Capítulo 62: Esconde-Esconde
Assim que eles deixaram os confins familiares do labirinto e pisaram na vasta extensão do deserto cinzento, Sunny se sentiu estranhamente desconfortável. Era como se, enquanto ele viajava, tivesse se tornado um pouco ansioso sem saber, devido à loucura complicada do labirinto carmesim.
Ele havia se acostumado a estar cercado por altos muros de coral, com inacabáveis caminhos emaranhados se estendendo em todas as direções até onde ele podia ver. Apesar do fato de que o labirinto estava escondendo inúmeros perigos, ele também oferecia um estranho tipo de segurança.
Pelo menos, Sunny tinha a vantagem de conseguir enxergar além das curvas e paredes graças à sua capacidade de explorar sombras.
Agora, com a areia cinza abaixo e nada para quebrar a linha de visão, ele havia perdido essa vantagem. A ideia de não poder se esconder do inimigo o fazia se sentir completamente nu.
‘Fique calmo. Não tem ninguém aqui.’
Esse pensamento, que deveria tranquilizá-lo, teve o efeito oposto. De fato, não havia Criaturas do Pesadelo em lugar nenhum no deserto desolado… mas por que isso?
O que tanto o fez querer evitar esse lugar?
Nephis estava andando na frente do grupo, com Sunny logo atrás dela. O Eco estava atrás, movendo-se em um ritmo lento. Ele olhou ao redor e, após um pouco de hesitação, disse em voz baixa:
“Eu não gosto disso.”
Nephis olhou para ele com sua expressão indiferente de sempre. Virando-se, ela simplesmente disse:
“Fique alerta.”
Eles continuaram em silêncio, a areia rangendo sob seus pés. Uma dúzia de minutos depois, a Estrela da Mudança levantou a mão, gesticulando para que parassem. Virando-se para Sunny, ela perguntou:
“Sua sombra notou alguma coisa?”
Ele balançou sua cabeça.
“Não. Há algumas irregularidades aqui e ali, como pequenas colinas ou poços rasos, mas nada se movendo. A maior parte do terreno parece plano e sem vida.”
Ele se virou para Cassie e perguntou hesitante:
“Você ouve alguma coisa?”
Em alguns casos, sua audição aguçada era mais eficaz do que seu sentido das sombras. Quando eles foram pegos pela tempestade, Cassie foi capaz de sentir que algo estava errado muito antes de seus companheiros notarem qualquer coisa.
No entanto, dessa vez não adiantou. Ela apenas balançou a cabeça, indicando que não havia sons incomuns ao redor deles.
Nephis suspirou e abaixou a cabeça, pensando. Então ela lançou um olhar para o Túmulo de Cinzas distante.
“Vamos continuar.”
No entanto, ela mudou um pouco a direção do grupo, com o objetivo de se aproximar de uma das colinas que Sunny havia notado.
Quando se aproximaram, já era meio-dia. O sol estava bem acima de suas cabeças, tornando suas sombras pequenas e disformes. A própria sombra de Sunny havia retornado e agora estava escondida sob seus pés, parecendo uma mancha informe de escuridão.
Essa hora do dia era a que ele menos gostava.
Nephis convocou sua espada e lentamente se aproximou da colina, tentando determinar sua composição. Não havia nada de extraordinário nela, exceto pelo fato de que tudo ao redor era plano, menos ela. A colina era quase tão alta quanto Sunny, um tanto oval e coberta pela mesma areia cinza do resto do deserto.
Não parecia perigoso, mas não havia mal algum em checar… bem, provavelmente. Talvez pudesse fornecer a eles alguma informação útil.
No momento em que a Estrela da Mudança estava prestes a esticar a mão e tocar a superfície da colina, a sombra de Sunny de repente percebeu algo se movendo à distância, nas bordas do labirinto de onde eles tinham vindo.
Agindo por instinto, Sunny saltou em direção ao Eco e avisou Nephis:
“Esconda-se!”
Ao mesmo tempo, ele dispensou o enorme Carniceiro. Perdendo de repente sua montaria, Cassie jogou as mãos para cima e caiu. Pegando-a como uma princesa, Sunny disparou em direção à colina e se abaixou até o chão, colocando a garota cega agachada entre ele e Nephis.
A Estrela da Mudança colocou uma mão no ombro de Cassie e olhou para ele, perguntando silenciosamente:
“Algum perigo?”
Sunny levantou uma mão com a palma aberta, dizendo para ela esperar. Sua sombra já estava espiando por trás da colina, observando cuidadosamente a fonte do movimento.
Já a alguma distância, as paredes mortas do labirinto se erguiam da areia cinza. De repente, uma delas desabou, derrubada por uma figura enorme. Cercada pela nuvem de areia cinzenta, a figura avançou, pisando na superfície plana do deserto.
Oito pernas, duas foices de osso aterrorizantes, uma carapaça preta e carmesim que parecia uma armadura antiga salpicada de sangue… outro Centurião.
Sunny praguejou silenciosamente.
