Capítulo 16: O futuro que eu quero
01 de janeiro de 2009 — Praia do Paraíso.
Fogos de artifício explodem por todo o céu noturno espalhando desenhos que se movem. A tela que antes era reservada para as estrelas, agora ganha novas tonalidades das mais diversas cores. As pessoas reunidas, estouram seus champanhes, se abraçam, se beijam, sorriem acima de tudo, na esperança de um novo começo, de uma nova etapa em suas vidas, por que não uma nova vida?
Um bando de pequenas aves chamadas Alígeiros, já acostumadas com esse dia, estão voando pelo céu noturno sobre a muralha dos escolhidos. Se afastando do barulho mais intenso, até chegar a um pequeno distrito.
Quase toda a população da região se concentra em um pequeno lago para vislumbrar o espetáculo que brilha no céu. Exceto os ricos que se acham bons demais para se misturar, mesmo sendo da periferia. Também não estão ali os doentes e idosos esquecidos em hospitais, casas e asilos. Os antissociais preferem ficar em casa.
E tem os que simplesmente têm preguiça de mais e preferem dormir, se é que dá para dormir com tanto barulho. Não se vê cachorros por perto, pobres criaturas espantadas com a barulheira, na verdade não se vê nenhum animal por perto a não ser o humano.
Na frente de uma academia de lutas, um pouco afastado do lago, se encontra uma bicicleta presa em um poste, há essas horas a academia costuma estar fechada, mas se percebe uma luz em seu interior com alguns barulhos vindos de lá.
Um saco de pancadas balança. Junto dele Sarah toda suada, desfere um chute lateral a meia altura, em seguida um direto de direita.
Suas mãos seguram o saco como se estivessem agarrando um oponente, aproveitando a proximidade, uma joelhada seguida de outra e outra são desferidas, após uma rápida e curta afastada, junta toda sua força no punho direito e desfere um golpe rápido que perfura o alvo que nem balança. Ao tirar sua mão dali e relaxar seu corpo, a areia começa a cair sobre o tatame.
“Estou ferrada” A memória do aviso do dono da academia ressurge em sua mente:
— Se você estourar mais um dos meus equipamentos, eu vou te banir daqui, não importa seu dinheiro. Você nem se quer luta em competições. Vem de noite quando quer, e quando chego de manhã dou de cara com equipamentos estragados… não vou tolerar mais! — Dono da academia.
Com um balançar de cabeça ela responde consentindo.
Agora, olhando a areia no chão, suspira fundo, vai até o quarto de material de limpeza e pega uma pá, uma vassoura e um saco de lixo. Após limpar toda areia do tatame, coloca o saco de pancadas no canto, deitado com buraco para cima. Coloca um saco de lixo com areia ao lado e uma folha de papel dobrada, dentro da folha há um pouco de dinheiro e um recado.
Após tomar uma ducha, coloca uma blusa cinza com toca, um short esportivo largo que vai até o joelho e um tênis de corrida. Apaga as luzes e fecha a academia com cadeado. Pega o celular de sua mochila para verificar as horas, desencadeia sua bicicleta e começa a pedalar em direção oeste
Após quase 12 minutos de pedaladas, chega até seu refúgio.
Após cerca de 5 minutos, ela chega ao topo, o que antes era um clima parado sem vento e sufocante, agora se torna um clima fresco com uma brisa forte. Tudo está quieto de primeira, os fogos já se foram, as pessoas também, só alguns bêbados insistem em permanecer nas ruas.
Para cima, uma lua cheia e prateada se destaca imponente. Estrelas que se movem em linhas retas e tortas, e outras que rabiscam o céu, também se apresentam na pintura. Todas refletidas nos olhos de Sarah.
Deitada sem a toca, aprecia cada segundo da paisagem, e do vento que toca seu rosto.
Após algumas horas de admiração e pensamentos longínquos, seus olhos se fecham. O estímulo visual agora dá lugar para sons que antes não eram claramente percebidos. Um carro passando na rua ali perto, outro um pouco mais longe, e outro. Agora o barulho de um caminhão subindo uma rua aparentemente íngreme. Uma moto bem potente a toda velocidade. Cachorros timidamente latindo em vários cantos diferentes quase como se estivessem conversando a distância.
E até os Fai-Fai estão cantando, o que desperta um sorriso nela. Por alguns instantes aquele momento parece parado no tempo, até que de forma repentina seus olhos se abrem como se tivesse se lembrado de algo.
