Capítulo 23: Manipulador charlatão
Quando despertei, os meus olhos se depararam com aquela visão. Aquelas duas, Meredith e Theresa, estavam conversando alegremente uma com a outra.
De onde elas se conheciam?
” Ah, espera…”
Agora lembrei.
O irmão mais novos da Theresa foi um dos primeiros parceiros da Meredith na sua jornada como aventureiros. O outro foi o Faisal. Só que Meredith acabou desistindo temporariamente de ser aventureira quando o pai ficou doente. Ela passou os últimos dias com o pai e, quando ele bateu as botas, ela ficou deprimida.
Depois disso, o rei decidiu que ela deveria se casar e, como Meredith já havia se apaixonado pelo Faisal quando estavam no mesmo grupo, ela o escolheu.
E, sabendo disso, o irmão da Theresa se encheu de raiva e saiu do reino em uma jornada para esquecer a Meredith.
Esse era o laço que conectava Meredith e Theresa.
— Ah, você acordou? — Meredith notou a minha presença, nossos olhos se encontraram. — Ainda bem, pois quero que me explique tudo o que aconteceu enquanto estive inconsciente.
— Então quer dizer que esse homem tem o poder de ver o futuro? — Theresa olhou para mim seriamente.
— Pelo visto, vocês conversaram bastante enquanto estive fora.
— Parece que sim.
— Vamos, Jarves! Eu estou à espera! — Meredith estava muito impaciente.
— Calma, que eu já vou explicar. — Comecei por contar sobre o Zernen, de como eu havia informado para ele me visitar na cadeia caso eu não voltasse num prazo de dois dias. Depois, contei sobre a Alexandra e sua irmã, Istar.
Meredith ficou espantada por saber que Istar tentou envenená-la, mas ficou ainda mais chocada quando soube que tivemos um embate contra os homens mais fortes desse reino. Alecrim, ex-mestre das charadas, e Xavier, o homem da lei.
Me vangloriei para ela por ter derrotado o ex-mestre das charadas e por ter auxiliado a Alexandra a derrotar o Xavier numa intensa e ardente batalha de sentimentos.
— Sim, eu sei. Eu sei. — Sorri para Meredith enquanto passava o dedo sobre o nariz. — Eu sou um gênio! Mereço um presente, não?
— Depois pensamos nisso. Agora, pelo que você me contou, não tarda o rei enviará um mandado de busca e captura contra nós.
Meredith tinha razão. Era cedo demais para eu me alegrar com a triunfante vitória da nossa fuga. Agora, teríamos que nos preocupar com as perseguições que viriam depois.
— Você, como conseguiu esse poder de ver o futuro? — Theresa me lançou um olhar desconfiado.
— Eu nasci com ele, obviamente.
— Pelo que Meredith me contou no tempo em que esteve inconsciente, você a extorquiu por saber de um determinado evento que ocorreria três dias depois e também soube com precisão onde o mordomo iria tentar assassinar ela… — Ela se aproximou de mim com aqueles olhos azul-escuro severos. — E do nada vê um futuro destrutivo de Hengracia, muito suspeito. — Apontou o dedo contra o meu peito. Nossos rostos acabaram ficando próximos. Eu com certeza me senti sufocado, como se a qualquer momento ela pudesse me devorar.
E para piorar, Meredith apenas observava.
— Coincidentemente, todos esses eventos acontecem após uma fase crítica da sua vida em que se encontrava na extrema pobreza… — Theresa continuou falando enquanto me colocava cada vez mais contra a parede. Eu não sabia o que respondê-la naquele momento. Eu tinha me esquecido do quão perigosa era essa mulher. No meu mundo, ela faria parte do serviço de investigação internacional ou da FBI.
Por estudar plantas e atender diversos pacientes em diversas condições patológicas, ela acabou desenvolvendo as habilidades de uma psicóloga e uma investigadora nata.
“Meredith, o que você fez?”
Meu rosto estava coberto de suor enquanto eu enfrentava a expressão severa que Theresa fazia.
— Vamos, responda, seu charlatão!
“Charlatão?”
” Meredith, você vai… “
A cara que Meredith fazia contra mim também não era das melhores. Aquela expressão… Ela já estava começando a questionar os meus poderes de ver o futuro, diante das palavras lógicas e racionais que Theresa lançava sobre mim.
— Jarves, não me diga que era tudo mentira? — Meredith cerrou as sombracelhas para mim, uma expressão semelhante à que ela fez quando nos encontramos pela primeira vez.
“Bem, algumas coisas.”
Contudo, vamos dramatizar um pouco. Isso mesmo! Nada que uma brilhante atuação não ajude!
— Meredith, eu não acredito que estou ouvindo isso da sua boca. Logo eu, que te ajudei! Eu! — Pressionei a mão contra o peito enquanto contorcia os meus traços em uma expressão triste. — Eu que dei tudo de mim! — Comecei a suspirar enquanto lançava soluços falsos ao vento.
Tinha que agradecer aos dias em que a minha mãe me obrigou a ver aquelas novelas mexicanas com ela. Foi um desespero, mas ao que parece, consegui aprender um pouco do que era a verdadeira essência do drama.
“E então, o que acham?” Olhei para elas, sorrindo internamente.
Sinceramente, eu daria um bom ator. Depois dessa, quero ver elas me acusarem… Hein? Elas continuavam com aquela expressão séria, não haviam se comovido nem um pouco com a minha atuação.
“Pelos vistos, isso só funciona nas novelas mesmo.”
— Estamos à espera da resposta — exigiu Theresa.
