Capítulo 507 - Leitura
Por um instante, o jovem Tenente sentiu sua visão escurecer, como se tivesse caído num mar de trevas. Os olhares dos Generais e Majores ao redor eram como faróis numa noite escura, iluminando todo o seu ser, buscando revelar cada um de seus segredos.
Essa sensação de pavor e ansiedade imediatamente o encheu de medo, como se eles tivessem descoberto tudo a seu respeito, quase o fazendo, instintivamente, tocar sua Pedra de Mana, dentro de sua camisa, na área do pescoço e arrancá-la.
O que é isso? O que está acontecendo?! pensou, sentindo-se apavorado. O rapaz estava com dificuldade de respirar e o seu coração palpitava loucamente, era como se estivesse sofrendo um ataque de pânico.
Dentro do Anel de Aprisionamento, os vários olhos de uma criatura estavam fechados, quando de repente ela notou algo, e suas múltiplas pálpebras se abriram em sincronia.
“Mestre, alguém está te atacando!” A voz envelhecida de Brakas soou em sua mente, fazendo com que o rapaz voltasse a si, mesmo que ainda estivesse confuso.
Ao mesmo tempo, uma mensagem chegou em seu Cubo Comunicador, era de Dimitri, que estava logo atrás dele.
“Garoto, eles estão te testando, mantenha-se firme e não dê brechas. Eles têm um Mago especializado em Magia do tipo Mental, ele não é muito poderoso, então só vai conseguir te causar algumas induções leves. O objetivo deles é saber se você ou seu Especialista não são espiões, ou se estão escondendo algo prejudicial.”
Mesmo que não estivesse contente com um de seus Tenentes sendo testado dessa forma, Dimitri não pôde se opor, já que havia sido o próprio General Pagliuca, um membro do Conselho Dourado, que havia sugerido isso, com o Mago em questão sendo um de seus próprios homens.
Ao ouvir isso, todo o corpo de Fernando tremeu, sentindo um calafrio em sua espinha. Finalmente entendeu porque sentia essa necessidade absurda de tocar sua Pedra de Mana, talvez porque era algo que considerava ser seu maior segredo!
Fernando já havia lido vagamente sobre Magias Mentais, apesar de não saber muito sobre os detalhes a respeito. Essa era um tipo de magia proibida pelas Grandes Legiões, ao menos no papel, pois praticamente toda legião tinha indivíduos especializados nessa área, usados principalmente na parte de espionagem e interrogatórios de pessoas importantes. Como era algo tecnicamente proibido, não existia muita informação circulando por aí a respeito.
Pelo pouco que havia aprendido, essa era uma Magia da Escuridão. Dentro da área da Magia Mental existiam três tipos principais de ramos, estes eram: Leitura, Controle e Lavagem.
Leitura visava invadir a mente de outras pessoas em busca de informações, com aqueles mais poderosos podendo até mesmo vasculhar as lembranças do alvo. Controle focava-se em possuir o corpo e mente de alguém, geralmente sem que o alvo percebesse, apesar do nome, não se tomava totalmente o controle da pessoa afetada, mas davam-se sugestões e influenciavam-se vagamente suas ações e pensamentos, também era possível desencadear e impulsionar certas emoções e sentimentos é até mesmo criar ilusões, sejam elas visuais, auditivas, táteis ou olfativas. E por fim, Lavagem, a mais temida e alvo de escrutínio de todos, pois está última fazia com que o indivíduo perdesse totalmente sua personalidade, tornando-se um completo fantoche do Mago, capaz de cometer atrocidades se assim fosse comandado. Era um tipo de magia tão perigosa que mesmo as Grandes Legiões evitavam usá-la.
Ao saber que havia um Mago Mental ali, Fernando imediatamente entendeu tudo. Essa vontade absurda de tocar a Pedra de Mana em seu pescoço e até de revelá-la a todos ali, provavelmente era devido a isso.
Um Mago de Controle? pensou, chegando a uma conclusão. Apesar dessa vontade crescente em sua mente, conseguia conter-se vagamente, o que indicava que essa pessoa era um Mago do ramo de Controle Mental, que poderia apenas lhe dar sugestões.
Com o punho trêmulo, Fernando focou ao máximo em olhar ao redor, a ‘escuridão’ em sua visão diminuindo lentamente. A pesada aura dos Generais e Majores ainda o pressionava, somada a essa influência, fazia com que sua mente estivesse prestes a colapsar, apesar disso, cerrou os dentes, determinado a não ceder. Se ele revelasse qualquer um de seus grandes segredos, no mínimo seria despojado de seus bens e talvez até morto!
