Índice de Capítulo

    — Berequias Aatra, eu já ouvi esse sobrenome antes. — Helvetia está com uma faca longa, fina e extremamente afiada em uma das mãos. Seu chapéu repousa em um canto do cômodo. Ela observa o Carvão de Sangue a sua frente. Ele repousa deitado sobre uma grande mesa de pedra, já com a parte de baixo aberta e sem os órgãos.

    — Estranho, minha família não é muito de dar as caras por aqui. — O homem loiro de tranças longas responde ao mesmo tempo que seu olhar se perde a cada instante nos detalhes de alguma arma diferente. Seja pendurada na parede, ou dormindo sobre uma longa bancada de madeira que corre por toda a parede daquele lado.

    — Eu juro que já ouvi. Foi alguma coisa sobre ser a família mais pobre de Aía. — Helvetia faz um leve bico com a boca para o lado sem perder o foco. Ela não para de admirar a coloração do peixe tanto por fora, como por dentro. É possível ver que os ossos que se revelam por dentro. São tão pretos quanto o próprio carvão.

    — Não somos os mais ricos, isso é fato! — Berequias passa a mão em um cristal que serve de enfeite na ponta do cabo de uma espada curta. O cabo feito de uma madeira roxa, se destaca à primeira vista. — Mas também não somos tão pobres quanto mencionam por aí.

    — Que bom. Então você consegue comprar essa espada aí que tanto acaricia. — A fala dela sai com eco, por estar com a cabeça praticamente dentro da barriga do peixe. Então ela vai tirando a cabeça dali aos poucos, com um sorriso no rosto. — Esse com certeza será um de meus melhores trabalhos.

    Ele esboça um pequeno sorriso de boca fechada. Então ele pega a espada e a levanta. Não contente, caminha até perto de uma pequena janela no alto que joga alguns feixes de luz para dentro do ambiente. Ao passar o cristal sob esses feixes, é possível ver que existe água dentro dele.

    — Você acredita em magia? — Ele a indaga sem tirar os olhos do cristal.

    — Como não acreditar? — Ela responde após soltar um sincero riso e voltar seus olhos para ele. — Seres elementais. Animais que viram pessoas vice e versa. Até ronda boatos que a arvore no jardim de margaridas pode falar. — Ela se escora de costas para a mesa de pedra com as mãos e joga sua cabeça para traz buscando olhar o teto. — Esse mundo é imenso. Cheio de monstros e criaturas dos mais diversos tipos. — Sua imaginação se perde em meio a madeira escura das vigas que sustentam o teto. — Já ouvi falar até de um reino onde animais belos e alados, moram em ilhas que se elevam mais alto que o normal sobre águas turquesas. — O olhar alaranjado dela parece incendiado com tal visão.

    — E se eu te disser que não é só boatos. Que essas ilhas realmente existem. Que a arvore não só fala, como foi a progenitora de tudo. E indo mais além. Que nesse mundo, existe uma raça de humanos com asas, e que vivem no meio do gelo. — Agora é a vez de Berequias se perder na imaginação com o olhar ainda voltado para o cristal.

    — Você está falando das lendas do norte? Deuses abnegados e coisa do tipo? — Helvetia se aproxima dele para olhar mais de perto o cristal que ele tanto observa.

    — Pode parecer mentira, mas as famílias reais. Há muito tempo, viviam no mesmo lugar que esses Deuses das lendas. Era algum lugar perdido em meio a floresta negra. Já ouviu falar da fonte de água que cura tudo? — Helvetia concentrada na história dele, só acena positivamente com a cabeça sem interrompe-lo. — Existe um livro em Úra que relata tudo isso que estou falando. E nele diz que essa fonte fica bem no centro de uma antiga vila no coração daquela floresta traiçoeira. Essa era a vila de Maróbios. O lar original dos seres humanos de linhagem real. No livro, relata que graças a aquelas águas, o povo de Maróbios ganhou longevidade, força e resistência acima do normal comparado a qualquer outro humano.

