Capítulo 518 - Interrogatório
A expressão de Fernando era fria ao ver Lincon, apenas o observando em silêncio. Então voltou seu olhar para Túlio.
“O que eles falaram?”
Vendo a atitude do rapaz, o assassino rangeu os dentes com força, furioso.
“Vai me ignorar? Maldito, me solte se tem coragem, quero ver se você é homem de verdade! Não vai ter tanta sorte como da última vez, juro que acabo com a sua raça. Tá me ouvindo, Fernando? Eu te mato!” gritou em plenos pulmões, enquanto se sacudia, tentando se libertar.
Theodora tinha um olhar gelado em direção ao homem. Por ter ouvido o relatório de Kelly a respeito, ela sabia que essa pessoa era quem havia encabeçado o plano de matar seu líder. Sua vontade de degolá-lo ali mesmo era imensa, mas não agiu de forma precipitada, aguardando para ver quais seriam as intenções do Tenente.
Lerona, por outro lado, ficou levemente surpresa com tudo isso. Ela foi informada que Fernando havia sofrido uma tentativa de assassinato e que graças a um Capitão que estava passando pelo local, ele teria conseguido sobreviver, mas não imaginou que um dos assassinos guardaria tanto rancor.
O que ele exatamente fez para esse cara? pensou, ao ver o ‘garoto’ tão furioso. Se fosse apenas devido à falha na tentativa, ela não achava que o homem guardaria tanto ressentimento.
Ignorando todo o barulho e xingamentos, o jovem Tenente se manteve olhando para Túlio, com um rosto impassível.
Vendo isso, o sujeito gigante sorriu ironicamente.
“O cretino não respondeu nada relevante, por mais que tenhamos o torturado. Mas a mulher nos deu algumas informações importantes.” disse, apontando para a garota negra com mechas de cabelo prateado. Ao ser mencionada, ela tremeu, baixando seu olhar, visivelmente apavorada. “Seu nome é Verônica, ela trabalhava para uma Guilda Mercenária de pequeno porte, especializada em capturar infratores. Recentemente toda sua antiga Guilda foi absorvida pela Família Lopes e essa era sua primeira missão como um deles. Ao que parece ela é bem talentosa, mas é uma novata completa. Realmente não precisei fazer muita coisa para fazê-la falar.” Ao dizer isso, Túlio lambeu levemente os lábios, enquanto a garota tremeu por inteiro.
Ouvindo isso, Fernando franziu as sobrancelhas, enquanto Lerona e Theodora também não pareciam muito satisfeitas com as palavras do sujeito, entendendo tacitamente que talvez o homem tivesse ido muito além de interrogá-la.
Apesar disso, o rapaz não o criticou, por mais que não achasse isso certo, também não iria defender alguém que matou dois de seus Soldados. Pelo contrário, a seu ver, todos os que prejudicavam seu povo, não mereciam sua piedade.
“O que mais você conseguiu?” perguntou, friamente.
Vendo a falta de reação de Fernando ao ouvir as suas palavras, Túlio sorriu levemente. Ele acreditava que o garoto iria criticá-lo devido a sua inexperiência com interrogatórios e da brutalidade necessária envolvida, mas não o fez, o que o surpreendeu, então sua expressão amenizou-se.
“Ao que parece, o time de assassinos que enviaram atrás da sua cabeça dessa vez foi de apenas quatro pessoas. Os dois que foram mortos e mais esses dois.”
Ao ouvir isso, Fernando olhou para o Subtenente de forma questionadora.
“Quatro?” Ele se recordava perfeitamente que havia várias pessoas naquele local naquele dia. Kelly e seus dois Soldados haviam lutado contra muitos.
“Isso mesmo. Pelo que a mulher relatou, os outros não eram exatamente membros, mas algo que eles chamam de ‘Cães’. A Família Lopes é uma organização do submundo e está envolvida em diversas atividades ilegais. Algumas dessas atividades envolvem empréstimos de dinheiro com juros elevados, seja para civis ou comerciantes e até membros de algumas Guildas. Mas quando essas pessoas não conseguem quitar suas dívidas, precisam pagar de outra forma, seja com seus corpos, ou em alguns casos… algumas vendem seus próprios familiares a eles, como compensação.”
A expressão de Fernando mudou levemente, tornando-se levemente enojada ao ouvir isso, para alguém vender seu próprio familiar para malditos como esses, essas pessoas eram piores que bestas.
