Capítulo 12: O jardim da vida
Não muito longe dali.
Marcela e Bernardo estão encostados em uma árvore se beijando sob as gotas que driblam as folhas e despencam sobre suas peles quentes e sensíveis ao toque suave um do outro.
Sarah está sentada à beira do lago enquanto observa as gotas que caem a sua frente. Após despencarem e entrarem em contato com espelho d’água do lago, elas acabam moldando pequenas ondas que aparecem e desaparecem intensamente o tempo todo.
Em meio a admiração, por um instante escuta um galho estralar a suas costas, por instinto se vira para trás a procura de algo. Surpreendida por um pano verde que se aproxima do seu rosto, tenta se esquivar, porém sem sucesso. Agora tenta se livrar do pano que a sufoca pouco a pouco.
Neste pano ela observa inúmeros pequenos pontos brilhantes em um tom de verde abacate, que cobre toda sua extensão. Ao fundo bem rapidamente ela consegue observar pernas sendo arrastadas. Não demora para que seus olhos começam a se fechar contra sua vontade.
Após alguns minutos, Sarah começa a recobrar a consciência. Tentando abrir seus olhos, eles parecem pesar o dobro do que de costume. Tenta se mover, mas a mesma sensação se repete.
Um pequeno brilho parecido com o anterior começa a incomodar levemente seus olhos. Olhando para baixo em direção a boca, encontra o mesmo pano de antes, porém agora, ele libera um odor estranho junto de pequenos fios de fumaça que saem dos pontos brilhantes. Fumaça que rapidamente se esvai no ar.
Seus braços amarrados para trás começam a trazer um pequeno desconforto para si. Quando finalmente consegue restabelecer sua visão, lança um olhar para sua frente, na perspectiva de alguém deitado, encontra Bernardo e depois Marcela. Ambos amordaçados e amarrados estão desmaiados e encostados na lateral do que parece ser um veículo. Ao mover seu olhar, o interior da traseira de uma van sem os bancos de trás começa a tomar forma.
Uma pessoa com capuz parecendo ser um homem, está sentado à esquerda e um pouco distante. Ele está vestindo roupa preta e olhando para baixo. Mais ao fundo, há dois bancos com duas pessoas também encapuzadas sentadas neles. Uma está no banco do motorista e a outra está no banco ao lado.
Sarah tenta passar seus braços pelas pernas para assim ficar com eles em posição mais confortável. Com lentos, porém, esforçados movimentos seus braços agora estão para frente. Devagar vai retirando a mordaça da boca enquanto tenta se levantar sem que o homem ali atrás perceba.
Depois de conseguir, ela salta para cima dele e começa a tentar enforcá-lo com um mata-leão enquanto jogando o peso de seu corpo para trás. A confusão é notada pelos homens sentados nos bancos da frente. Um deles se levanta meio desequilibrado devido ao movimento da van. Percebendo isso, Sarah solta do homem que está tentando enforcar e retorna para o fundo.
Suas mãos sentem o metal a suas costas, o balanço da van não parece ser tão grande. O homem começa a tentar se levantar, se recuperando do golpe. O outro se apoia com firmeza na lateral enquanto tenta se aproximar aos poucos, com uma passada larga passa por cima dos dois desmaiados. Ele parece se preparar para dar um salto. Sarah lança um olhar pelo ambiente tentando retomar sua percepção das coisas.
Ao fundo, ela consegue ver através do para-brisa que os faróis revelam uma ponte se aproximando a toda velocidade. Reconhecendo aquele local, ela lembra que o rio ali costuma se encher com qualquer chuva mais intensa, igual à que caiu por todo o dia que se passou.
Ela puxa um grande fôlego e em sequência ameaça se jogar para a direita, enganando um dos homens que salta no vazio. Em sequência, ela se joga para esquerda se chocando com a lateral da van e se impulsiona para frente passando rapidamente pelo outro homem que até tenta impedi-la. Mas ainda desnorteado do mata-leão, perde o equilíbrio e cai no chão.
Sem hesitar um segundo, ela salta em direção ao banco do motorista e abruptamente aplica outro mata-leão que faz ele largar o volante. Seus braços estão tão contraídos que o encosto para cabeça salta para lado após um estralo.
Ela percebe que o homem não está mais reagindo. O estralo não foi somente do banco quebrando. Nesse exato momento ela sente uma grande força a puxando para a lateral, se chocando com o vidro da porta que trinca.
A van começa a girar e os vidros se despedaçam. Todos ali dentro são jogados para um lado e para o outro e um grande impacto vem em sequência. Sarah é jogada para fora por uma das janelas que já não tem mais vidro. Após esse último impacto, despenca por dois segundos antes de se ver mergulhando em uma correnteza feroz.
Ela consegue colocar sua cabeça fora da água, e se depara sendo levada rio abaixo. Enquanto flutua, lança olhares ao seu redor a procura da van. Por um breve momento um relâmpago corta o ceu e ilumina o ambiente por um breve momento. La frente um pedaço da traseira se revela sendo engolida pela fúria da água. Mergulho após mergulho, ela tenta se aproximar.
