Capítulo 2: O Ex Aventureiro Rank S
Enquanto segurava uma coxa de carne de javali, meus olhos encontraram aquele homem que encurvava a cabeça contra mesa com os cotovelos assentes e as mãos entrelaçadas em uma postura pensativa.
— Certo, Faisal. Me diga… Quando pretende pagar tudo que me deve?
Assim que eu disse isso, seus traços se contraíram de irritação enquanto cerrava um dos punhos.
— Você fala como se eu tivesse feito uma dívida com você!
— E não fez?
— Que seja! — Estalou a língua e levantou-se do banco. Apalpou suas vestes como se eu tivesse lançado algum tipo de vírus e pousou seus olhos em mim. — Venha a minha mansão hoje a noite!
— Antes de ir…
Ele franziu o cenho como um cachorro raivoso.
— Deixe algumas moedas de ouro.
Estalou a língua novamente e meteu a mão dentro do seu terno, retirando uma sacolinha dos seus bolsos interiores. Assim que deixou a sacolinha, como um mão de vaca, me deu as costas e saiu andando entre as mesas dos aventureiros que o cumprimentavam com um aceno breve.
Abri a sacolinha e comecei a contar, eram vinte lindas moedas de ouro.
Aí sim, agora sim eu podia comprar roupas novas, ao invés dessas roupas esfarrapadas, que chamavam muita atenção.
Até para me servirem algo, as lindas garçonetes precisavam amarrar panos como máscaras e os aventureiros só não haviam vindo me espancar porque eu estava com o Faisal.
Dito isso, decidi dar o fora daqui antes que aqueles aventureiros que me olhavam com desdém viessem tirar as minhas moedas de ouro.
Sai correndo em direção à porta, mas o grandão do machado parou logo a frente, me fazendo cair de traseiro quando colidi com o seu peitoral.
— Passa para cá essas moedas de ouro!
Era só essa que me faltava.
“Droga, eu deveria ter aproveitado sair com o Faisal, e agora…”
— Não te pagam o suficiente nessa guilda?
— É, você acertou, moleque — ele riu, cruzando os braços musculosos. — Há três anos que o meu salário permanece o mesmo!
— Quanto você recebe?
— Não acha que tá querendo saber demais?!
— O que é aquilo ali!
Apontei o dedo na direção da porta que o seu corpo másculo obstruía.
— Hahahaha! Não vou cair nessa!
— É sério! — Meus olhos arregalaram como quisessem deixar o rosto. No fim, ele caiu direitinho, virando para ver o que era.
E naquele momento me recolhi do chão, estendendo a mão que continha as moedas de ouro para ele.
— Maldi… — Seus olhos castanhos brilharam ao contemplar as moedas de ouro. Ele agarrou a sacolinha de moedas com força. — Dá o fora daqui agora!
Contornei o seu corpo másculo e sai correndo pela porta enquanto ele balançava aquela sacolinha de moedas, cantando:
— Hoje é festa! Hoje é festa!
“Que Idiota.”
“Você deveria ser demitido, isso sim. Aonde já se viu um guarda que rouba os clientes? Bem, não é como se na terra nunca tivesse acontecido algo assim comigo.”
Enfim, suspirei, apreciando aquela rua
movimentada de pessoas e seus cavalos,
enquanto descia os degraus daquela guida.
Retirei cinco moedas de ouro do bolso, que eu havia escondido quando aquele grandão se distraiu.
— Hahahahah!
Comecei a rir da minha desgraça. Mas bem, pelo que eu sabia, moedas de ouro valiam muito nesse mundo e cinco delas já bastam para eu sobreviver por uma semana, ou talvez duas, ou ainda um mês, se eu apertasse o cinto e começasse uma rotina de dieta.
Mas, por que estava me preocupando com isso se hoje iria receber a minha recompensa?
Iria gastar essas cinco moedas de ouro com roupas bem elegantes para que o Faisal não suspeitasse que eu era um golpista.
Por falar em suspeitar, os meus olhos puderam captar sombras me seguindo de um lado para outro como se fossem ninjas.
“Faisal não perde tempo, não é mesmo?”
Já até imaginei a ordem que ele deu aos seus capangas:
“Sigam-no, encontrem seus parceiros e matem-nos.”
Algo do tipo.
Bem, iria apenas seguir o roteiro. Afinal, se eles quisessem me atacar, já teriam feito há bastante tempo.
Entrei em uma loja aqui perto. A dona dela era a melhor amiga da Meredith. No livro, ela era muito inocente e gentil, pena que teve um fim terrível…
— Olá… Hum, quem é você?
Por essa eu não esperava.
Após deixar a fechadura, quando virei, encontrei uma menina de madeixas loiras, que formavam duas argolas nas laterais da sua cabeça. Trajava um daqueles uniformes de gerente, com lacinho vermelho no meio, que criava um certo contraste com a cor azul de sua vestimenta.
Eu não reconhecia essa pessoa. Provavelmente, fosse uma figurante, porque nunca tinha visto o seu rosto antes.
