Capítulo 525 - Mal-entendido
Um dos maiores problemas de um contingente militar em expansão que sofre baixas constantes no campo de batalha, era manter a lealdade de seus homens e impedir que tropas concorrentes roubassem seus talentos. Por isso, quando Fernando expôs suas intenções, o velho Sargento não pôde deixar de ficar chocado.
Ele está pensando tão longe no futuro assim? perguntou-se, sem palavras.
Mesmo que parecesse algo lógico, investir nas tropas comuns para manter sua lealdade, era algo que a maioria esmagadora dos líderes negligenciavam. Afinal, porque se preocupar em ter gastos exorbitantes com meros Soldados, quando poderiam simplesmente administrarem o dinheiro com outras coisas mais importantes?
Devido a isso, ao serem desvalorizados por tanto tempo, muitos daqueles que serviam, eventualmente teriam sua confiança e lealdade gradualmente desgastadas ao longo do tempo, perdendo sua vontade e por fim procurando novos rumos, abandonando a tropa.
Pelo contrário, ao serem reconhecidos e valorizados, os indivíduos tendiam a se esforçar cada vez mais e reforçar ainda mais sua lealdade, criando um laço inabalável com sua tropa e seu líder.
“Eu entendi Tenente. Irei ao centro comercial agora mesmo.” Damon afirmou, convencido. Mesmo que ainda achasse um pouco excessivo comprar carne de alta qualidade para tanta gente, resolveu confiar nas decisões de seu jovem Tenente. “Quanto aos fundos…”
“Você pode ir falar com a Lina, irei enviar uma mensagem com a autorização.” O rapaz disse.
Pouco tempo depois do Sargento retirar-se para cumprir as ordens, Fernando, ainda no escritório, estava prestes a sair para resolver outras coisas, quando um Soldado adentrou.
“Tenente, tem um minuto?” perguntou.
“Claro.” O rapaz assentiu.
“Tem alguém aqui que está solicitando uma reunião. Essa pessoa diz ter sido enviada pelo senhor Sanjo Samal, e alega ser uma Maga de Cura.”
Ao ouvir isso, o jovem pálido ficou surpreso. Recentemente ele havia enviado um pedido a Sanjo, solicitando que o homem recomendasse alguns Magos de Cura para o Batalhão Zero, mas não imaginou que chegariam pessoas tão rapidamente.
Inicialmente o rapaz sempre confiou em sua Magia de Cura, assim como em sua Habilidade de Auto Regeneração para cuidar de si mesmo, enquanto mantinha um estoque abundante de Poções de Cura para as tropas. Porém, sua visão sobre esse método havia mudado após eventos recentes.
Ao ser envenenado na emboscada dos assassinos da Família Lopes e perceber que nem sempre sua Magia de Cura ou Habilidade eram eficazes, ele ficou realmente assustado. Se Raul não tivesse aparecido e o levado rapidamente para receber tratamento, mesmo que ele tivesse sobrevivido a emboscada, provavelmente não seria socorrido a tempo e acabaria morrendo!
Sendo tratado e desintoxicado pelos Magos de Cura do General Dimitri, Fernando entendeu que depender apenas de si mesmo era algo perigoso e ele também não poderia confiar em qualquer um para tratá-lo, já que possuía muitos segredos.
Somando essa experiência ao momento em que observou Sanjo tratando o Major Silvester do Mana Caído, ele viu que por mais que as Magias de Cura simples e Poções fossem eficazes, simplesmente não serviam para todas as situações e não poderiam se comparar aos conhecimentos médicos mais profundos.
Sendo assim, definitivamente era necessário que o Batalhão Zero tivesse Magos de Cura próprios, sem depender de outros. Além disso, com um mago próprio, eles diminuiriam consideravelmente os gastos com Poções de Cura, pois mesmo que ele dominasse a magia, como Tenente, não tinha tempo sobrando para lidar com isso.
“Mande-a entrar.”
Poucos instantes depois, uma mulher jovem, com cabelos negros e uma expressão cansada, entrou em seu escritório. Ao vê-la, Fernando ficou surpreso. Era a Maga de Cura que ele conheceu na época em que ajudou a curar o General Zado!
“O-olá, Tenente. É b-bom revê-lo!” A mulher cumprimentou, nervosamente. “Acredito que o senhor não se lembre de mim, mas já nos encontramos uma vez, antes do ataque a Garância. Me chamo Anastasia.”
