Capítulo 58: Inimigos mortais
Depois de deixarmos aquela parte da cidade, enfim nossos pés já caminhavam por ruas estreitas e íngremes, revelando o desnível daquela aérea em relação aos demais pontos da cidade.
Era como se estivéssemos escalando uma montanha repleta de casas e mais casas. Suas paredes estavam gastas, rachaduras eram visíveis por toda parte, inclusive nas janelas.
A única diferença que essa favela tinha com a do meu mundo era o formato e a construção das casas, de resto, era tudo igual.
Uma coisa boa que realmente ganhou a nossa atenção eram as lamparinas que ficavam fixadas nos postes. Elas estavam espalhadas pelos bairros, embora houvessem outros que não dispunham dessa luminosidade.
Theresa usou magia de cura como lanterna para nos guiar, uma esfera esverdeada lançava sua luz sobre as paredes que se estendiam até um abismo que parecia ser infinito, mas quanto mais andávamos, um pequeno ponto de luz ganhava forma.
Ao mesmo tempo, podíamos ouvir o som de pessoas falando enquanto uma música também ecoava por nossos ouvidos.
Não havia dúvida de que se tratava de uma festa…
Cheiro de carne e vinho atravessavam minhas narinas, me causando água na boca e acordando o meu estômago que começou a roncar…
Quando chegamos ao limite daquela luz, uma luz ainda maior se abriu diante dos meus olhos.
Um espaço aberto cheio de pessoas passava por nossos olhos. Elas dançavam e cantavam ao som de harpas, tambores e alguns outros instrumentos que eu não estava lembrando o nome.
Era um autêntico show medieval.
Havia uma fogueira no centro daquela praça, que ardia, lançando suas brasas ao céu estrelado. Do outro lado, uma fonte com a estátua de um homem com um barril por cima dos ombros, que despejava um líquido vermelho com um cheiro doce que acabou causando um certo incômodo na Thereza ao meu lado.
— Vinho…
— Que incrível, uma festa!
Os olhos do Zernen brilhavam como pequenas estrelinhas, enquanto um sorriso largo se formava nos cantos de seus lábios.
— Não há nada de incomum, as noites do sexto luar têm sido sempre assim na favela.
Diferente do meu mundo, que usava o sufixo feira para os dias da semana, eles usavam luar para nomear os dias das semanas.
— Você sabe muito bem disso, não é, Frida?
— Bem, eu tenho família por aqui, então às vezes acabo por passar por aqui.
— Ah, entendi.
— Bem…
Antes que Oceano pudesse dizer alguma coisa…
— Festa, aqui vou eu!
Zernen correu com os braços abertos para aquela festa.
Oceano suspirou e colocou o punho sobre os lábios, olhando para nós severamente.
— Bem, já que estamos próximos a uma festa, só nos resta nos dividirmos e reunirmos informações sem causar comoção.
Assentimos, balançando a cabeça. Meredith era a única que permanecia quieta. Havia soltado seu cabelo de tal forma que não podíamos mais identificar sua expressão em meio às diversas madeixas que cobriam sua face.
Sem dizer nada, ela apenas começou a caminhar enquanto Theresa a seguia por trás.
Comecei a caminhar e percebi que nenhum deles vinha ao nosso encontro.
Olhei para trás.
— Vocês não vêm?
— Agiremos nas sombras, nossas vestes revelaram nossa identidade e isso acabará por causar uma comoção.
A resposta de Oceano fez muito sentido.
— Tá certo.
— Quase me esquecia de dizer…
Meus olhos se encontraram com os de Frida enquanto ela falava.
— Tome cuidado e não se deixe cegar pelos perigos da noite.
— Eu sei disso!
“Fracamente, essa baixinha acha que eu sou uma criancinha por acaso?”
Continuei a caminhada e, quando olhei para trás mais uma vez, todo mundo havia desaparecido. Muito profissionais eles eram…
“E agora?” Coloquei a mão no queixo enquanto andava de um lado para outro, muitas vezes sendo encostado por aquela gente que não parava de dançar. Era tanta gente que eu mal conseguia avistar Meredith, Zernen e muito menos a Theresa… Onde eles haviam se metido?