“Essas pessoas endividadas ou vendidas, são usadas pela Família Lopes em várias de suas atividades ilegais, seja em ‘casas de prazer’, como trabalhadores ou, em últimos casos, como atacantes suicidas. Usam Magia Mental do tipo Lavagem para que eles obedeçam e parece que a mulher que o Capitão matou, a arqueira, era também uma Maga Mental e usou alguns desses ‘cães’ para a emboscada. A ideia era matá-lo e depois deixar que as pessoas controladas fossem capturadas e culpadas.”
O jovem Tenente arregalou os olhos, assustado. Ele tinha conhecimento da existência dessa magia, mas não imaginou que haveria pessoas que se atreviam a usá-la tão abertamente! Ainda mais por ser uma magia considerada tabu e teoricamente proibida pelo Conselho Superior.
Dentre todos os tipos de Magias Mentais, Lavagem era a mais cruel, pois forçadamente destruía a mente e a personalidade do indivíduo, causando extrema dor e angústia no processo, por fim transformando-o em um fantoche sem vida.
Lembrando-se dos civis que morreram naquele dia. Havia homens, mulheres, idosos e todo tipo de gente e no fim, todos foram mortos por Kelly e seus homens. Apesar dele próprio não os ter matado, era, de certa forma, o responsável por tudo.
Inicialmente ele não se importava, pois não tinha senso de piedade com seus agressores, mas ao saber que todos eram apenas vítimas, imediatamente sentiu um gosto amargo na boca.
Theodora notou o semblante do jovem Tenente e conhecendo-o tão bem, soube imediatamente o que ele estava pensando.
“Isso não é sua culpa, líder. Pessoas controladas por esse tipo de magia nunca mais voltam ao normal.”
Túlio também interviu.
“Assim como ela disse, Tenente. Não se lamente tanto, nenhum deles tinha salvação, suas mentes já haviam sido destruídas há muito tempo.”
Dessa vez, não só Fernando, mas mesmo Lerona ficou abismada.
“Se essa acusação for verdadeira, é algo que deve ser denunciado ao Conselho Superior. Algo assim não pode passar impune!”
Túlio olhou para a mulher ruiva com uma carranca, de forma questionadora, perguntando-se quem essa mulher pensava que era para se intrometer na conversa dessa forma.
“Huh! Claro. Você realmente acha que o Conselho Superior vai se mover? A Família Lopes não é um peixe pequeno qualquer, há indícios de que eles têm negócios e ligações com muitas Legiões, inclusive algumas das Grandes. Reportar isso colocaria os Leões Dourados como um alvo dessas organizações, uma ideia bem idiota de se sugerir.” O homem afirmou, com uma pitada de ridículo em sua voz.
Ao ouvir isso, a mulher ruiva ficou surpresa, então manteve-se em silêncio. Como alguém que sempre esteve lutando por aí na Cavalaria Blindada Nagalu de Wayne, não estava muito acostumada a qualquer assunto que não fosse de cunho militar, principalmente esses envolvendo crimes civis.
Notando a reação da mesma, Túlio voltou sua atenção para o jovem Tenente. “Você deveria educar melhor seus Soldados, Fernando, além de ingênua, ela é desrespeitosa.”
Fernando olhou de canto de olho para o homem, sem saber o que responder.
“Desculpe, Subtenente Túlio, mas eu não tenho autoridade sobre essa pessoa. Na verdade, foi um erro meu, esqueci de apresentá-la devidamente. Essa é a Capitã Lerona Muller, foi ela quem liderou a Cavalaria Blindada Nagalu na batalha de retomada por Garância. A partir de agora ela estará atuando como Capitã Combatente e fazendo minha escolta.”
O semblante do homem gigante mudou completamente após tomar conhecimento disso. Seu rosto ficando pálido, enquanto suas costas começaram a suar frio. A mulher que ele havia acabado de repreender era uma Capitã e uma famosa! Em termos de força ou prestígio, ela estava muito acima do próprio Raul, a quem ele tanto temia!
“C-capitã, digo, senhora. M-me desculpe pelas palavras grosseiras!” O sujeito falou alto, curvando-se em direção à ruiva.
Theodora, apesar de não gostar muito de Lerona, gostava ainda menos de Túlio, devido aos atritos que tiveram no passado quando ela era uma Cabo, então não conseguiu evitar soltar uma leve risadinha ao ver o grandalhão tremendo enquanto se desculpava.