“Eu me lembro sim. Inclusive agradeço pelas dicas daquela vez.” O rapaz disse, de forma calma e amigável.
A mulher ficou surpresa ao ouvir isso, não imaginando que o Tenente se lembraria de alguém como ela e até mesmo a agradeceria!
Além disso, ela se recordava de seu rosto frio e intimidador naquele dia e do quase conflito que ele havia tido com os outros líderes das Tropas de Exploração. Mas dessa vez o rapaz parecia muito mais receptivo.
Enquanto conversava com a garota, Fernando aproveitou para checar suas mensagens acumuladas em seu Cubo Comunicador, mais especificamente de um de seus contatos, o de Sanjo Samal. Já que ela havia dito que foi enviada por ele, certamente teria algum contato de sua parte e, assim como esperado, havia algo em sua caixa de mensagens. Ao ler o conteúdo, ficou surpreso, olhando para a jovem a sua frente.
Na mensagem havia algumas palavras de recomendação, bem como elogios irrestritos a mulher, assim como uma explicação sobre a situação dela, como Maga de Cura terceirizada e sua busca por condições melhores que ele não poderia oferecer.
O jovem Tenente ficou surpreso com tudo isso, pois esse assunto era algo que ele não conhecia muito bem, apenas tendo ouvido falar.
Normalmente, em tropas padrões, era comum que a Legião disponibilizasse Magos de Cura para auxiliá-los. Como havia uma grande demanda, tropas menos importantes ou em áreas de risco, normalmente receberiam Magos de Cura terceirizados, contratados por meio de Guildas especializadas. Entretanto, como o Batalhão Zero havia sido recentemente formado, somado ao fato de ser um Batalhão Nomeado e com a alta demanda por Magos de Cura na guerra, eles simplesmente nunca haviam recebido um.
“Então, Anastasia. Acredito que o senhor Sanjo deva ter passado alguns detalhes sobre o que eu procuro e as condições envolvidas. Caso não, irei lhe explicar agora algumas das minhas exigências.” Fernando disse, olhando-a nos olhos. “Primeiramente, seu contrato não será com a Legião, mas diretamente comigo. Em segundo lugar, você terá que concordar com um termo de confidencialidade sobre qualquer assunto envolvendo a mim ou ao meu Batalhão Zero e não estará autorizada a compartilhar qualquer informação, mesmo com superiores dos Leões Dourados.”
Ao ouvir tudo isso, a mulher ficou espantada.
Termo de confidencialidade? Contrato individual? O que essa pessoa está planejando fazer comigo?! pensou, ficando imediatamente assustada.
Normalmente, os contratos com Magos de Cura eram feitos com a Legião sendo a contratante em nome, pois assim qualquer responsabilidade e obrigação ficaria a cargo da mesma. Desta forma, para o Mago, haveria mais garantias de que ele sempre receberia seu salário e que não haveria abusos por parte do contratante, pois uma Legião sempre tinha uma reputação a zelar. Ou seja, era muito mais seguro para ambas as partes que toda a negociação e contratação fosse regida pela Legião, mas o jovem Tenente do Batalhão Zero estava propondo o oposto disso.
“E-eu, não ouvi nada sobre isso, senhor… Acho que não posso concordar com isso.” Anastasia exclamou, com algum medo em sua voz, levantando-se e se preparando para sair.
Ter um contrato pessoal com alguém não era algo que ela estava interessada, pois esse tipo de negociação sempre era extremamente arriscada, principalmente para uma Maga de Cura solitária como ela. Como estava buscando ser contratada diretamente pela Legião, isso provavelmente logo chegaria aos ouvidos de seu supervisor na Guilda, então era questão de tempo até que fosse dispensada. Ou seja, se fosse enganada, não haveria ninguém a quem ela poderia recorrer!
Vendo o medo em seu rosto, Fernando suspirou. Obviamente ele entendia o porquê dela estar tão hesitante. Num mundo tão brutal como Avalon, não se poderia baixar a guarda em momento algum, caso contrário você terminaria como uma vítima infeliz.