Ao voltar para cima, não consegue ver nada, então percebe que acabou de perder a van de vista. Volta a mergulhar uma, duas, três vezes e nada. Desesperada lança olhares perdidos na escuridão que só cessam por alguns momentos quando relâmpagos voltam a cortam o céu.
Já sem saber muito o que fazer e sendo cada vez mais levada para longe. Sarah começa a mergulhar no mesmo sentido do rio, só que um pouco mais para a diagonal esquerda, na tentativa de ir para a lateral ela busca encontrar algo no que se apoiar em uma margem que ela mal enxerga.
Após algumas intercaladas entre mergulhos e fôlegos, um raio despenca e corta o horizonte ao fundo, nesse momento a chuva parece cair em câmera lenta. Tudo está em silêncio, a única coisa que dá para se ouvir é o forte estrondo que sucede raio e sua respiração ofegante. Graças a esse momento ela consegue ver que mais adiante existem vários galhos de árvores encostando na água. Mais uma mergulhada e ela levanta os braços ao passar embaixo de um dos galhos, o agarrando com tudo que tem.
Após agarrar, ela joga suas pernas para se prender ao galho. Em seguida começa a se mover por ele até chegar à margem e ao tronco. Não é muito longe, dois metros depois e ali está Sarah encostada na árvore olhando para o rio com seus braços ainda amarrados.
Seu olhar está distante e vazio, sua face como mármore não esboça nenhuma expressão. Seus punhos se serram a ponto de fazer os pequenos ossos da mão estralarem. Então deixa seu corpo desabar perante a comunal força da natureza a sua frente e cai de joelhos no gramado que beira o rio.
A sua expressão vazia se transforma em um olhar furioso e insano. Ela força a corda entre os seus braços com tudo que tem, seus músculos estão totalmente contraídos. Um rugido como o de um animal selvagem no meio de uma densa floresta ecoa vindo de Sarah e corta tudo, inclusive o próprio barulho do rio.
Neste exato momento algo inacreditável acontece. Uma chuva de raios corta todo o horizonte. Inúmeros raios, um maior que o outro, despencam do céu como se possuídos por vida própria e com a intenção de destruir tudo.
Após alguns segundos um último raio cai rio abaixo. Assim, duas coisas acontecem, as cordas que prendem Sarah se rompem com sua força bruta, e duas flores são cortadas precocemente do jardim da vida.

Os punhos de Sarah despencam na grama como marretas em uma sequência de pura fúria, o solo se afunda nas áreas de impacto. Durante quase uma hora ela permanece sentada encostada na árvore enquanto olha para o rio, para a chuva e para a grama encharcada, o sentimento de impotência toma conta de sua alma.
Ela se levanta de cabeça baixa, e ainda com os pedaços das cordas em seus braços, começa a caminhar sem destino pela beirada da rua que tem ali perto. Até ser parada por uma senhora de cabelo grisalho que acabou de descer do carro em meio a chuva. Assustada com a cena se abaixa na frente de Sarah.
— Menina… você está bem? — A senhora a questiona, porém, resposta nenhuma surge, Sarah fica ali parada olhando para o chão.
— Meu Deus! — Ela pronuncia essas palavras enquanto olha para as cordas — Vem menina, vou te levar até um lugar seguro.
Ela a leva até um posto na cidade onde costumam ficar dois agentes das forças armadas a noite. Ao chegarem lá, a senhora conta para eles o que havia acontecido. Os dois se direcionam até o carro, olham para Sarah e perguntam como ela está. Só o silêncio ecoa entre eles.
Pedem para a senhora levá-la para o posto de segurança mais próximo em seu carro. Após ser examinada por uma médica de plantão, os policiais tentam novamente conversar com ela, mas falham outra vez. Decidem então largá-la dormindo ali.
Sarah se encontra enrolada em uma toalha, sentada em um sofá, as cordas já não se fazem presente, pelo menos não fisicamente. As horas passam, e o sono só vem 4 horas depois, quando seu corpo despenca para o lado sem sua permissão.
Pela manhã após acordar, se depara com seu pai ali do seu lado. Sentado e com o rosto moldado de preocupação, ele esteve esperando-a despertar. Por coincidência um dos agentes do turno da manhã os conhecia, então ele o chamou.
— Oooii. Bom dia, tudo bem? — Júlio passa a mão em seu cabelo.
Ela acena positivamente com a cabeça, e o abraça fortemente que retribui o gesto.
— Você consegue contar para gente o que aconteceu? — Um dos agentes volta a questioná-la.
Ela se solta de seu pai e olha para ele com um olhar triste e úmido, e balança positivamente com a cabeça. Depois de mais alguns minutos ali com Júlio, é levada até uma sala onde os agentes fazem várias perguntas que ela responde.
Depois conta tudo o que aconteceu. Eles hesitam em acreditar em algumas partes, como a que ela disse que matou todo mundo. Consideram que ela está traumatizada pelo ocorrido no relato. Após quase três horas ali, é levada para um hospital e depois para a casa por seu pai. Toma banho, se deita na cama e não demora a desmaiar. O tempo ainda é de chuva, e perdura por mais 5 dias antes de cessar.
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