“Isso não é necessário, eu realmente não sabia da complexidade do assunto, eu quem lhe devo desculpas.” Lerona confessou, com uma expressão séria. Não havia felicidade ou satisfação em ter a submissão do homem.
Fernando ficou impressionado ao ver a sua atitude, sentindo alguma admiração por ela. Mesmo sendo uma Capitã, não era alguém arrogante ou agressiva. Pensando em qual seria a situação se fosse Raul no lugar dela, sua expressão mudou.
Com certeza não terminaria bem… pensou consigo mesmo, imaginando que ao menos alguns ossos seriam quebrados.
“Ei seu desgraçado, até quando vai me ignorar?! Com certeza está se achando só porque tem uma babá agora, certo?” Lincon gritou novamente em plenos pulmões. “Não importa o quanto aquela cadela tenha falado ou quem sua Legião medíocre coloque para te proteger, vocês não fazem ideia da força e influência que nossa Família Lopes possui! Quando vocês menos esperarem, nós viremos por você! Ninguém, escapa de nós, ninguém!” O sujeito esbravejou, rindo como um maníaco.
Apesar de ouvir as palavras agressivas, o jovem Tenente continuou fazendo ouvidos surdos.
Vendo isso, o ‘garoto’ rangeu novamente os dentes, então sorriu de forma bizarra, evidenciando sua boca cheia de sangue e dentes faltando.
“Você sabia, Tenente Fernando? Mesmo que alguém seja um Mago Mental do tipo Lavagem Cerebral, não necessariamente ele vai conseguir destruir a mente de seu alvo. Isso só acontece quando o Mago é poderoso ou hábil o suficiente e a Diana não era nenhum dos dois. Por isso ela nunca destruía as mentes dos nossos ‘Cães’, ela apenas os colocava num modo suspenso, eles ainda podiam ver, ouvir e sentir cada grama de sensação, mas não poderiam controlar minimamente seus corpos, estavam presos dentro de si mesmos.”
Quando Lincon disse isso, todos no local ficaram horrorizados.
“Isso é possível?” Fernando perguntou a Túlio com uma carranca.
O homem balançou a cabeça.
“Não sei, informações sobre esse tipo de Magia são poucas e raras, até para não incentivar outros a tentar aprendê-la, mas é possível que ele esteja falando a verdade.”
Percebendo que uma de suas provocações havia finalmente conseguido atingir o rapaz, ele gargalhou alto.
“Como deve ser a sensação, Tenente Fernando? Saber que você foi responsável por todas aquelas mortes? Imagine o sofrimento daquela gente, tendo sua carne perfurada por seus subordinados, enquanto agonizavam sem sequer poder gritar ou reagir?”
Movendo o pulso, Theodora tirou uma adaga, com uma expressão brutal.
“Não se preocupe, líder, eu vou fazer com que sua boca nojenta não diga mais nada.” A Medusa estava prestes a avançar, quando Fernando a interrompeu, colocando a mão em frente a ela.
Theodora, vendo isso, parou seus passos e olhando para o rapaz confusa. Apesar disso, mesmo hesitante, guardou sua arma.
O jovem Tenente, olhou fixamente para essa pessoa, seus olhos ficaram frios. Mesmo possuindo uma aparência semelhante a de um garoto em torno dos quinze anos, a verdade é que ele era um assassino cruel e que deveria ter matado muitas pessoas e sua idade era muito maior do que aparentava.
“O que foi? Finalmente se decidiu? Não consegue mais se aguentar e vai me matar?” Lincon questionou de forma provocadora, rindo.
Logo Fernando se aproximou do rapaz, então com um rosto inexpressivo, ergueu sua mão e apertou seu maxilar, encarando-o.
“Matar você? Por que eu faria isso?” perguntou, com uma voz calma. “Você não passa de uma das inúmeras baratas que pisei no meu caminho.”
Quando o rapaz pálido disse isso, o ‘garoto’ o olhou cheio de fúria por ser desprezado dessa forma, mas sem conseguir falar, devido à pressão em seu maxilar, apenas grunhiu baixo. Então o jovem Tenente aproximou-se de seu ouvido.
“Além disso, simplesmente matá-lo seria fácil demais…” Ao dizer isso, soltou o rosto do sujeito e virou-se em direção aos outros. “Saiam.”
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