O canto dos Fai-Fai agora a incomoda. Ao olhar o celular sua preocupação se confirma. Apressa, envolve a toalha no celular e o devolve para dentro da mochila, se aproxima da beirada da plataforma e a solta lá de cima. Vai até outra beirada da plataforma e se vira de costas para escada. Após uma profunda inspirada, expulsa o ar de seus pulmões.
Com um leve salto para trás, cai dentro do arco que cerca a escada, e se segura em uma das barras de metal. Pouco a pouco vai se soltando da escada, a cada vez que ela repete essa ação, quatro barras são avançadas. Em uma queda controlada que levou menos de dois minutos, termina sua descida já se direcionado até sua mochila que está caída a metros dali.
Rua após Rua ela mantém a velocidade a toda, nem parece que acabara de treinar intensamente por três horas seguidas. Descendo por escadarias, atravessando um parque pelo meio, sem parar em nenhum semáforo, o percurso que ela costuma fazer em quinze minutos, é concluído em seis. Chegando em casa, abre a porta da garagem. Para seu alívio, o carro de seu pai ainda não está ali. Sua bicicleta é largada em um canto e a passos rápidos ela sobe para seu quarto.
Antes de se deitar percebe que está toda suada, assim decide tomar outra ducha. Esboça uma careta ao sentir o fedor da toalha em sua mochila, logo a joga em um cesto de roupa suja com o restante do traje de treino. Pega uma toalha limpa, tira a roupa do corpo e a joga juntamente no cesto.
Nada ocupa sua mente, só a alta percepção das coisas. A temperatura da água e a sensação dela colidindo com sua testa, escorrendo pelo seu corpo e o deixando relaxado enquanto inunda o ambiente de fumaça.
Enquanto caminha em direção a cama, aproveita para jogar a toalha no cesto após enxugar seu cabelo. Despencando nua na cama, seus braços se abrem de forma relaxada, seu corpo vai “afundando no colchão”. Depois de alguns minutos ela escuta um barulho de batida na porta.
— Sarah!! Você está acordada? — Seu pai bate na porta a sua procura.
— ESPERA! — Ela grita.
Em um pulo, levanta e coloca uma camisa larga e uma calça moletom, e se direciona para porta.
— Oi pai, o que foi? — Ela o indaga após abrir a porta.
— Eu vi a luz acesa, pensei que ia chegar em casa e você já ia estar dormindo — Ele se explica.
— Eu acabei de chegar em casa pai, estava indo dormir agora. Aliás! Cheguei antes de você! — Ela logo vai abrindo um leve sorriso enquanto solta um curto riso.
— Bem a sua cara mesmo… — Ele fala enquanto dá uma olhada de relance pelo quarto de sua filha.
— Ei! O que foi isso? — Ela o encara com estranheza — Se acha que tem alguém aqui? Aiai… — Termina a fala suspirando.
— É que você já é adulta né, isso seria normal… encontrar alguém aqui. — Ele olha para ela. — Não precisa mais fazer as coisas escondida, você já é responsável por você mesma. Mesmo morando na minha casa. Você tem liberdade.
— Você está bêbado né? Para ficar falando isso. Não se preocupe! Se eu trouxer alguém para cá, você vai ser o primeiro a saber. — Ela desvia o olhar por um momento e retorna. — E outra coisa, eu estive pensando sobre aquilo que conversamos. Já faz sete anos que terminei os estudos, aproveitei bastante esse tempo que você me deu para relaxar e decidir o que queria fazer. Eu quero viajar! Ver os monges nas Montanhas da Redenção e se possível, viver com eles por um tempo.
— Filha… — Ele a encara por alguns segundos.
— Vai dormir pai! Vai! — Ela expulsa o bêbado da porta de seu quarto.
Ele com uma cara de quem estava prestes a sucumbir ao sono a qualquer momento se direciona para seu quarto se escorando pelas paredes. Sarah se deita na cama e rapidamente cai no sono depois de uma longa noite. As horas passam e o dia chega ao seu auge, porém já parece fim de tarde. Tempo nublado, vento forte, as árvores balançam como se quisessem sair voando pelos céus. Alguns pássaros se arriscam a confrontar as forças da natureza para desfrutar de sua liberdade neste feriado de ano novo. E mesmo com o tempo prestes a desmoronar, é possível observar algumas chaminés de churrasqueiras trabalhando o mais rápido possível. O sol até tenta se destacar, mas as densas nuvens negras logo tomam a cena, o vento aumenta sua fúria a um nível que até então não tinha alcançado. Sarah se vira para um lado, depois para o outro, um desconforto paira sobre ela, sonhos? Pesadelos? Não! Lembranças.
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