    — Se tais propriedades realmente existissem. Por que seu povo abandonou esse lugar e hoje moram em ilhas ao Oeste? — Helvetia o indaga enquanto também aprecia a beleza de sua criação. Ela chega até a passar a mão por cima do metal gelado da lâmina.

    — Um dia, de dentro de uma caverna, surgiu uma grande serpente negra. Iotâ é como foi chamada. Ela atacou a vila e na tentativa de se defender, atearam fogo nela. Mas ao invés que queimá-la, o fogo se espalhou em uma coloração esverdeada por todo seu corpo. E ela por sua vez, botou fogo em toda a floresta.

    — Será que é por isso que chamam de floresta negra? — Helvetia se indaga já um pouco distante dele, retornando para seu Carvão de Sangue.

    — Seja pela serpente, ou pelas arvores queimadas. Esse nome foi dado a aquele lugar depois desse incidente. — Agora quem se aproxima do peixe é ele. — Tanto os humanos como os deuses, tiveram que fugir de lá. Vagaram pelo mundo até encontrarem moradias em outros lugares. — Ele termina a fala colocando a espada sobre a mesa de pedra.

    — História interessante. E o fato de existir mais uma dessas serpentes por aí, me dá arrepios só de imaginar. — Ela já está com a cabeça novamente dentro da barriga do peixe, e com uma faca de serra larga tentando retirar algum osso de lá.

    — Até o momento, há registro de três dessas serpentes. Essa última, acredito eu que é mais conhecida pelas famílias reais. — Berequias pega um frasco de dentro de bolsa marrom que carrega na altura da cintura. — Você por acaso tem algum recipiente pequeno por aqui?

    Sem dizer nada, ela aponta para um canto, onde repousa vários potes arredondados, feitos de madeira avermelhada. Após alguns segundos ele retorna e coloca um líquido azulado no pote e mergulha a ponta do cabo da espada em tal líquido. Afundando assim o cristal nele.

    — Nossa, vou precisar de mais do que uma faquinha dessas pra esse trabalho. — Helvetia retira a cabeça lá de dentro com uma expressão de frustação. Ela se apoia na mesa e passa uma das mãos sobre a testa enquanto encara os detalhes tortuosos da pedra negra.

    — Com imaginei. Você tem um cristal bem raro em suas mãos. — Berequias observa que o cristal agora ganhou uma coloração azul igual à do líquido, após absorvê-lo.

    Ela vira sua face para ele com uma expressão de dúvida. Mas ao observar o cristal, seus olhos se arregalam. Ela até estica a mão para pegar a espada. E a levanta para ver melhor. Depois de alguns passos ela retorna até a janela para expor novamente o cristal contra a luz. O brilho azulado se reflete por todo o ambiente, dando um tom mágico para o local.

    — Como? — Ela o indaga.

    — Zonodros é como chamamos esse cristal. Eu mesmo só tinha visto um desses até hoje. Na coroa do rei de Úra. — O olhar dele se perde nos tons azuis que rodeiam o ambiente. — Segundo um conhecido de Ônia, esses cristais tem a capacidade de armazenar partículas dentro dele. Mas difíceis de serem encontrados. Ainda não se sabe muito sobre. E eles também não falam o que sabem. — De repente ele pausa sua fala ao ver que Helvetia está balançando a espada e o cristal para lá e para cá.

    — E não vaza. Será que é preciso quebrar ele para isso? — Helvetia se prepara para atirar a espada no chão com o cabo voltado para baixo.

    — Ei! Calma! Esse líquido é um veneno, e quando entra em contato com a pele, causa queimaduras graves. — Ele a adverte antes de tal ato.

    — AAh. Então tá! Obrigada pelo aviso. — E se vira para a parede nua abaixo da janela e pega distância. E como se estivesse arremessando a lança novamente, ela atira contra a parede. O cristal demonstrou ser mais frágil do que imaginava. Ele se estilhaça todo e o liquido se esparrama pela região.

    — É, você acabou de quebrar um tesouro. — Berequias solta palavras ao ar enquanto repara na expressão pensativa dela.

    — Interessante. — Ela abandona a espada ali e se volta para ele. — Más me diz. Quais informações você busca?

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