Capítulo 34: Palavras que não foram escritas
Periferia de Eva – Zona 47 – Cemitério.
Em frente a uma lápide, Helena observa o nome Leila escrito em solidão. O vento toca friamente seu cabelo fazendo-o esvoaçar sutilmente. Seu olhar sereno e distante se perde em pensamentos.
Após alguns minutos ali jogando conversa fora com ela mesma. Decide seguir o caminho que costuma fazer uma vez por semana. Então caminha por calçadas e ruas. Passa pelo mercado para comprar algo, e revisita com ferocidade um pequeno beco esquecido. Ali se encontra uma velha livraria onde devolve alguns livros e pega outros.
Mais uma caminhada, e agora no salão principal da Guilda dos Arqueólogos, vasculha pelos murais a procura de alguma missão interessante. Outra vez, deixa o lugar desapontada com a falta de algo mais desafiador. Seguindo seu caminho, passa em frente à casa de Sarah. Se espanta ao ver alguns homens que comumente não estão por ali. O carro roxo também a deixa perplexa. Após observar por alguns minutos, sai dali decidida a voltar de noite.
Quando o tempo passa e a escuridão cai. Se esgueirando pela calçada, chega até a casa de novo. Repara que o carro não se encontra mais ali. Estranhamente a casa está toda apagada, e nem sinal de Sarah que costuma estar no telhado a essas horas.
Ela se aproxima da casa e sobe pelo muro até chegar na sacada do quarto de Sarah. Se espanta com o que vê, ou melhor, com o que não vê. Não há mais cortina, cama, nenhum móvel ali dentro. No desespero, ela força a porta a se abrir, que facilmente cede. O sentimento de solidão toma conta dela por inteira. Andando pela casa, corredores e mais quartos se apresentam tão vazios como o silêncio da noite.
Algumas lágrimas escorrem de seus olhos enquanto passa pela cozinha e desce pela escadaria até chegar ao porão.
Ali repousa o único móvel que ainda existe na casa. Se aproximando de um velho armário, logo percebe a sutil marca de desgaste na quina traseira. Ao observar mais de perto, repara no sutil desbotamento da cor marrom do móvel em duas áreas específica. Imediatamente percebe que são do tamanho de mãos espalmadas. Instintivamente coloca suas mãos ali e começa a empurrar.
Logo seus olhos se arregalam com a abertura que se apresenta na parede, e depois no chão. Lançando um olhar para baixo, vê uma escada que desce sumindo na escuridão. A calmaria que tomou conta de seu âmago nos últimos anos. Parece esvair entre seus dedos.
O instinto herdado em sua família. Os anos de treinamento em buracos e minas, faz seu coração voltar a pulsar como antes. Um pé de cada vez, começa a descida até chegar no túnel. Ao caminhar pela escuridão dele, se depara com outro túnel maior ainda, uma luz vagueia pelas paredes, vindo do lado direito e logo vai sumindo. Ela decide seguir naquela direção.
Bem mais a frente, se depara com um grande portal. Aquela luz, agora se encontra descendo uma imensa escadaria em direção a um pilar bem no centro de todo o local. Ao observar mais atentamente, outras luzes surgem de vários cantos, algumas longes, outras mais perto. Todas rondando o local como se procurassem algo.
Sorrateira, ela começa a descer os lances de escada até chegar perto do centro. Ao observar dois homens que parecem vigias, vindo em sua direção, sobe pelas grades de uma janela ali perto e se deita em cima do bloco de concreto.
— Que saco cara. Poderiam pelo menos ter deixado a gente usar aqueles novos N2. — Um homem segurando uma lanterna caminha resmungando sobre algo para seu colega.
— Você viu que maneiro! Aquela luz azul foda, ilumina até a alma da pessoa. — O outro responde com empolgação na voz.
— Sim! afff… Queria que eles confiassem mais em nós, para usar aqueles equipamentos.
— Pelo que fiquei sabendo, depois que a Alvorecer Dourada invadiu aqui. Eles transferiram todo equipamento para outra base.
— Que loucura cara! Como uma mulher consegue fazer tudo isso? — Ele fala enquanto observa uma das janelas. A parede ao redor toda preta como se fosse queimada. Olhando dali, parece que nem vidro tem.
Os dois param e observam juntos algumas paredes queimadas. Um deles joga a luz do farolete para cima, quase pegando Helena de surpresa. Rolando para o lado, ela observa a luz que bate no teto e revela paredes queimadas que se estendem até no alto.
— Ela tem o que? Uns quinhentos anos?
— Mais! Bem mais! Eles são outro nível. Acho que são imortais.
— Os androides eu até entendo, mas como outra coisa consegue viver tanto?
— Sei lá cara. Estou feliz com minha vida pacata. Eles que se matem por aí.
— Falando em se matar. Parece que vão enviar androides diretos de Ayda para pegar a Alvorecer!
— Sério!?
— Sim. Mais cedo, escutei um dos caras de alto escalão cochichando com outro. Estavam terminando de averiguar a situação daqui.
— Caraaalho! Queria ver aquelas máquinas em ação.
— Ei vocês dois! Oque estão cochichando aí? — Um terceiro homem chega no local.
— Nada não, só reparando nos queimados ali.
— Melhor voltarem a patrulhar. Se alguma merda acontecer aqui, vocês sabem o que vai acontecer conosco.
— Verdade…
— Sim…
Logo os dois se põem a caminhar novamente, então o terceiro volta a sua rota normalmente.
Enquanto os dois sobem as escadas eles voltam a conversar.
— Onde será que vai acontecer a batalha?
— Ouvi o cara falar, que ela está indo em direção ao porto para pegar um navio. Acho que querem dar um fim nela longe de tudo.