Eles lutaram contra esses monstros duas vezes antes, e venceram ambas. No entanto, isso ocorreu porque cada campo de batalha havia sido cuidadosamente preparada para acumular vantagens a seu favor, com muito planejamento e esquemas tortuosos de sua parte.
Ele não tinha certeza se conseguiriam matar um deles em um confronto direto, pelo menos não sem sofrer danos sérios.
Virando-se para Nephis, Sunny sussurrou:
“Um Centurião de Carapaça acabou de sair do labirinto.”
Ela fez uma careta. Cassie, enquanto isso, tocou levemente a mão dele e perguntou:
“Para onde ele está indo?”
Sunny piscou, então se concentrou na visão da sombra. Logo, ele exalou com algum alívio.
“Parece que está indo em direção ao Túmulo de Cinzas. Se ficarmos escondidos atrás desta colina e ele não mudar de curso, há uma grande chance dele não nos notar.”
A Estrela da Mudança pensou por um segundo e então assentiu.
“Fique de olho e me avise assim que algo mudar.”
Tentando se tornar o mais pequenos e silenciosos possível, os três pressionaram seus corpos contra a colina. Não havia muito espaço para se esconder, então eles tiveram que suportar ficar apertados uns contra os outros.
Bem… talvez “suportar” não fosse a palavra certa. Sunny poderia até ter gostado da situação em outras circunstâncias…
‘No que você está pensando, idiota?! Concentre-se na merda do monstro!’ ele pensou com raiva, repreendendo a si mesmo.
Mas era tão difícil se concentrar enquanto o corpo macio de Cassie pressionava-se contra o dele…
‘O MONSTRO MORTAL, PORRA!’ 1
Finalmente conseguindo tirar a mente da sarjeta, Sunny suspirou e se concentrou em observar o Centurião.
A criatura desajeitada estava se movendo pelo deserto, lentamente se aproximando. Logo, ele conseguiu ver cada linha carmesim e cada espinho em sua carapaça desgastada. No entanto, seus olhos estavam focadosem outra coisa.
Cuidadosamente segurado entre as foices do centurião, um lindo cristal brilhava com uma luz interior hipnótica. Era brilhante e estranhamente atraente.
Um Fragmento de Alma Transcendente.
Eles já tinham visto uma cena semelhante, quando dois centuriões estavam recuperando dois desses cristais dos restos mortais da criatura gigante parecida com um tubarão.
‘Então esse era o destino deles.’
Sunny olhou para a magnífica árvore erguida no topo do Túmulo de Cinzas. Com seus galhos de ônix e vibrantes folhas escarlates, ela parecia impressionante e majestosa.
Como algo sagrado escondido nas profundezas do inferno.
Ele compartilhou suas descobertas com o grupo, tomando cuidado para sussurrar o mais baixo possível.
O Centurião estava prestes a passar pelo esconderijo deles. Apesar do fato de haver alguma distância entre seu caminho e a colina, Sunny ainda estava nervoso. Este era o momento mais perigoso.
O monstro chegou ao nível da colina e então seguiu em frente sem piscar.
Ele exalou.
“Ele está caminhando em direção ao Túmulo.”
Nephis não relaxou, ainda pronta para que as coisas piorassem a qualquer momento.
“Siga-o.”
Sunny assentiu. Um momento depois, sua sombra deslizou de trás da colina, perseguindo furtivamente a Criatura do Pesadelo. Já que o alcance do Controle de Sombras havia melhorado, ele tinha certeza que sua habilidade conseguiria segui-lo até os arredores da grande montanha de cinzas.
O Centurião cruzou o deserto com o Fragmento Transcendente firmemente preso entre suas foices. Seu porte era um tanto estranho, parecendo quase… piedoso. Parecia um peregrino caminhando em direção a um local misterioso e sagrado.
Logo, ele se aproximou do Túmulo de Cinzas e parou de repente, como se tivesse medo de cruzar alguma linha invisível. Então o Centurião colocou cuidadosamente o fragmento na areia e se afastou dele, com seus olhos voltados para o chão.
Após se distanciar do cristal brilhante, a enorme criatura… ajoelhou-se.
Sunny teve que esfregar os olhos para ter certeza de que não estava vendo coisas.
Ele não estava. O Centurião de Carapaça dobrou suas oito pernas e abaixou-se até o chão, colocando submissamente suas foices aterrorizantes na frente de seu torso curvado.
Percebendo o comportamento estranho de Sunny, Nephis levantou uma sobrancelha.
“O que foi?”
Ele hesitou.
“Espere.”
Nesse momento, sua sombra, que estava escondida em segurança a alguma distância do monstro ajoelhado, notou uma ligeira mudança na superfície do Túmulo
A luz brilhante que eles tinham visto do topo da espinha do monstro imenso estava de volta. Só que dessa vez, era ainda mais ofuscante.
O brilho surgiu no ar a partir das sombras projetadas pelos galhos da árvore alta e se moveu, aproximando-se lentamente dos arredores da colina.
Quando Sunny finalmente conseguiu discernir a fonte do brilho, seus olhos se arregalaram.
Sentindo um arrepio frio percorrer sua espinha, ele prendeu a respiração.
- O Sunny é gente como a gente[↩]
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