A sexta-feira chega com a promessa de uma noite agitada, não para Sarah que prefere ficar em casa em cima do telhado olhando as estrelas que pintam o céu noturno.

    Perto de sua casa existe um ninho de Coruja-Buraqueira, em várias noites uma delas se senta bem no muro a frente de sua casa, mas nunca canta, só fica ali observando a espreita, esperando silenciosamente por insetos e roedores, enquanto isso, outras corujas cantam não muito distantes.

    Outra noite de cima do telhado, Sarah viu a coruja voar baixo beirando o muro de uma casa ali perto e voltar com algo entre suas presas. Ela não conseguiu identificar o que era devido à escuridão da noite, mas acredita que era um rato, eles costumam aparecer ocasionalmente por ali, entrando e saindo de bueiros.

    Algo curioso acontece às vezes, outra coruja canta escondida na rua, sempre que Sarah a escuta, ela entra em seu quarto, apaga as luzes e coloca três travesseiros enfileirados embaixo de sua coberta.

    Já passa das 23 horas. Com seus olhos fechados e focando em sua audição, as mais diversas melodias que a noite pode produzir começam a ecoar, e tudo que se ouve é o barulho dos carros vagando pelas ruas e cachorros latindo como se conversassem à distância.

    Porém, tem uma em especial que ela espera muito ouvir essa noite, a espera já está durando de mais, mais um pouco e os travesseiros debaixo da coberta perderão seu lugar.

    Alguns minutos se passam e ali está.

    — Uííííííííííí qíqíqíqíííííí

    Olhando para o muro, primeiro uma coruja silenciosa olhando alguma coisa do outro lado se apresenta, ela parece curiosa sobre o que está ali, não é a única. Passando um rápido olhar por toda extensão do muro, eis que surge uma cabeça e depois um braço, o som da coruja misteriosa ecoa novamente, ali está sua deixa.

    Depois de descer do telhado e correr pelo muro lateral, chega até a parte da frente, perto da sacada de seu quarto.  Sacada que é alcançada com um pequeno salto, e após encostar a porta e voltar para o muro lateral, ela termina de percorrê-lo até chegar na calçada.

    — Que demora! Já estávamos indo embora!

    — Demora? Eu estou esperando a mais de uma hora, vocês que se atrasaram! — Sarah esbraveja sutilmente enquanto termina de descer do muro.

    — ÉÉÉÉ… que a gente teve uns imprevistos… — Bernardo desvia o olhar.

    — Fala verdade, vocês estavam se amassando por aí! — Sarah os provoca enquanto termina de chegar até a calçada.

    — Eu falei para gente não enrolar. — Com um sorriso tímido no rosto, Marcela joga Bernardo aos lobos.

    — Aham… sei! Para começar a ideia foi toda sua! — Agora é Bernardo que entrega Marcela ao relento.

    — Ei, podem parar vocês dois, eu não ligo que vocês queiram aproveitar os momentos juntos, mas vocês agem como se eu não soubesse de nada.

    — É que não queremos fazer você ficar segurando vela, deve ser chato. — Bernardo inventa outra desculpa enquanto monta em sua bicicleta.

    — Pronto, agora vocês agem como se eu não estivesse segurando a vela desde o ano passado, até a coruja ali já tinha sacado o clima, menos vocês. — Sarah tira um leve sarro dos dois enquanto monta em cima da bicicleta de sua amiga, logo em seguida Marcela monta na garupa.

    Por um momento Sarah sente um cheiro que chama sua atenção, parece vir de uma sacola que está no cesto da bicicleta. Antes mesmo de começar a pedalar ela para tudo que estava prestes a fazer e olha para Marcela por cima do ombro esquerdo.

    — Isso é o que eu estou pensando? — Sarah parece um cachorro farejador em busca de algo.

    Bernardo olha para as duas como se estivesse olhando para duas flores em um canteiro, uma se parece uma bela e delicada margarida amarela que se chacoalha toda por qualquer brisa, a outra, imponente e firme como uma rosa, então ele solta algumas risadas enquanto termina de presenciar a cena.

    — Ooouuu, fica quieto! — Sarah chama a atenção de Bernardo, porém já é tarde demais, eles escutam um barulho de porta se abrindo e percebem que vem do quarto dos pais dela.

    Arrastando as bicicletas eles se escondem atrás do muro.