— É, acho que… — A voz deles vai sumindo até se tornar inaudível.
Após alguns minutos deles terem saído dali, Helena decidi voltar. Após conseguir subir até o porão novamente, recolhe o armário e parte em direção a sua casa. Chegando no pequeno apartamento que fica sobre uma loja de antiquarias. Começa a arrumar suas poucas roupas, que cabem em uma mochila marrom que sua família usa em escavações. Depois de deixar tudo pronto. Escreve um bilhete e o repousa sobre a cama. Coloca algumas moedas prateadas sobre ele e da uma última olhada no ambiente. Com sua mochila nas costas. Sai em direção a rodoviária.
Infelizmente para ela, a próxima passagem só partira no outro dia as 10:00 da manhã. Com a passagem em mãos, se põe a caminhar novamente até o cemitério. Sentada ao lado do tumulo de sua irmã, dessa vez nada diz. Pensamentos e mais pensamentos, tomam conta dela por horas.
Sem conseguir dormir, e com um livro em mãos. A madrugada escorrega por cada página e parágrafo. Assim como o sol toca a pele da personagem sentada a beira da praia no livro. Ele toca seus fios avermelhados, que resplandecem igual rubi sendo tocado pela luz de sua lanterna. Depois de uma silenciosa despedida, o tumulo de Leila, fica para traz, solitário e distante.
Voltando para rodoviária, não demora para o ônibus chegar. No embarque, observa jovens empolgados. Alguns usam armaduras, outros roupas de couro, e tem aqueles que se contentam com finos tecidos coloridos. Sentados no banco do lado do dela, eles conversam como se tivessem se reencontrado depois de anos.
Eles falam sobre a jornada de fogo, e do quanto treinaram para esse momento. Um deles, um jovem moreno e forte, apelidado de Bror pelos outros. Se gaba de ter alcançado tão rápido o nivel Trilhante. O anel cinza em um dedo da mão esquerda, não deixa dúvidas. Também conta como foi difícil sobreviver em uma das cavernas próximo à fronteira. Até levanta sua espada prateada, para que os outros possam ver o núcleo de N2 clavado no punhal.
Uma jovem que está sentada a suas costas. Que veste uma roupa de couro marrom por baixo de um manto preto. Carrega com sigo uma lança maior que ela. A amiga ao lado a chama de Miriam, quase como um sussurro. Pedindo para ela mostrar a lança para que o rapaz veja. Assim ela faz. Os quatro rapazes que se sentam do outro lado, regalam seus olhos ao verem a cor dourada que decora uma parte do cabo. As penas brancas que enfeitam a base da lâmina, balançam com o movimento.
— Cuidado para quem mostram suas armas e habilidades. A jornada de fogo é um desafio para poucos. Aquele deserto é cruel, e seus oponentes serão mais ainda. — Helena solta palavras frias enquanto folheia uma página de um pequeno livro.
— Você já participou? — Bror, a indaga enquanto termina de colocar a espada já na bainha, para repousar do lado de suas pernas.
— Não. Porém, minha família participa todo ano, e todo ano perdemos alguns dos nossos.
— Você é da familia Étrion, certo? A jovem sentada a suas costas, agora se faz escutar em bom tom.
— Como você sabe Arturia? — Miriam, a indaga enquanto repousa sua lança em um vão entre o banco das duas.
— Os pés, a familia Étrion não usa calçados. — Arturia responde, enquanto joga seu olhar por baixo do banco da frente por um momento. Se pergunta como ela consegue mantê-lo limpo e normal.
Alguns ali olham para ela com uma expressão mais rancorosa. Expressões que não durma muito ao escutar a resposta.
— Sim, algum problema? — Helena lança seu olhar esverdeado para o lado por um momento e logo volta.
— Como é ser um nobre? Nascer com tantos privilégios? — Arturia volta a questioná-la.
— Sinceramente? Um saco!! — Helena se vira no banco, cruzando seus braços sobre ele e repousando a cabeça ali.
Ela observa a jovem que está vestida com um manto cinza claro que contrasta com sua pele cor de chocolate. Em sua mão, um cajado retorcido, feito de alguma madeira negra como o carvão. No topo, um núcleo de N2 se encaixa entre o que parece, pequenos galhos retorcidos como dedos.
Arturia lança seu olhar castanho para cima, a encarando. Mas logo desvia o olhar com um pouco de vergonha. Ajeitando o boné também branco em sua cabeça, volta a olhar para Helena que agora observa Miriam.
— Vocês realmente se prepararam. — Agora ela lança olhares para os rapazes, e repara em seus anéis negros que contrastam com a pele pálida de seus dedos. — Se quiserem, eu posso dar dicas e conselhos para vocês. — Helena termina a fala, voltando seu olhar para Arturia.
Todos os seis jovens ali se animam. Despojam qualquer ódio e preconceito, diante da rara oportunidade que surgiu.
No caminho, Helena se pergunta se foi o certo ter ficado só observando Sarah por todo esse tempo, sem interferir em nada. Mas quanto mais olha para esses jovens, percebe que a diferença gritante que tinha entre realeza e plebeus, está sumindo. Com o tempo, eles podem até superá-los.
Durante a noite, enquanto os jovens estão tirando seu último cochilo antes de descer na Zona 25. Ela joga seu olhar longínquo pela janela. Em seus pensamentos, reflete sobre como uma nova era está se aproximando, e com sigo os personagens dela, estão ficando cada vez mais forte. Isso a faz pensar, o quão duro e cruel o futuro será.
Leves arrepios surgem por todo seu corpo, aventuras cada vez mais desafiadoras, a aguarda. Porém agora, tem uma missão da qual não pode desviar.
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