Capítulo 1371 - Jardim Sombrio

Combo 114/250

O Quebrador de Correntes estava navegando pela extensão vermelho-sangue de água. Sob o céu carmesim escaldante, nenhuma força mística parecia estar influenciando-o… e, no entanto, seu curso estava sendo definido por alguém além da pessoa que segurava o remo de direção. O navio estava sendo puxado em direção ao templo perdido de Graça Caída. Em seu convés, três Mestres estavam se preparando para a batalha. Sunny estava se espreguiçando, sua expressão calma e focada. Não que Cassie e Nephis pudessem ver — ele havia invocado a Máscara de Weaver há muito tempo. 

Na batalha contra uma vidente corrompida, era sua melhor arma e escudo. Cassie havia invocado sua armadura e meia-máscara. A Dançarina Quieta e uma longa adaga estavam descansando em bainhas gêmeas em seus quadris. Nephis ainda estava usando sua túnica branca, mas havia uma bela espada longa em suas mãos agora. Seu punho era preto, com o símbolo de uma bigorna escarlate sendo perfurada por uma espada gravada no punho.

 “Como podemos lutar contra um inimigo que pode influenciar o futuro?”

Depois que Sunny fez a pergunta, ele e Nephis se viraram para Cassie. A garota cega franziu a testa ligeiramente.

 “… Como eu poderia saber?”

Quem mais saberia além dela?

Sunny hesitou por alguns momentos, então disse sem jeito:

“Uma pessoa que consegue prever o futuro não saberia como matar alguém da sua espécie?”

A garota cega se mexeu, então se virou para encará-lo. Após uma curta pausa, ela sorriu fracamente e perguntou:

“O quê, você nunca pensou em como matar alguém como eu antes? Muito?”

Ele tossiu.

“… Nunca me passou pela cabeça.”

Ao ouvi-lo, Cassie riu.

“É como Nephis disse, o poder dela tem que ter um limite. Digamos que ela pode alterar o caminho de uma flecha… então, acerte-a com duas. Se ela pode alterar o caminho de cem flechas, acerte-a com cento e uma.”

Sunny assentiu. De fato, esse era o método que ele havia inventado ao ponderar como lidar com Cassie… puramente por curiosidade acadêmica, é claro. Já que ela conseguia perceber alguns segundos no futuro, a única maneira de derrotá-la era exaurir sua essência ou criar um futuro que fosse inescapável. Então, saber disso não ajudaria em nada. O mesmo princípio funcionava contra alguém com o poder de alterar o futuro, em teoria. Assumindo que a Sylbil Profanada pudesse aumentar a probabilidade de certos eventos acontecerem, a chave para derrotá-la seria criar uma situação em que todos os resultados possíveis levassem à sua morte.

Ele suspirou. “Então, a abordagem de força bruta… Eu odeio isso.”

Nephis olhou para ele incrédulo. “Quer dizer que você gosta?”

Sunny balançou a cabeça seriamente. “Não.”

Ela hesitou por alguns momentos, então soltou um suspiro silencioso. “Essa máscara… é confusa.”

‘É?’ Sunny não achou que fosse tão confuso. Tudo o que fez foi reverter seu Defeito, fazendo com que ele só pudesse dizer mentiras. Como se viu, sempre mentir era muito mais libertador do que sempre dizer a verdade… isso porque havia inúmeras mentiras, mas apenas uma verdade. Dito isso, ele não gostaria de viver sempre usando a Máscara de Weaver. Mentiras podem ser libertadoras, mas ele não achava que uma pessoa que só enganava pudesse fazer parte de uma comunidade… pelo menos não de uma forma significativa.

E ninguém sobrevive sozinho no Reino dos Sonhos. Mas, muito mais importante… Ser amaldiçoado a sempre dizer a verdade o colocou em maus lençóis mais de uma vez, mas olhando para sua vida até agora, Sunny viu claramente como isso o beneficiou também. Sem o Defeito, ele teria continuado a mentir e enganar, permanecendo isolado e desconfiado. A mentalidade que salvou sua vida inúmeras vezes nos arredores teria se tornado o fim dele no mundo perigoso do Feitiço.

