Capítulo 40: Segunda onda (Parte 3)
Os androides até resistem a água, mas não aos containers que vem junto e bruscamente os arrancam de suas botas. Um deles até perde o pé direito. Após serem arrastados, os dois acabam ficando presos entre os containers soltos e os fixos na base da ponte de comando. Quando a água se vai, corpos, grãos e tudo mais, menos o metal, se vai junto.
Tomando consciência da situação que se encontram, começam a forçar o metal para frente. Algumas pedras circulares e pretas, que estão presas nesse lado dos contêiners soltos, agem como um imã superforte que busca a todo custo os containers fixos. Com muito esforço e por um instante, eles impulsionam o metal para frente e saltam por cima caindo do outro lado antes de serem prensados.
No amortecer da queda, eles olham de relance para frente. Observam um espaço de quatro metros quadrados, que fica entre containers caídos e fixos. Os contêiners a suas costas, obstruem as rotas laterais. O da frente, bloqueia o caminho até a proa.
Mas o que mais chama a atenção deles, é aquela silhueta molhada, que segura uma espécie de punhal com um brilho estranho em volta. Um deles até o reconhece enquanto se lembra do relatório que leu, mas lá não dizia muito mais sobre. Ele também não dá muita moral para isso, e volta seu foco na figura a frente. O outro androide se equilibra em um só pé com muita destreza. Ele observa o sangue azul despencar em jatos que saem da sua perna em direção ao convés. Suas botas, pé e armas estão jogadas ao chão. As armas do lado de lá, e as botas do lado de cá.
Ela está de pé e de lado, bem no centro do espaço. Sua face virada para os dois, está inclinada para a esquerda e para trás. Sua mão direita aperta firmemente a adaga que reluz iluminando sua calça marrom.
Então escuta o barulho de algo batendo no metal do outro lado. Virando sua cabeça na mesma direção do tronco, ela olha para o chão a sua frente. Mantendo só a visão periférica nos androides a esquerda. Agora a direita, dois vultos com brilhos vermelhos em cima do contêiner se apresentam no outro canto de sua visão periférica.
Ela dá uma inspirada mais alongada, e solta o ar com calma. Os vultos da direita despencam no convés e agora se tornam silhuetas com punhos brilhantes. Uma delas tem um pouco mais de curvas que a outra. Por fim, as luzes do palco se acendem. Três feixes rodeiam o local focando nela. Estão tão pertos dos containers que quase se dá para ouvir o ranger dos metais se acariciando.
Após um breve período de calmaria, o navio volta a se inclinar, e a proa já começa a se descolar do mar. O silêncio toma conta do ambiente, somente o próprio mar, a chuva e os trovões ousam reclamar, incomodados com tal silêncio.
Um trovão e depois outro, cortam o céu e a escuridão, o terceiro estrondo surge após um clarão de energia atingir uma das naves que está fincada na ponte de comando, e começa a pegar fogo. O sinal foi dado, os dois androidess com punhos brilhantes avançam a toda, um de cada lado. O outro com seus dois pés descalços busca a todo custo suas botas. Aquele que perdera o pé, espera estático por um momento enquanto observa tudo.
As mãos trêmulas dos pilotos observam tudo com atenção, prontos para disparar. O navio continua sua guinada.
Quando os androides da direita chegam a dois metros, ela se vira para eles enquanto se abaixa. Uma grande puxada de ar antecede um repentino impulso para trás. Aproveitando a gravidade e a inclinação, se lança por cima dos dois androides que agora buscam suas botas, antes de serem obrigados a despencarem novamente.
Os dois que avançavam, param o avanço enquanto vão fixando seus pés no convés. Eles observam a acrobacia dela. Os outros dois enfim alcançam seus pertences. Colocando os pés dentro, já se preparam para forçar seus abdomens a sustentar seus pesos. Por azar, um deles terá somente um pé para se segurar.
Em um ato de improviso ele arranca o pé encharcado de sangue azul de dentro da bota, e o joga para trás enquanto coloca sua mão direita no lugar. Então se abaixa para tentar equilibrar o centro de gravidade.
Ao terminar seu voo, Sarah despenca em um conjunto de containers encostados na base da ponte de comando. O navio agora inclinado na diagonal, já aponta para as nuvens negras. Por um instante, elas se abrem revelando uma lua cheia resplandecente. Um feixe de luz prateado, corre rente ao convés iluminando a todos ali, inclusive ela ao fundo, com sua adaga.
Um instante é o tempo que dura tal cena que aparenta ter durado mais. O navio retoma sua rota de colisão enquanto a luz prateada some relegando aos trovões o papel de decoração. Sarah solta seu corpo e cai em cima do contêiner que a pouco quase esmagou os dos androides. No momento da queda, ela força um rolamento para frente, e ao fim se impulsiona em um curto salto em direção ao androide abaixado. O salto somado a queda do convés, faz ela ir mais alto do que calculou. Os pilotos até tentam mirar em algo, mas enquanto buscam uma altitude mais confortável, seus esforços se tornam inúteis. Mal conseguem iluminar a arena.
Um dos androides com punhos brilhantes, o que tem poucas curvas, se solta do convés se alçando em direção a Sarah com a sola do pé direito à frente buscando o contato. Porém, em um movimento repentino, Sarah lança sua adaga na direção dele o obrigando a perder a posição em um movimento desesperado de esquiva para trás.
Ele consegue, porém, desestabilizado, perde a trajetória devido ao movimento pouco aerodinâmico. O que o faz ter mais atrito com o ar e a água que despenca, e começa a cair mais rápido do que planejava. Quando termina de fazer a rotação para trás, ele sente uma força o empurrando para baixo bem em cima de seu capacete. O androide que está impotente preso a suas botas, olha para o alto e para trás, por cima da cabeça, incrédulo com o que vê.
Ela usa o próprio corpo do androide suspenso como uma leve plataforma para poder se alçar um pouco mais a frente. O androide despenca se chocando contra o convés e o contêiner caído. Sarah termina a queda em um rolamento para a frente, já se direcionando para o outro androide de punhos agora nem tão mais brilhantes. O androide abaixado, lança seu olhar rente ao convés molhado, observando a fina película de água ali se desprender com a vibração do impacto do navio no mar. Seu corpo se contrai mais um pouco, para manter a posição. Então ele vê a película retomar seu lugar ao solo, e junto dela ao fundo, o corpo do androide com um pouco de curvas, despenca junto. Caindo de lado, sem brilho algum em seu traje. Somente um brilho suave e prateado desponta do meio de seu visor. Então dois pés surgem em coturnos escuros e ensopados, depois o restante do corpo se apresenta se abaixando para retomar a posse da adaga.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.