    Uma luz surge iluminado um pedaço da calçada e da rua, então Leila aparece na sacada de seu quarto com um olhar serrado de alguém que acabou de acordar. Ela lança um olhar a sua frente e para baixo, não consegue ver nada a não ser a pobre coruja com sua cabeça virada para trás como se estivesse reclamando da luz que está espantando suas possíveis presas.

    Após encarar a coruja por alguns segundos.

    — Cool… Coool! — Leila tenta um improvável diálogo com a coruja que inclina sua cabeça de lado enquanto a encara. Ela dá uma rápida suspirada e solta um breve sorriso, voltando para seu quarto e apagando a luz.

    Sarah está com a mão na boca segurando para não soltar altas gargalhadas, após alguns segundos da luz ter sumido eles montam nas bicicletas e partem para o mesmo destino de várias outras noites estreladas como esta.

    Após 15 minutos em suas bicicletas movidas por N2, passando por escadarias e calçadas, eles chegam até uma torre de comunicação cercada por telas, eles encostam suas bicicletas ali perto em uma árvore e começam a caminhar até chegar em uma das barras de sustentação. Existe uma parte da tela que está cortada, Bernardo a puxa e as duas passam, já do lado de dentro Sarah segura a tela para que ele possa entrar, em seguida os três se encaminham para a base da torre.

    Sarah faz a frente e sobe, sendo seguida por Marcela e depois Bernardo, após quase sete minutos de escalada, eles chegam na plataforma no topo, por mais que eles já tenham chegado ali várias vezes, sempre é como se fosse a primeira e última vez. O vento que não chega ao solo, ali é pleno e libertador.

    A vista da cidade e do horizonte nem é tão bela assim, mas o que está acima do horizonte… aquilo sim, saída diretamente de um sonho bom, as estrelas brilham como se fossem supernovas enviando seus últimos raios de luz para os mais longínquos cantos da imensidão escura do espaço, como se quisessem dizer “eu estive aqui”.

    Mesmo entre os amantes das estrelas, só alguns conseguem sentir empatia por aqueles pontos que aos nossos olhos estão brilhando em conjunto, porém, em suas próprias perspectivas, solitárias, emanam luz para todos os lados.

    Sarah as observa com olhar de empatia e admiração.

    Os poucos que conseguem aceitá-la estão bem ali do seu lado, deitados enquanto acariciam o cabelo um do outro. O sentimento que toma seu coração é de ser única, parecida com os outros somente na aparência. Brilhando solitariamente na imensidão do escuro, ninguém parece conseguir compreender sua completude.

    Está sentada de pernas cruzadas segurando um pote e comendo o maracujá com açúcar que sua amiga trouxe. O gosto as vezes a obriga a fazer algumas caretas, que inevitavelmente rouba risadas de seus amigos, já nem dá pra saber mais se Marcela lhe traz maracujá por amizade ou para ver suas caretas.

    Após quase uma hora e meia ali jogando conversa fora e rindo. Marcela se levanta e se senta ao lado de Sarah e encosta a cabeça em seu ombro, Bernardo faz o mesmo. Para completar, uma leve brisa vem bagunçar seus cabelos enquanto toca suavemente em seus rostos.

    De olhos fechados, Sarah solta mais que o ar preso em seus pulmões, e esboça um sorriso de boca fechada.  

    — Olha Sarah, hoje a lua não veio, assim as estrelas podem brilhar sem serem ofuscadas. — Bernardo fala enquanto coloca sua cabeça em uma das pernas de Sarah, o que faz com que ela tenha que a estender para ficar mais confortável.

    — Hoje o céu está menos chamativo, mas ainda continua bonito — Marcela aproveita o momento e coloca sua cabeça na outra perna de Sarah, que se deita com os braços cruzados por trás da cabeça.

    — É como se alguém tivesse estendido a mão e roubado a lua do céu, imagina que triste se ela nunca mais voltar. — Bernardo joga palavras ao vento enquanto estende sua mão para cima e a fecha no alto.

    — Mesmo que não possa ser vista agora, ela está por aí e logo voltará! — Marcela complementa o diálogo enquanto lança olhares para o alto.

    Um sorriso surge no rosto de Sarah, enquanto fecha os olhos e tenta escutar os barulhos da noite.

    — Fiquem quietos — Sarah murmura.

    — Cool…

    — Coool… Bernardo e Marcela a mãe de Sarah, que inevitavelmente começa a rir muito, logo seu riso puxa o riso dos dois, essa pequena parte do mundo é só deles.

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