Ele não teria se aproximado de ninguém, e não teria feito amigos preciosos. E isso, muito provavelmente, o teria levado a morrer em alguma vala, miserável e sozinho.

… Sunny ainda tinha muitas chances de morrer em uma vala, mas pelo menos sua morte não seria tão amarga. 

‘Isso é crescimento pessoal…’

Rindo baixinho, ele olhou para o céu carmesim. Talvez Ananke estivesse certa. Apenas coisas falhas tinham um motivo para melhorar… e, portanto, ser falho era a maior fonte de crescimento.

O que isso significava para os deuses e os daemons, então?

Os deuses, que nasceram impecáveis, criaram a lei universal da imperfeição para alimentar sua própria ascensão ao poder? Se sim, qual deus foi que criou uma coisa tão astuta? Sunny permaneceu imóvel por um tempo, então suspirou e balançou a cabeça. Quem se importava com essas coisas? Os deuses estavam mortos, de qualquer forma. E ele também estaria morto, se os três falhassem em matar a Sylbil Profanada. 

“Não vejo nada.”

Nephis levantou uma sobrancelha, então de repente ficou tensa. “Quer dizer que você vê alguma coisa…”

Ela se virou e olhou para o horizonte.

Ali, uma forma escura estava lentamente aparecendo do brilho escarlate. Um templo torto estava se erguendo da água, a maior parte dele escondida da vista e submersa. Suas paredes, antes brancas e bonitas, estavam cobertas por rachaduras e cobertas de musgo. Videiras escuras estavam subindo pela fachada quebrada como uma mortalha, florescendo com belas flores pretas.

A ilha artificial sobre a qual o templo outrora se erguia estava quebrada e parcialmente submersa. O pouco que restava acima das ondas era como um jardim selvagem, sua extensão escura transbordando de espinhos. O próprio céu parecia escurecer conforme o Quebrador de Correntes se aproximava do templo abandonado à deriva. A sensação assustadora no fundo da mente de Sunny ficou mais forte. 

“Só relaxe. Tenho certeza de que não há nada com que se preocupar.”

Ele lançou um olhar sombrio para o Pecado do Consolo, então ordenou que as sombras manifestadas baixassem as velas. Ao mesmo tempo, suas próprias sombras se moveram, deslizando pelo convés em direção ao seu mestre. Cassie desembainhou seu florete e adaga. Nephis silenciosamente levantou sua espada e descansou sua lâmina contra seu ombro. Ela permaneceu em silêncio por um tempo, então de repente soltou um longo suspiro e cobriu seu rosto com uma palma.

Sunny olhou para ela.

‘Huh?’

“Espere… não me diga que você está realmente preocupada?”

Nephis evitou olhar para ele, demorou-se um pouco e balançou a cabeça. “Não… estou apenas percebendo… o significado de tudo o que Lorde Mongrel disse…”

Sua voz soou estranhamente ofendida. Sunny estava vendo coisas, ou suas bochechas ficaram levemente rosadas?

Ele olhou fixamente por um momento, então tossiu sem jeito. “Ah, bem… eu quis dizer cada palavra.”

Com isso, ele se dirigiu para a proa do Quebrador de Correntes. Logo, o navio desacelerou. Ao chegar à ilha submersa, ele raspou suavemente contra sua superfície e parou. Assim como antes, tudo parecia calmo… não havia movimento no jardim selvagem de flores negras, e nenhuma abominação se lançando sobre elas de dentro do templo. As paredes violadas estavam precárias, abertas com escuridão sinistra.

Era como se algo os estivesse convidando a entrar. Invocando sua espada amaldiçoada, Sunny fez uma careta e pulou para baixo, na costa sinistra.

‘Já que fomos convidados, não vamos fazer a anfitriã esperar muito tempo…’