— Posso saber o que um imundo quer na minha loja?!
E das bravas, hein.
“Certo, seja gentil apenas.”
A luz do lustre fixado no teto curvilíneo de madeira, fui me aproximando do balcão, enquanto apreciava as laterais daquelas paredes tingidas de branco e suportadas pelo piso de madeira. Aliado a isso, haviam pedestais, que ilustravam algumas roupas como destaque para apreciação.
— Eu vim porque quero roupas novas.
— Se tiver dinheiro para pagar, quem sabe.
— Eu tenho.
— Onde você roubou?
— Ganhei honestamente.
“Chantageando alguém, é claro.”
— Sei… — Ela lançou um olhar duvidoso sobre mim, com as mãos assentes na superfície do balcão. — Mas bem, as roupas dessa loja começam de cinco moedas de prata para cima!
“Perfeito, posso pegar algumas bem legais com apenas uma moeda de ouro.”
— Me mostre as roupas mais estilosas que tem.
— Me mostre o dinheiro que tem primeiro.
— O que?
— Isso mesmo. Como vou saber se tem o suficiente para pagar?
— Isso serve? — Mostrei uma moeda de ouro. Ela arregalou os olhos, ficando boquiaberta.
— A-As roupas mais estilosas partem de cinquenta moedas de prata para cima!
“É sério isso, ela tá tentando me passar a perna?”
— Vou levar.
Ela estalou a língua e me deu as costas, começando a caminhar em direção a uma entrada cercada por duas cortinas castanhas.
— Me acompanhe.
Comecei a andar enquanto apreciava o aroma daquela loja. Ao passar pelas cortinas, entrei na secção de roupas masculinas, onde tinham inúmeras peças de roupas medievais penduradas em cabides, que se sustentavam em pedestais.
— Escolha a que vai levar. — Seu braço direito apontava para as variedades de roupas. Comecei a andar com os olhos brilhantes enquanto ela sacava um spray, pulverizando toda aquela sala com um cheiro de cerejas.
“Francamente, será que sou um inseto?”
— Não toque nas roupas, apenas aponte.
“Eu quero dar uma paulada na cabeça dela.”
— Certo. — Comecei a apontar para cada peça de roupa enquanto ela levava e colocava em seu braço esquerdo.
Foram umas vinte. Eram o suficiente para eu trocar e não lavar nenhuma.
Logo depois, voltamos para sala principal, onde ela colocou as peças de roupa bem dobradas sobre o balcão, verificando os preços das peças de roupa numa lista aí.
— Certo. Três moedas de ouro.
“Sua ladra! Pelos meus cálculos, nem equivale a isso tudo.”
— Se não tiver com o que pagar, apenas vá embora!
Relutantemente, retirei três moedas de ouro e deixei por cima do balcão. Com um sorriso mesquinho, ela empurrou as roupas para o chão de madeira que podia muito bem estar empoeirado.
— Ops. Minha mão escorregou.
Cerrei os lábios e peguei as roupas, enquanto ela alargava aquele sorriso malicioso.
— Que a sua vida também escorregue nas mãos dos monstros. — Sai andando para fora daquela loja enquanto carregava minhas preciosas roupas nas mãos. Ela começou a desinfectar o ambiente com aquele spray de cerejas enquanto gritava:
— Não volte mais aqui! Se possível, suma dessa cidade!
— É o que farei!
Rebati, fechando a porta.
Ah, suspirei. Estava rente à porta daquela loja. Desde que cheguei nesse mundo as coisas só estavam indo de mau a pior para mim.
Acho que esse era o resultado de ser um figurante.
Não via os capangas do Faisal. Provavelmente estavam por aí, escondendo a sua presença. Mas bem, não importava… Iria usar as minhas duas restantes moedas de ouro para comprar alguns itens de proteção como: poções de curas, espadas e armaduras. Na verdade, eu deveria ter economizado mais, mas acabei me empolgando demais.
Não que eu pudesse fazer algo com espadas e armas, já que mal sabia esgrima ou qualquer arte de luta.
Caminhei em direção à oficina de ferramentas, que era gerenciada por um ex aventureiro rank S e o seu neto. Eles possuíam um papel importante na obra, por terem sido um dos sobreviventes da invasão. Eles se aliaram a Meredith numa aventura pela formação da guilda de aventureiros mais poderosa que esse mundo já viu.
Empurrei a porta daquela pequena construção, que causou um leve som devido ao sino acima. Adentrei a oficina do ex aventureiro rank S. Por sorte, eu podia contemplá-lo bem na parede lateral, polindo suas armaduras enquanto o seu neto estava roncando lá no balcão.
— Bem-vindo à oficina Wieven. — O velho de careca e barba branca lançou um sorriso gentil, colocando as suas duas mãos para trás daquele quimono branco que o envolvia. Então, começou a se aproximar de mim. — O que deseja?
Pelo menos ele era o único que seguia se mantendo gentil comigo, independente da minha aparência e vestes.
