Índice de Capítulo

    Ao ouvir isso, a expressão de Fernando mudou. Ele estava acostumado a recusar as propostas das pessoas, mas ainda não havia se acostumado às pessoas recusarem as suas.

    Com Archie saindo do Batalhão Zero, a posição de Oficial do Quarto Pelotão estava livre. Inicialmente pensou em promover Lance, Leo ou Ronald, os três eram relativamente responsáveis e tinham a força necessária para assumir a tarefa.

    Entretanto, com a aquisição do novo lote de Lobos Prateados, isso causaria um certo desequilíbrio entre as tropas. Além disso, eles não tinham Soldados suficientes para reformar um Pelotão completo, então se Karol assumisse com a cavalaria, mesmo que reduzida, ainda teriam uma força equivalente aos demais Pelotões.

    Mas claro, também havia um motivo a mais por trás de sua oferta e não envolvia exatamente o melhor para o Batalhão Zero, mas provinha de seu próprio egoísmo pessoal. Se Karol assumisse a posição de Oficial, ela não teria que se arriscar tanto como na última batalha e esse era seu objetivo principal com essa ação.

    “Por que não?” Fernando perguntou, franzindo a testa.

    Karol tinha uma expressão hesitante, sabendo que seu marido não estava nada contente com ela, o que era raro.

    “Fernando, sei que você pode achar que sou a melhor para essa posição, mas eu não penso assim! Em termos de perícia com a lança e na tomada de decisões, há alguém muito melhor que eu. Nesse caso, o senhor Anane!”

    Quando a mulher disse isso, tanto Fernando, quanto o velho homem ficaram surpresos.

    “M-minha senhora, este não é digno. Por favor, reconsidere suas palavras.” Anane respondeu nervosamente.

    “Desculpe, mas não! Numa luta envolvendo apenas a lança eu não tenho a mínima chance contra você. Além disso, você é muito melhor ensinando sobre técnicas, em comparação, sou apenas uma novata acima da média. Não importa como eu veja isso, você é a melhor opção!”

    Karol sabia que mesmo com seus Atributos superiores, em termos de destreza com a lança, ela simplesmente não poderia se comparar ao velho homem. Se ambos estivessem com o mesmo Físico e Agilidade, ela sequer conseguiria enfrentá-lo num simples treino.

    Ouvindo as palavras de sua esposa, o jovem pálido suspirou. A verdade é que ele também pensava assim, mas ignorou esse ponto, pois mesmo que não gostasse de admitir, sentia-se muito mais seguro com o velho homem sendo subordinado de Karol, pois assim poderia protegê-la. Se o oposto ocorresse, ela talvez tivesse que atuar sozinha, o que seria extremamente perigoso.

    Nesse momento, Anane balançou a cabeça em sinal de negação.

    “Isso não é exatamente assim. Este pode ser o mais habilidoso no momento, mas há coisas que a senhora possui que são muito mais importantes, coisas que Anane não tem.”

    Karol ficou levemente surpresa ao ouvir isso.

    “O que quer dizer com isso?”

    Com um rosto calmo, o velho homem negro levou a mão ao peito.

    “O coração das pessoas, minha senhora.” respondeu solenemente. “Este serviu em muitos lugares e sob diferentes líderes, mas poucos possuíam o carinho e respeito dos Soldados como a senhora. Isso é algo muito mais importante que força ou experiência, ambos podem ser obtidos com a idade, mas isso não.”

    Tanto Fernando quanto Karol ficaram surpresos com as palavras do velho homem.

    O jovem Tenente, em particular, lembrou-se do ocorrido durante a Batalha de Belai, onde Karol havia salvado muitos Soldados de outros Pelotões e Esquadrões, reunindo-os e montando uma linha de defesa. Graças a isso, muitos dos que sobreviveram devido às ações dela se juntaram ao Batalhão Zero, seja por gratidão, ou por serem atraídos por sua liderança.

    Mesmo atualmente, as tropas do Esquadrão Dama de Prata eram uma das mais disciplinadas e consistentes, apesar da falta de experiência de sua Cabo.

    O próprio Fernando viu sentido nas palavras de Anane. Karol tinha algo que até ele, o Tenente, não possuía. Quando as tropas sob seu comando morriam em batalha, ele sempre fazia questão de memorizar seus nomes e a pessoa que foram no passado, como uma forma de respeito, mas sua esposa era diferente. Quando um de seus Soldados morria ou um dos lobos, ela sempre ficava extremamente afetada, como se fosse um familiar. 

    De certa forma, isso era algo bom e, ao mesmo tempo, ruim. Ser acometido por emoções assim poderia ser considerado por alguns como uma forma de fraqueza, enquanto por outros, era algo ‘nobre’.

