.
Só pelo que contei a ela, agora era possível que de alguma forma o enredo principal fosse abalado. E isso era o que eu menos desejava.
— Então vou tirar a sua cabeça do lugar. — Voltou a apontar a espada para mim, mas dessa vez segui mantendo uma expressão séria.
— Faça isso e jamais saberá da verdade.
“Se tem uma coisa que ela é, é curiosa.”
— Certo. — Ela guardou a espada na bainha, me dando as costas. — Daqui a três dias, caso o que você disse não se realizar, é melhor se preparar para o pior.
— E o adiantamento?
— Já fui passada a perna milhares de vezes na minha vida. — Começou a andar, seus passos ressoando pelos meus ouvidos. — Dessa vez será diferente.
“E eu tenho a culpa por isso?”
Ela desapareceu em meio a uma esquina após cruzar o terceiro caminho que levava a mais outra fonte adiante.
— E agora… Como farei para sobreviver durante três dias?
Bem, eu não queria fazer isso, mas não tinha escolhas. Me alistarei a uma guilda de aventureiros e eliminarei monstros para ganhar uma espécie de gema, que trocando, você poderia receber muito dinheiro.
“Se eu conseguir achar um bom grupo, posso pelo menos ficar com as migalhas.”
E assim, fui para a guilda de aventureiros, que ficavam apenas algumas quadras dessa rua.
“Pelo menos algo de bom, não é?”
Pelos menos os céus me abençoaram, me trazendo bem perto da guilda do distrito de Gallen, que ficava na cidade Capital de Gracia.
Após atravessar algumas quadras, enquanto enfrentava olhares de desdém e quase sendo agredido, finalmente havia chegado a guilda de aventureiros, que estava sob a tutela da família Stein. Era uma construção de madeira e pedra de um andar e tinha o aspecto de uma taverna, na verdade, meio que era uma mistura entre a guilda que ficava no primeiro andar e um restaurante no réis do chão onde os muitos aventureiros faziam suas refeições.
Subi os quatro degraus de madeira daquela taverna, empurrando a porta semiaberta.
“Wow! Eu estou numa guilda mesmo?”
Estava bem cheio de pessoas andando de um lado para o outro, e as tão lindas garçonetes, em seu uniforme branco e preto, estavam circulando pelas mesas, servindo carne e vinho.
“Que cheiro tão apetitoso!”
Suspirei, minha barriga começou a roncar novamente. Quando eu queria dar mais um passo em frente, um grandão que vestia uma jaqueta, que expunha os músculos do seu peito e dos seus braços, veio até mim. Um machado estava preso às suas costas. Ele batia o seu punho direito na palma esquerda.
— Aqui não é lugar para pessoas como você.
“Pobre, você quis dizer?”
— É-é que eu… — Gesticulei as mãos.
— Vá embora daqui!
“Droga!”
Dei as costas a ele e comecei a andar, relutantemente, em direção à porta.
— Sorte que eu não conheço sua história, seu figurante… — murmurei.
— O quê?!
— Estou saindo! Estou saindo!
Quando abri a porta, me deparei com um homem de cabelos negros, que era adornado por seu terno preto e trazia consigo bordas florais douradas espelhadas pelo tecido.
“Mas como o destino é interessante”, pensei, fitando aquele homem que cobria a boca, fazendo uma expressão de desdém.
“O noivo da Meredith, a heroína.”
— Saia da frente, seu imundo! — ele ordenou com sua voz grossa, enquanto franzia o cenho para mim.
— Faisal Wilbert Stein.
Ele amenizou sua expressão, soltando um sorriso presunçoso.
— Você me conhece?! Bem, deve ser mais um admirador das minhas conquistas!
Sua arrogância continuava a mesma.
— Agora saia da minha frente!
— Graziela Teorena Frecchit te lembra alguma coisa? — Dei um sorriso de malícia enquanto reunia os dedos para formar um coração. Como esperado, Faisal soube ler os sinais, ficando boquiaberto.
— O quê?! C-com você sabe?!
— Como sei o que?
— Não se faça de tolo! Sobre a minha mulh, digo, irmã!
“Ainda bem que depois de três dias, a minha Meredith irá descobrir quem de fato é esse tolo.”
“Como ele pôde trair aquela beldade por uma zé-ninguém que não tem onde cair morta? Por favor, os Frecchit estão indo para a falência!”
“Mas bem, ele nunca foi digno. Quem é digno e sempre será, é o herói e protagonista dessa história.”
— Me pague uma boa refeição e eu não conto nada para sua noiva.
— Q-quer morrer?
Veias saltaram da sua testa enquanto lançava seus olhos nada intimidadores para mim.
— Não sou o único que sabe desse segredo, caso eu não volte com vida para os meus parceiros, eles têm ordem para contar sobre tudo!
— P-parceiros?! V-Você por acaso trabalha como detetive para uma família nobre?! São os Volts, né?!
Ainda bem que ele mencionou isso, estava sem ideias para inventar algo caso ele tentasse me ameaçar novamente. Os Volts e os Stein eram duas famílias nobres rivais desse reino. Ao longo de anos, eles disputavam por uma posição hierárquica mais elevada, então seria conveniente para cada um que a reputação do outro fosse manchada.
— Elementar, meu caro. Como descobriu?
— Q-quanto você quer pelo silêncio?
— Uma casa, servos, e uma renda mensal de 100 moedas de ouro.
Com isso daria para sobreviver nesse mundo; sem trabalhar e nem me envolver com monstros.
— Renda mensal? Isso é um absurdo!
— É pegar ou largar.
— C-certo, vou ver se arranjo isso tudo!
— Agora eu quero que você pague uma refeição para mim, pode ser?
— Maldito!
Ele resmungou, mas fazer o que, né? O grandão tentou me barrar, mas graças ao Faisal, fui aceito sem quaisquer problemas.
Agora sim… Finalmente conseguiria comer e nem precisaria participar numa aventura. Para falar a verdade, esse era um mundo de fantasia sombria que qualquer que fosse figurante estaria destinado a perecer.
Se não me engano, daqui a três meses e algumas semanas, depois que a Meredith descobrir a traição e deixar essa cidade, ela será atacada por monstros que destroem e devoram tudo.
Eram monstros que mesmo os aventureiros nível S tinham dificuldade em enfrentar e olha que eram poucos que conseguiam alcançar esse nível. Por isso, muito deles, por respeito à sua vida, fugiam e abandonavam a população, a fim de salvar sua pele e treinar ainda mais.
E é aí que a história começou a ficar interessante, porque a família principal da heroína acabou por perecer na sua ausência e, quando ela veio a saber disso, decidiu formar a guilda de aventureiros mais poderosa deste mundo, para enfrentar o vilão mais forte que esse mundo já viu… O rei do reino das trevas.
Ah, pensando bem. Na guerra contra o reino das trevas, a população foi reduzida em 30%, o que queria dizer que eu, como um figurante, corria riscos de perecer nessa guerra.
No entanto, em hipótese alguma deixaria isso acontecer. Mas por enquanto, eu não me preocuparia com isso… Ainda tinha três meses e algumas semanas para pensar nisso, enquanto aproveitava a mordomia desse mundo.
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