Por falar em vestes, precisava arranjar uma sacola para colocar essas roupas, se não era capaz daquele guarda da guilda me achar e arrancar tudo de mim novamente.
— Eu preciso de uma armadura e uma espada para mim.
— Você parece não ter talento e mesmo assim busca uma armadura e uma espada?
— Como se eu já não soubesse — murmurei e ele ergueu uma das sombracelhas angulosas. — Eu almejo me tornar forte, apesar de não possuir nenhum talento.
— Gostei de você — Sr. Alexodoro disse, segurando o seu queixo. — Me lembra muitos dos meus discípulos que pereceram tendo o mesmo pensamento.
“Hã?”
Eu pensei que ele ia dizer que tinha futuro. Poxa, agora diminui minha autoestima.
— Mas você não é um dos meus discípulos, não é? — ele riu.
“Que engraçadinho esse velho é”
Soltei um sorriso torto.
— Mas bem, irei escolher a armadura e a espada que mais se adequa a você.
— Certo. — Soltei um leve sorriso.
— Só um conselho. Procure um mestre para treiná-lo ou companheiros de confiança que possam ajudá-lo.
“É… ele tem razão.”
— Sim, sei disso.
— Perfeito.
Começamos a vagar pelo pequeno cômodo da oficina enquanto os roncos daquele jovem ficavam cada vez mais altos. Posicionadas contras as paredes, haviam algumas armaduras muito boas e brilhantes por aqui, mas o Sr. Alexodoro balançava a cabeça negativamente, dizendo que não serviriam para mim, o meu corpo não aguentaria o peso delas.
— Essa aqui é perfeita. — Ele apontou para uma armadura platinada que estava posicionada no fundo da parede onde haviam algumas teias. Ela possuía manchas castanhas em alguns pontos, principalmente nas articulações.
“Que armadura mais feia! E olha esse metal, parece estar enferrujado!”
— Eu não quero isso.
— Quando você tiver força o suficiente, poderá usar as armaduras que quiser, meu jovem.
— Certo.
“Já que é um conselho de um ex aventureiro Rank S, por que não?”
Aproveitei um dos quartos daquela oficina para vestir uma das minhas roupas e cobri-las com a minha nova armadura. Por ser fraca e de baixa qualidade, ele me deu de graça. Bem, pelo menos não teria que gastar o meu dinheiro.
A espada ele disse que eu poderia escolher qualquer que eu quisesse e eu escolhi a que mais me agradou.
Depois disso, eu e o Sr. Alexodoro ficamos jogando conversa fora, sentados em um dos bancos perto do balcão, e quando menos esperávamos, os meus perseguidores arrombaram a porta da oficina. Alguns estilhaços de madeira caíram no chão. Eles estavam encapuzados. Sacavam suas espadas enquanto davam pequenas risadas.
— Não se movam!
— Especialmente você. — Acrescentou o seu companheiro, olhando para mim com desdém.
— Conhece eles? — questionou o Sr. Alexodoro, afagando a sua barba branca.
Balancei a cabeça negativamente.
— Então não há problema em acabar com eles.
Meneei a cabeça positivamente.
— Um velho?
— Hahahaha!
Eles começaram a rir.
— Pelo nível de mana que você emana, você não passa de um velhote rank E!
“Eles estão cego ou eu estou errado? Esse aqui é um rank S!!!”
“Não, espera…”
Sr. Alexodoro começou a movimentar seu pescoço e braços, provocando pequenos estalos no seu corpo.
“Ele deve estar escondendo o seu verdadeiro nível, só pode.”
— Venham!
Esticou seu braço enquanto dava um sorriso, com uma expressão intimidante.
— Nem precisamos usar magia para acabar com ele!
Eles partiram para o ataque, mas antes que o Sr. Alexodoro pudesse fazer algo, seu neto que em instantes havia aparecido por cima do teto, deu um soco na cabeça de um e um pontapé na cabeça do outro, logo usando uma força invisível para arremessar o outro; este que tombou contra uma das armaduras, causando um leve estrondo.
Os três foram derrubados e perderam a consciência.
— Essa não, vovô. Você ia mesmo matar eles?
Era Zernen, um rapaz de cabelos e olhos verdes, que vestia uma camisa castanha e macacão preto. Ele era um dos poucos personagens que conseguiu ter um pouco de destaque na guerra contra o reino das trevas, ao lado da minha Meredith.
— Não exagere, meu neto.
— Hum… — Zernen sorriu maliciosamente, deslocando os seus olhos para mim. — Então, quem é esse aí? Um inimigo?
Um arrepio tomou conta do meu corpo.
— N-Não! — Balancei a cabeça freneticamente. — Eu sou apenas um personagem de fundo!
— Hã? Bem, estou brincando! — ele sorriu, batendo no meu ombro direito. — Não vejo nenhuma intensão assassina em você!
Ainda bem.
— Mas o que esses caras queriam com você? Eles pareciam estar mais interessados em você do que no vovô. O que será, hein?
“Droga, o que eu respondo agora?”
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