    “Eu…” Karol não sabia o que dizer após ouvir isso.

    A verdade é que ela acreditava genuinamente que Anane seria mais adequado. Mas, além disso, havia mais um motivo para sua recusa, e isso era sobre a repercussão dela, como esposa do Tenente, ser promovida. Ainda estava fresco em sua memória quando recebeu as Poções Fauser Ivrat e como alguns contestaram essas ações, ela não queria que algum tipo de conflito fosse criado por sua causa.

    “Você ouviu o senhor Anane. Além disso, se está preocupada com qualquer coisa desnecessária, apenas deixe que eu lido com isso.” Fernando afirmou, como se pudesse adivinhar os pensamentos de sua esposa. “Acredite em você mesmo um pouco.”

    Olhando para seu marido que tinha uma expressão resoluta, assim como Anane, que assentiu, com aprovação, Karol, apesar de hesitante, resignou-se.

    “Tudo bem… Aceitarei a promoção!” disse, com firmeza.

    Vendo isso, o jovem Tenente sorriu. Mesmo que geralmente não tivesse muita confiança em si mesma, sua esposa sempre assumia as responsabilidades por tudo que era designado em suas mãos.

    No fim, ficou decidido que Karol assumiria a posição de Oficial no novo Quarto Pelotão reformado. Com isso o Esquadrão Dama de Prata seria desmantelado para dar lugar ao Pelotão Dama de Prata, o segundo Pelotão Nomeado do Batalhão Zero!

    Além disso, esta seria a primeira cavalaria real que eles teriam. Mesmo que o antigo Esquadrão Dama de Prata fosse chamado de ‘cavalaria’ em nome, na prática, com apenas dez montarias ou menos, sequer poderia compor um Esquadrão completo, então não poderia ser realmente considerada uma. Porém, agora, com trinta e um Lobos Prateados, eles finalmente teriam números suficientes para compor ao menos um Esquadrão completo e mais metade de outro!

    “Precisamos de pelo menos dois Cabos para o novo Pelotão, tem algum nome em mente?” Fernando perguntou. Obviamente a primeira posição seria ocupada por Anane, mas ainda precisariam de mais uma pessoa para o segundo Esquadrão incompleto.

    “Bem… Acho que o Ragin está pronto para isso.” Karol respondeu, após pensar um pouco.

    Ragin era um dos homens que ela havia salvado na batalha de Belai, sendo originalmente um Cabo na Nona Guarnição de Vento Amarelo, acabou se transferindo para o Batalhão Zero.

    Devido à espada ser a sua arma principal, inicialmente ele teve que se juntar a outro esquadrão. Mas sua persistência em seguir a ‘Dama de Prata’ foi tanta que o homem treinou no manuseio de lança e outras armas de polo até ter capacidade suficiente de se tornar parte do Esquadrão Dama de Prata.

    “Como ele já foi um Cabo no passado, acredito que ele será capaz de assumir o cargo.” complementou.

    Ouvindo isso, o jovem pálido levantou levemente uma sobrancelha, não muito satisfeito. Esse era um dos sujeitos que olhava para Karol com algum fanatismo. Mesmo que fosse só admiração, ele não gostava de pessoas olhando de forma tão fervorosa para sua esposa. Apesar disso, suspirou, resolvendo não intervir na indicação.

    Com tudo resolvido, todos se prepararam para anunciar a reformulação no mesmo dia.

    “Por sinal, Fernando. Quem é a mulher lá fora?” Karol perguntou. Do lado de fora do escritório, uma mulher ruiva estava posicionada ao lado dos Soldados.

    Ouvindo isso, o rapaz coçou a bochecha, sem saber como explicar.

    “Ela é algo como minha guarda-costas pessoal.” respondeu, contando o que havia acontecido.

    Após ouvir que a mulher era, na verdade, uma Capitã, tanto Karol quanto Anane ficaram perplexos.

    “Espera, ela vai te seguir por todo lugar por aí?” A Cabo perguntou, com uma entonação estranha, parecia haver uma pitada de ciúmes em sua voz.

    O jovem Tenente não sabia como responder a isso, ficando levemente nervoso.

    “Foi uma ordem irrevogável do General…” respondeu, jogando a culpa em Dimitri, enquanto ficava receoso sob o olhar atento de Karol.

    A garota, apesar de não gostar muito da situação, entendeu que era o melhor para a proteção de seu marido, então acabou não insistindo no assunto.

    Algum tempo depois, foi anunciado a todos as mudanças, tanto sobre a criação do Pelotão Dama de Prata, quanto as promoções envolvidas.