“Senhorita Anastasia, se possível, gostaria que ouvisse minha proposta até o fim. Se após ouvi-la e ainda não tiver interesse, então você é livre para recusar a qualquer momento.” O rapaz disse, com uma voz calma, tentando deixá-la confortável. Se possível, ele não gostaria de deixar alguém tão bem quisto por Sanjo Samal escapar de suas mãos assim.
“Eu… Tudo bem.” Apesar de hesitante, Anastasia sentou-se novamente, não querendo ofender um Tenente de um Batalhão Nomeado.
Vendo-a agindo assim, Fernando sentiu como se ela fosse um pequeno ratinho assustado, que estava pronto para correr por sua vida no menor sinal de perigo. Ele não pôde deixar de sentir alguma pena, imaginando que tipo de circunstâncias ela havia passado para deixá-la desse jeito.
A situação dos Magos de Cura terceirizados é tão ruim assim? pensou. Olhando para o rosto abatido e cansado da mulher, estava claro que ela não dormia muito e trabalhava bastante.
Mas, apesar de simpatizar com sua situação, Fernando também sabia que essa era uma escolha pessoal dela. Mesmo que Magos de Cura Intermediários não fossem raros, poderiam facilmente serem contratados por uma Legião quando quisessem. A maioria que preferia trabalhar de forma terceirizada era porque se sentia mais a vontade em ser livre.
“Caso assine o contrato, após três meses de serviço, qualquer um dos lados pode interromper o acordo, sem penalizações ou multas. No entanto, o termo de confidencialidade ainda deve ser mantido, mesmo após a sua saída.”
Ao ouvir isso, Anastasia ficou chocada, se ela não gostasse do trabalho poderia simplesmente pedir demissão sem qualquer punição após apenas três meses de serviço? Esse tipo de situação não seria extremamente vantajosa para ela? A mulher não conseguia entender porque o rapaz estava oferecendo esse tipo de condição tão favorável.
Ele está tentando me enganar de algum jeito? pensou, desconfiada. Havia um velho ditado que dizia ‘quando a esmola é demais, até mesmo o santo desconfia’.
“Agora, quanto ao pagamento, estou disposto a pagar 50% a mais do valor padrão para um Mago de Cura Intermediário contratado pela Legião. E, caso suba para o nível Avançado futuramente, seu salário será ajustado de acordo com essa mesma condição.”
Quando a mulher ouviu isso, ficou cheia de espanto. O salário padrão de um Mago de Cura Intermediário era de 250 moedas de prata por mês, se ela receberia 50% a mais disso, então estaria recebendo um total de 375 moedas de prata! Isso era mais que o dobro do que ela ganhava atualmente como uma terceirizada, era um salário dos sonhos para alguém do seu nível!
“S-senhor, tem certeza disso? Você não se confundiu quanto ao valor?” perguntou, com a voz trêmula.
Fernando levantou uma sobrancelha, em dúvidas.
“Claro que não, essas são as condições que estou oferecendo.” respondeu, com firmeza. Ele sabia que o valor era alto, mas o Batalhão Zero precisava urgentemente de Magos de Cura e se ele oferecesse apenas o valor padrão, com a alta demanda devido à guerra, dificilmente obteria candidatos. Além do mais, precisava que os contratados fossem pessoas confiáveis e ao pagar um valor alto, as chances de informações vazarem seria muito menores. Com a necessidade recorrente por curas devido aos treinamentos intensos do Batalhão Zero, Fernando estava confiante de que poderia recuperar o valor investido em pouco tempo. “Senhorita Anastasia, está disposta a aceitar?”
“E-eu…” A mulher estava tão perplexa que nem sabia o que dizer. Se ela recebesse tanto dinheiro por mês, poderia facilmente comprar mais recursos e teria uma chance melhor de futuramente se tornar uma Maga Avançada. Além disso, as condições eram extremamente favoráveis! Apesar do seu coração batendo acelerado, sentia-se ansiosa, com receio de cometer um erro.
Notando que a mesma ainda parecia incerta, Fernando suspirou consigo mesmo.
Que moça desconfiada…
“Se estiver preocupada de que eu volte em minhas palavras, podemos fazer tudo isso pelo Banco Branco.” O jovem Tenente disse, movendo o pulso e tirando o contrato que ele havia feito anteriormente com essas exatas condições, provando que não era uma oferta de momento, mas algo previamente pensado.