De repente, como se tivesse acordado de um sonho, o jovem pálido notou um homem branco, com olheiras profundas e vestido em um manto marrom, logo atrás do General Pagliuca. O sujeito, que não tinha nenhuma insígnia de Major, estava o encarando sem piscar, de forma estática, sua expressão extremamente assustadora.
Ao vê-lo, Fernando percebeu uma coisa, desde que chegou, ele não havia notado essa pessoa! Era como se ela nunca estivesse estado lá para começar.
O jovem Tenente tinha certeza que se uma pessoa tão excêntrica estivesse ali antes, ele certamente a teria notado, o que o fez compreender uma coisa. Desde o momento em que chegou, esse Mago de Controle já estava influenciando sua mente vagamente.
O homem com olheiras, que estava focado em Fernando e Alfie Caiman, de repente percebeu algo. O rapaz, que antes parecia estar confuso, cedendo a sua magia, de repente olhou diretamente para ele.
Ele me vê? pensou, surpreso.
Mesmo que não fosse muito poderoso, sua Magia de Controle não deveria ser algo que um mero Tenente recém-promovido seria capaz de superar, ainda que não estivesse a concentrando somente nele.
Normalmente, Magias do tipo Mental eram extremamente difíceis de aplicar, já que seria necessário usar o mana de forma sútil, para que o alvo não notasse, ao mesmo tempo em que penetrava as defesas naturais de mana do corpo e mente de um indivíduo, a dificuldade de fazer isso era como a de usar uma agulha para furar a cabeça de alguém sem que ela sentisse nada.
A quantidade de Magos especializados nessa área eram raros e escassos, pois para dominá-la, você deveria ceder um pouco ao elemento da Escuridão, o que por si só era perigoso.
Como poucas pessoas já tinham visto ou lidado com um Mago Mental, o homem sabia que praticamente ninguém, num primeiro contato, saberia formas de se defender ou sequer perceber que estava sendo atacado. Porém, bem diante dele, o jovem Tenente não só não estava respondendo as suas sugestões, como o olhou diretamente, com uma expressão fria.
Pagliuca, Wayne e Zado também notaram isso, com reações variadas. Isso significava que havia três opções, a primeira era que o rapaz tinha uma mente extremamente sólida e uma vontade de ferro, a segunda é que ele já tinha lidado com Magias Mentais antes, então sabia como se defender e, por fim, a última possibilidade, é que ele simplesmente não tinha nada a esconder, então a Magia não estava o afetando mais. Independente do que fosse, esse resultado deixou todos eles sem palavras.
Fernando, ao notar o Mago de Controle, respirou fundo, sentindo que a ‘influência’ sobre ele estava diminuindo, mesmo que ainda estivesse lá, como se fosse uma coceira em sua mente, o incomodando, agora conseguia resistir mais.
De repente lembrou de algo, Dimitri havia dito que o teste não era somente para ele, mas também para Alfie. Olhando para o lado, viu o sujeito ainda com um semblante calmo, como se estivesse num passeio no campo. Ao notar seu olhar, virou seu rosto em sua direção, sorrindo.
Esse cara, ele não foi nenhum pouco afetado? perguntou-se, perplexo.
Vendo que Fernando havia escapado por si próprio da influência do Mago de Controle, Alfie Caiman sentiu-se aliviado, cancelando a ativação de uma Matriz oculta no anel em seu dedo.
Esse rapaz sempre me surpreende. falou consigo mesmo, satisfeito.
Se o pior tivesse acontecido, teria ativado a Matriz e blindado a mente de Fernando, afinal ele não poderia correr o risco do rapaz falar sobre Wedsnagauer. Alfie sabia que um dos Generais, Zado, sabia sobre sua existência, mas por algum motivo, o homem nunca havia lhes incomodado, o que era algo bom e gostaria que continuasse assim. No entanto, mesmo que estivesse confiante em suas técnicas, ativar uma Matriz na frente de tantos Generais, sem que eles notassem, era simplesmente muito perigoso.
Após ter certeza que o Tenente estava bem, Alfie Caiman olhou para Wayne, com um olhar calmo.
“Você me agracia com seus elogios General, mas está me superestimando demais. Mesmo que eu possua algumas técnicas aceitáveis e tenha conseguido melhorar um pouco suas Balistas, isso foi apenas porque era algo muito simples.” disse, com um sorriso confiante, então sua expressão mudou levemente, como se estivesse com um pouco de pena do homem a sua frente. “Espero que não se sintam ofendidos, mas acredito que os senhores tenham sido enganados, essas armas são apenas sucatas, construídas com materiais péssimos e suas Matrizes devem ter sido incrustadas por Aprendizes com pouca experiência. Essas coisas nem deveriam ser comercializadas, muito menos ser chamadas de ‘Armas de Guerra’.”