    “Incrível, viu todos aqueles lobos? Agora temos uma cavalaria forte!” Um Soldado comentou.

    “O Pelotão Dama de Prata provavelmente vai ser o mais poderoso. Ah, eu gostaria de saber usar uma lança ou até uma glaive e fazer parte…” Outro confessou.

    Ao invés do que Karol esperava, não houve muitos comentários criticando sua promoção. Pelo contrário, a maioria estava elogiando a sua capacidade.

    Naquele mesmo dia, Fernando convocou o Sargento Damon.

    “Senhor, pelo que me chamou?” O velho homem questionou, ao entrar no escritório. Devido às funções da Unidade de Logística serem amplas e variadas, ele sempre estava ocupado com diversos assuntos.

    “Sargento Damon, preciso que faça algo para mim. Quero que vá até o centro comercial de Garância, compre dez toneladas de carne nobre e o máximo de condimentos que puder. Também gostaria que conversasse com alguns cozinheiros profissionais, faça algumas ofertas de contratação.”

    Ao ouvir isso, o homem ficou confuso.

    “Senhor? Por que isso? Nossos estoques de carne estão bem abastecidos. Realmente há a necessidade de comprar mais? Ainda mais carne nobre…”

    Fernando já esperava por essas palavras. Assim como ele, o velho homem era alguém prático, que geralmente não se importava com luxo ou coisas supérfluas. No entanto, desde que experimentou o almoço requintado de antes, teve que admitir que a diferença das carnes de animais caçados e aqueles criados eram completamente diferentes. Tanto a maciez, sabor e mesmo o aroma, tudo era completamente diferente.

    Com o quão animadas as tropas haviam ficado recentemente com a Sopa de Delgnor, não só por seus efeitos, mas também por seu sabor, o rapaz percebeu a importância de uma boa alimentação para as pessoas.

    “Mesmo que sejam ‘comestíveis’, as carnes que temos… Não são agradáveis, gostaria de oferecer algo melhor ao nosso pessoal.”

    “Isso…” O sujeito ficou sem palavras ao ouvir a explicação. Como um ex-militar, Damon estava mais do que acostumado a rações simples. Apenas receber alimentos gratuitamente já era um luxo na maioria das legiões. “Se o senhor quiser algo melhor, eu posso providenciar, mas para todo o Batalhão… Isso não é um pouco demais?” indagou, preocupado com as finanças.

    Fernando sorriu com a pergunta do homem.

    “Sargento Damon, quais são as coisas essenciais que uma pessoa precisa para viver bem?”

    A pergunta estranha deixou o homem confuso.

    “Eu não sei bem como responder a isso… senhor.”

    “Então eu te digo. As pessoas precisam de três coisas fundamentais para sobreviver. Isso é, segurança, moradia e alimentação. Segurança envolve o bem-estar físico, financeiro e de saúde. Moradia é um local para se estabelecer e chamar de lar. E por fim a mais importante, alimentação. Não importa que tipo de vida alguém leve, ou quais planos tenha, se não houver comida na mesa, o restante se torna completamente irrelevante” explicou, de forma calma. “Essas três coisas são as principais e essenciais para se ‘sobreviver’, mas para ‘viver’ surge uma nova necessidade e tão importante quanto, e isso é o conforto. Há uma grande diferença entre se alimentar para sobreviver e comer algo simplesmente porque é delicioso.”

    Como alguém que havia vivido na pobreza na Terra, Fernando conhecia perfeitamente esses conceitos. Alguém que mal tinha dinheiro para sobreviver dificilmente se preocuparia com o sabor ou a qualidade dos alimentos. Contudo, permanecer numa vida assim poderia realmente ser considerado viver?

    Damon não tinha certeza sobre onde o Tenente queria chegar, como alguém que havia chegado a Avalon quando jovem, ele mal se recordava da Terra, não sendo muito diferente de um Avaloniano comum, mas ao lembrar-se do sabor da Sopa Revitalizante, começou a entender um pouco da sua linha de raciocínio.

    “Então o senhor quer melhorar a qualidade das nossas rações para aumentar o moral das tropas?” perguntou.

    Assentindo, Fernando continuou.

    “Um Soldado bem alimentado torna-se muito mais motivado. Além disso, após se acostumar com tudo de bom que oferecemos aqui, quantas pessoas você acha que irão querer deixar o Batalhão Zero no futuro?” perguntou, com um leve sorriso. “Isso não é apenas gasto desnecessário, é um investimento de longo prazo.”

    A expressão de Damon mudou completamente ao ouvir isso.

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