Anastasia ficou surpresa em ver que o Tenente estava até mesmo disposto a assinar o contrato com o Banco Branco como intermediador. Normalmente, contratos militares de membros de uma Legião eram supervisionados pela própria Legião, o que obviamente beneficiava o contratante, mas ele estava até mesmo disposto a abdicar desse benefício!
Eu deveria aceitar? Isso tudo é tão favorável para mim, mas e se essa pessoa quiser me prejudicar de alguma forma?
Vendo-a em silêncio, ainda hesitante, Fernando começou a ficar impaciente e irritado. Ele já havia colocado todas suas cartas na mesa. Se ainda assim a mulher não aceitasse, mesmo que estivesse precisando de Magos de Cura, ele não iria insistir mais.
“Eu posso pensar a respeito?” indagou, depois de algum tempo quieta.
Ouvindo a pergunta, a expressão de Fernando ficou fria.
“Senhorita Anastasia. Sem querer lhe ofender, mas do que você tem tanto medo? Entendo que esteja se precavendo, mas você age como se eu fosse um vilão planejando algo sombrio contra você. Pense bem a respeito, você provavelmente não tem família, não tem uma organização para te defender e mesmo assim entrou no prédio do meu Batalhão Zero, no meu território, sozinha. Se eu quiser fazer algo com você… Acha mesmo que alguém me impediria de fazer isso agora mesmo?” questionou, com uma voz gelada, estando farto da enrolação dela.
O rosto da Maga de Cura ficou imediatamente pálido, suas mãos trêmulas, quando lágrimas quase começaram a cair de seus olhos. Olhando para o Tenente pálido e de aparência assustadora a sua frente, as palavras estavam travadas em sua garganta.
Lembrando dos boatos ruins que havia ouvido sobre essa pessoa, de como ele teria feito um massacre em Belai, ou sobre como era alguém cruel com seus subordinados, o coração de Anastasia bateu forte.
Ele tá dizendo que se eu não assinar… Ele vai me matar? Eu nunca deveria ter vindo aqui! pensou, aterrorizada.
Olhando para os olhos frios do rapaz pálido de aparência estranha, ela teve a certeza de que havia cometido um grande erro.
“E-eu assino, então por favor…” implorou, com uma voz fina.
Vendo isso, o jovem Tenente ficou sem palavras. Ele não estava a ameaçando, mas apenas explicando a situação! Por que ela estava agindo como se ele estivesse a chantageando?
Suspira
Ah, tanto faz! pensou, cansado dessa situação. Apenas entregando o contrato a ela, não se dando ao trabalho de explicar o mal-entendido.
Algum tempo depois, a jovem maga saiu do escritório, suas pernas estavam tão trêmulas que ela mal conseguia andar, segurando-se nas paredes. Além disso, seus olhos estavam cheios de lágrimas.
“Estou acabada… Vou virar uma escrava para sempre…” A garota murmurava baixinho enquanto soluçava. De repente percebeu que estava tão nervosa que nem havia lido corretamente o contrato, o que a deixou ainda mais amedrontada ao imaginar que tipo de condições aterrorizantes havia nele. “Eu nunca deveria ter vindo aqui…”
Ao ver essa situação, os dois Soldados que protegiam o lado de fora, ficaram surpresos.
O que está acontecendo? O que diabos o Tenente fez com essa mulher? Todos se perguntaram ao mesmo tempo. Uma série de coisas passando por suas mentes.
Mesmo Lerona, que estava próxima, no corredor, tinha uma expressão estranha em seu rosto.
Instantes depois, Fernando saiu do escritório, assim que a garota o viu, ficou paralisada, mas ele parecia não se importar.
“Levem-na a um dos quartos disponíveis, a partir de agora a senhorita Anastasia será nossa hóspede.”
Todos não puderam deixar de olhar o jovem Tenente com olhares estranhos, principalmente ao ver como a garota parecia traumatizada.
Notando os olhares, Fernando franziu a testa.
“O que estão esperando?” indagou, com a voz irritada.
“S-sim, senhor!” Um dos Soldados disse, levando a garota atônita embora.
Naquele dia, o Batalhão Zero foi inundado com uma série de boatos. A maioria deles dizia que seu Tenente não estava mais satisfeito em torturar apenas seus subordinados e agora estava até mesmo sequestrando pessoas de fora para se satisfazer!
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