Quando essas palavras foram ditas, a expressão de todos no local mudou. Dimitri, em especial, ficou completamente chocado com isso.
Deve-se saber que Wayne havia gasto grande parte de sua fortuna pessoal, assim como muitos Generais e apoiadores mais discretos também haviam investido na facção, então se tivessem sido enganados, era um tapa não só no rosto do General Comandante, como de todos aqueles envolvidos.
No entanto, ao contrário do que os outros pensavam, Wayne não parecia afetado por essas palavras. A verdade é que ele sabia que a qualidade das Balistas Explosivas não era das melhores, mas mesmo armas de guerra de terceira como essa, ainda eram muito difíceis de adquirir por um General independente e fariam grande diferença numa batalha em larga escala.
Normalmente, grandes Guildas, como a Hélica, só atendiam pedidos vindos diretamente das legiões. Um pedido individual, para um General, sem o consentimento do centro de poder da legião, não era comum. No máximo, Generais Estacionários comprariam uma ou duas Balistas Explosivas para melhorar as defesas de suas cidades, mas nunca dez e sempre com um prazo de encomenda, que poderia levar meses.
Sabendo disso, Wayne havia negociado extensivamente a compra, cobrando alguns favores de amigos, tanto para a aquisição, quanto para apressar o pedido, mas mesmo assim, sabia que provavelmente havia sido enganado pela Guilda, apenas não imaginou que seria tão ruim ao ponto de terem sido fabricadas por meros Aprendizes de Matriz.
“Você… Quem pensa que é para fazer afirmações vazias como essa?!” Herin falou, furioso. “Afinal, qual o seu nível no campo de Runas?”
Ouvindo a pergunta e a forma agressiva de falar do homem, Alfie Caiman não pareceu estar ofendido, mantendo o sorriso no rosto.
“Como eu disse, sou apenas alguém com técnicas minimamente aceitáveis, sou Especialista Intermediário no campo das Runas e apenas fui capaz de alterar as Balistas ao corrigir algumas falhas no desenho da Matriz que os Aprendizes deixaram no momento da fabricação.”
“O-o quê? Especialista Intermediário?” Alguns dos Majores ao redor falaram, perplexos.
“Se ele é realmente de um nível tão baixo, não é tão estranho aceitar trabalhos de um Tenente, ainda mais quando o campo de Runas é uma área praticamente morta.” Outro comentou.
Assim como a maioria das profissões acadêmicas em Avalon, o campo de Runas e o de Matrizes, eram divididas em cinco níveis, sendo eles: Aprendiz, Especialista Intermediário, Especialista Avançado, Especialista Sênior e por fim Mestre. Mesmo que haja pequenas variações de nomenclaturas, dependendo do campo de estudos, praticamente todos seguiam essa linha de classificação.
Como o sujeito havia sido capaz de alterar e melhorar as Balistas, ele não poderia ser um Aprendiz, mas também não faria sentido ser da classificação mais rara e prestigiada, de um Mestre, então todos o chamavam de ‘Especialista’, pois o homem deveria estar dentre as três classificações restantes. Os Generais presumiam que seria ao menos um Especialista Avançado, mas não imaginaram que, na verdade, ele seria apenas Intermediário.
Fernando, que estava ao lado, ainda tinha o mesmo rosto inexpressivo, mas por dentro ele ficou impressionado.
Como as pessoas são tão sem vergonha hoje em dia? pensou, sabendo que o sujeito muito provavelmente era um Especialista Sênior, mas mentia de forma tão natural a respeito. O jovem Tenente apenas não se deu conta que ele mesmo fazia isso com frequência.
“Um mero Especialista Intermediário, não só ousou alterar nossas Balistas Explosivas, como ainda nos insulta abertamente. General Wayne, não há necessidade de dar uma única moeda de prata para uma pessoa assim. Só o fato de não o mandarmos para a prisão é favor suficiente.” Herin disse, olhando o sujeito de forma altiva.
Ao ouvir isso, a expressão de Fernando mudou, essa ação do homem parecia muito similar a algo que aconteceu com ele no passado. Quando membros do Salão da Recepção de Vento Amarelo souberam seu nível, lançaram-lhe elogios e promessas, mas quando descobriram sobre sua Compatibilidade deficitária, imediatamente mudaram sua atitude, até mesmo o insultando.
“Ah, com todo respeito, General, para alguém que quase nos levou a derrota por decisões tolas e ainda, sim, foi salvo graças as Balistas alteradas por esse ‘mero Especialista Intermediário’, o senhor não parece muito grato. Então antes de gastar mais do seu tempo insultando um dos meus homens, que salvou sua vida e a de muitos outros aqui, por que não começa a fazer seu trabalho direito?”
Quando o jovem Tenente disse isso, todos no local ficaram sem palavras.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.