— Vamos dançar!
Uma mão me pegou, uma delicada mão… Era uma moça de um vestido plebeu castanho com um decote redondo que expunha parcialmente seus seios fartos. Possuía cabelos castanhos e olhos azuis-marinhos. Era tão linda que me deixou hipnotizado.
Começamos a dançar, passos para lá, mãozinhas para cá, uma valsa ali e aqui. Como eu estava adorando isso. Nossos sorrisos se encontravam, nossas mãos quentinhas se entrelaçavam. Olhando bem, ela meio que me lembrava Alexandra.
Queria eu que fosse ela…
De repente, paramos.
— Dinheiro.
Ela esticou a mão e eu levantei uma sobrancelha.
— Quê? Como assim dinheiro?
— Pela dança… — Ela jogou os cabelos para trás como se fosse uma modelo. — Não pensou que fosse de graça, pensou?
Essa moça ficou louca?
— Você é quem me puxou para dançar, como pôde me cobrar?
— Tio Lorenzoooo!!!
Tio Lorenzo? Quem é esse?
Não demorei para ter a resposta. Um homem gigante de uma altura de mais ou menos dois metros, que tinha um corpo volumoso, apareceu atrás dela e lançou seus olhos carmesim sobre mim enquanto batia no punho da palma da mão.
— Este homem… Este homem me pegou para dançar, me beijou e me deixou!
Ela começou a chorar, esfregando seus olhos dramaticamente.
Então era isso que aquela baixinha queria dizer? Por que raios ela não foi clara, hã?
Ah, agora olha onde eu me meti…
— Então é você! Escuta, passe todo dinheiro que você tem agora, que eu esqueço tudo!
Saquei tudo…
— Então isso sempre faz parte do seu plano, não é?
Olhei para os dois severamente.
— Se não tiver dinheiro para pagar, vai ter que virar o nosso escravo.
Ela olhou para mim com um sorriso.
Eu bem que poderia tentar lutar, mas isso colocaria em perigo as nossas investigações e causaria uma comoção.
Por sorte, avistei Zernen lá em frente a uma banca de carnes gastando algumas de suas moedas. Mais para lá estavam aquelas duas, Meredith e Theresa… Bem, Meredith segurava a gola de um homem em busca de informações enquanto Theresa tentava apaziguar o ambiente.
— Vamos, pague! Ou torna-se escravo!
— Então querem que eu pague, não é?
Eles continuaram com a mão esticada, mas de repente começaram a dançar para bem longe de mim e eu fiquei sem entender nada, apenas ouvia suas vozes ressoando para bem longe de mim.
— O que tá acontecendo comigo?
— Tio, o que está acontecendo?!
Olhei para um dos telhados vendo a boca do Sond aberta. Se não fosse por ele, não sei nem o que eu faria… Na verdade, eu pretendia usar o meu truque de “olha aquilo” e fugir.
Mas bem, lição aprendida, não voltarei a me envolver mais com nenhuma das garotas dessa festa… Até mesmo se for para questionar, farei isso com homens.
Agora varria os olhos por aquele espaço, tentando avistar o meu alvo de pergunta. Bem, geralmente os que aparentavam saber de algo eram os que possuíam tatuagens e tinham cara de bandidos, afinal, isso mostrava que eles faziam parte de uma gangue.
Avistei um cara gordinho com cortes propositais nas roupas, uma tatuagem de dragão no olho direito e mais duas cicatrizes no rosto. Ele estava ao pé da fonte enquanto estava rodeado por duas mulheres que lhe davam de beber vinho na boca. Elas trajavam roupas iguais às egípcias, que davam um aspeto sensual ao corpo.
Tse, aquele cara…
Escolhi ele, porque também tinha preconceito com caras mulherengos.
Fui me aproximando dele lentamente e, quando percebi que haviam mais outros com tatuagem se ajoelhando diante dele, decidi esquecer e voltar para trás. Com certeza esse cara não… Ele era bem protegido por homens que tinham muito mais porte musculoso que ele.