— Acho que uma espada serve para retirarmos a informação necessária dele. — Meredith cerrou seu punho direito.
Engoli em seco e cai de joelhos contra o chão, enquanto entrelaçava as mãos em forma de oração.
— Eu juro! É tudo verdade! Eu realmente vejo o futuro e não sei como essa habilidade funciona! Então, por favor, acreditem em mim!
É, dessa vez eu estava sendo sincero. Menos a parte do “não sei como funciona.”
— Não sei não… — Theresa colocou um dos dedos contra o queixo. — Ele chantageia as pessoas, vai saber se isso tudo não passa de uma chantagem.
— Verdade. Ele só pensa no dinheiro.
Eu não acreditava que Meredith pensava isso sobre mim, depois de tudo que eu havia feito.
Tudo bem, tudo bem, que no início eu havia feito tudo por dinheiro, mas agora era diferente. Agora eu estava focado em salvar o mundo.
— Vocês têm razão! Eu sou mesmo um charlatão e fiz tudo aquilo por dinheiro, mas isso porque eu estava desesperado! Mas depois, quando eu percebi que os meus poderes realmente poderiam salvar pessoas, eu contei tudo para Meredith! E foi só isso! Mas se, ainda assim, não quiserem acreditar, não as culpo.
A última parte foi uma das frases do herói, dita com um rostinho manso e sincero.
— Hahahaha! — Meredith começou a rir.
E eu não percebi o porquê.
— Era tudo brincadeira — Theresa sorriu, colocando as mãos dentro dos bolsos do seu jaleco. — Era parte de um teste que eu queria fazer.
— Você é tão bobo, Jarves! É claro que eu jamais o colocaria em dúvida depois de tudo que fez para mim, porém, ainda assim, Theresa tinha suas desconfianças.
— Por sorte, eu consegui sanar tudo. Já lidei com diversos pacientes, o que afiou a minha intuição sobre o que é verdade e o que é mentira.
— Ha. Ha. Ha. — Dei um sorriso sem graça.
No fundo, eu suspirava por ter sido aprovado pelo senso afiado da Thereza. Dessa vez, ela e Meredith me pegaram.
Eu estava quase me mijando nas calças por pensar no que poderia acontecer caso elas achassem que tudo era mentira.
Vou me fazer de bravo.
— Pois saibam que eu não gostei! — Virei, cruzando os braços em uma expressão emburrada.
— Hein? Não! Foi a Theresa que me obrigou a fazer isso tudo! Theresa, diz alguma coisa!
— Lembrei que tenho clientes para atender. — Theresa começou a andar em direção à porta do quarto. — Vou aproveitar fazer um dinheirinho antes de Hengracia ser destruída!
“Como ela consegue falar isso tão naturalmente?”
Theresa fechou a porta.
Blam!
— Jarves… Olha para mim… — Meredith murmurou.
— Humph! — Fechei os meus olhos, batendo com pé contra o chão prateado daquele quatro. Mas, acabei abrindo um deles ao perceber que Zernen estava se remexendo naquela cama, parecia estar acordando.
— Parceiro! — Me aproximei da cama enquanto ele levantava as mãos para cima, bocejando.
— Sinto que tive um longo sonho… — Ele direcionou os olhos para mim. — Jarves?
— Finalmente acordou! — sorri.
— Ah, lembrei. Parece que eu perdi contra aquele capitão. Que cara forte, eu nem vi aquele último movimento…
— Você deveria agradecer por sair vivo depois de lutar contra o Xavier — disse Meredith.
— Só não entendo uma coisa… Como eu vim parar aqui?
— Quem você acha que foi? — Dei um sorriso presunçoso.
— Espera… Tá me dizendo que lutou contra ele?
— Mas o que você acha? — Levantei um dos meus punhos e Meredith começou a rir.
— Que não…?
— Ah, posso nem brincar que vocês já estragam a diversão.
— Se você soubesse lutar ao menos, aí eu poderia te dar um pouco de confiança! — Ele começou a rir e eu semicerrei os olhos. — Mas vamos! Diga! Como conseguiu passar por ele? Se não me engano, aquele cara não parece ser persuadido por palavras.
— Lembra do poder da Alexandra?
— Aquele da ilusão?
— Isso. Acabou que ela usou uma variação do seu poder, o clone, para poder criar um da sua falecida mulher.
— Hum, vocês pegaram pesado.
“Se até o Zernen está dizendo isso, não sei o quão furioso deve estar o capitão Xavier.”
— Foi necessário.
— Só uma coisa me incomodou nessa história — A voz suave de Meredith atraiu os meus olhos. — Os clones que minha prima fez jamais ganharam vida própria e começaram a falar por vontade própria.
— Também achei estranho quando ela disse isso.
— Hã? Por que estão preocupados, pessoal? Deve ser uma das especificações de sua magia. Ou seja, ela pode ter evoluído!
É, não poderíamos descartar essa hipótese. Nesse mundo, era bem normal habilidades evoluírem consoante a sua magia original, então talvez estivéssemos nos preocupando à toa com algo tão normal.
Blam!
A porta abriu-se bruscamente, relevando Theresa. Ela carregava alguns papéis dourados enrolados em sua mão.
— Voltei! E olhem o que trouxe! — Theresa mostrou um dos papéis dourados e os meus olhos arregalaram ao vislumbrar o conteúdo que tinha naquele papel. Era o meu rosto a tinta negra. Uma legenda estava logo abaixo, contendo as seguintes escritas:
Procura-se! Manipulador charlatão! Recompensa: dez mil moedas de ouro! Vivo ou morto.
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