Droga!
Mas…
— Ei, você, vem aqui.
“Eu?”
Fingi que não era eu quem ele estava chamando e continuei andando.
— Quer morrer?
“Tá bom, estou indo.”
Virei e comecei a caminhar até ele com um nervosismo atravessando meu semblante.
— Sim?
— Vi que você estava me reparando muito, tem alguma coisa para me dizer?
Minhas bochechas coraram, me deixando distraído com a beleza daquelas duas mulheres ao lado dele.
— Ah, eu, bem…
Antes que eu pudesse responder, uma voz familiar ressoou pelos meus ouvidos.
— Aí está você!
Quando virei, meus olhos se encontraram com os daquela garota que havia me envolvido naquela dança. A sua trás estava aquele grandão…
“Ué, mas tão já?”
— Irmã… — Ela caiu de olhos, começando a fazer drama. — Esse homem se aproveitou de mim!
— O quê?
A mulher do lado direito do homem da tatuagem de dragão, que possuía os mesmos olhos que ela, me olhou com desdém.
— Esse cão saiu correndo, irmãzinha! Maldito!
O grandão veio com um soco, querendo me espancar, mas com o braço levantado, aquele homem emitiu.
— Como ousa agir sem a minha permissão?
— Desculpa, senhor Gar! Sinto muito, não volto mais a repetir!
Ele se ajoelhou.
“Gar… Eu acho que já ouvi esse nome antes…”
“De onde será?”
“Gar… ”
— Ei, garoto, se isso for verdade, então você está em apuros.
— Não é não! Ela mente! Foi ela quem me envolveu nos seus braços e dançou comigo!
— Minha irmã não…
Antes que aquela mulher dissesse algo, o homem a silenciou, levantando o braço.
— Tem provas disso?
— Ela também não tem.
— Hahahaha! Não é que você tem razão? Tudo bem, vá embora, tá livre!
“É sério, tão fácil assim?”
— Muito obrigado por confiar em mim! Mas antes de ir embora, como já estamos falando, posso te perguntar algo?
— Pergunte.
— Você viu umas crianças por aí?
— Só hoje vi muitas crianças. Descreve como elas são.
— São nobres.
— Nobres, é? É, acho que vi.
“Que felicidade.”
— Sério? E onde você viu?!
— Aí, você já tá querendo saber de mais, garotinho. Possuí alguma relação com eles?
— Digamos que sim.
Gar sorriu como nunca tinha sorrido antes.
— Eu pretendia te aniquilar assim que virasse, mas como você me deu uma informação relevante para o meu chefe acho que vou só tirar um de seus braços.
No mesmo instante, vi um dos meus braços cair no chão enquanto sangue fluía da parte direita do meu ombro.
— Aaaaaaaaaaaaah!
O tanto que gritei de dor não dava para descrever, foi um grito tão forte que muitas pessoas pararam de dançar e dirigiram os olhos para aquela cena.
Aquelas mulheres e aqueles homens abriram um sorriso largo bem zombeteiro enquanto eu me agonizava de dor.
As duas cicatrizes nos rostos, agora lembrei… Então, esse era Gar, o oponente que levou uma surra da Meredith e do Zernen. Então, não era suposto ele ser fraco, segundo Meredith?
“Ah, droga! Que dorrrrrrr!”
Gar estalou os dedos, fazendo aparecer seus amiguinhos com tatuagem de bandido.
— Levem-no para o porão.
Quando aqueles dois homens fortes se aproximavam de mim, como um zás, Zernen e Meredith pararam na minha frente enquanto Theresa que havia aparecido subitamente atrás de mim, estava com uma esfera de cura, amenizando a dor no meu ombro que não parava de transbordar de sangue.
— Então, você ainda vive? Inacreditável, Gar!
— V-Você…
— Dessa vez…
Meredith levantou seu rosto, o olhando com olhos cheios de raiva.
— Você morre, Gar!!!!
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