Capítulo 533 – Necropto
Quando o General da Sede do Poder disse isso, todos o olharam com apreensão. Dependendo de suas próximas palavras, seria decidido se toda a cidade de Garância ainda existiria no dia seguinte, ou se restariam apenas ruínas de carne e sangue ao amanhecer.
“Encontrei traços dos locais de interferência na comunicação, há pelo menos três pontos ocultos que não consigo alcançar. Com isso posso deduzir que, com certeza, não é um Lich.” falou, com um olhar calmo.
Assim que ele disse isso, todos soltaram suspiros de alívio. O único que ainda parecia não estar muito certo era Oliver.
“Como pode ter tanta certeza?” indagou, com desconfiança.
Moura Pagliuca olhou para o homem, não surpreso com sua pergunta. Como alguém da Sede do Poder, ele o conhecia muito bem, já que era uma das figuras problemáticas que estava sob escrutínio da Cidade Dourada. Se não fosse pela proteção de Wayne, o sujeito talvez já tivesse sido excomungado há muito tempo.
“Esta é uma Caixa de Detecção e Rastreamento. Com isto, consigo me conectar às Redes de Mana da cidade e localizar e rastrear sinais. Isso, é claro, inclui interferências na comunicação.” O homem negro explicou com paciência. “Obtive a localização de três pontos de obstrução, e apesar do inimigo estar achando que me enganou, consegui encontrar sua posição real.”
“E como isso significa que não é um Lich?” O sujeito gigante perguntou, franzindo as sobrancelhas.
Moura Pagliuca então lhe lançou um olhar gelado.
“Ao usar uma Caixa de Detecção e Rastreamento, é necessário conectar minha mente a ela; fazer isso é uma via de mão dupla. Da mesma forma que posso localizar o inimigo, ele também poderá me encontrar. Se fosse um Lich, muito menos conseguir localizá-lo, eu provavelmente teria minha mente destruída no momento em que ele me notasse.”
Quando essas palavras foram ditas, com exceção de Wayne e Zado, que pareciam já cientes dos riscos envolvidos, todos os outros Generais ficaram completamente espantados.
“Isso não significa que se fosse um Lich… Você estaria morto?!” Ramon perguntou, chocado.
Pagliuca não respondeu imediatamente, mantendo uma expressão séria.
“Se a humanidade encontrasse tal monstruosidade, poder usar minha vida para alertar a todos iria ser um preço pequeno a ser pago.”
Muitos dos Generais em entorno tinham expressões diversas, perguntando-se se teriam a determinação de fazer o mesmo. Morrer no campo de batalha era uma coisa, mas ter sua mente destruída ou capturada por uma Criatura das Trevas era um destino pior do que a morte.
Nesse momento, Wayne voltou-se para o General da Capital.
“Se não é um Lich, o que é? Um Necromante?” questionou.
Pagliuca sorriu ao ouvir isso.
“Inicialmente pensei que sim, mas sua defesa anti detecção é muito falha. Sequer é um Necromante, deve ser um Necropto.”
“O quê?!” Todos exclamaram ao mesmo tempo.
Deve-se saber que havia uma certa hierarquia entre aqueles que se submeteram a Magia Negra. Mesmo que um Mago seja habilidoso na Magia de Mana Elemental, ao se tornar um Mago Negro, a maioria teria que percorrer novamente todo o caminho até o topo.
O primeiro passo era se tornar um Acólito Sombrio, um Mago que havia acabado de pisar no reino da Magia Negra e ainda estava conhecendo sua profundidade. Nesse ponto a corrupção ainda não seria severa e grande parte de sua mente ainda estaria lúcida, ainda podendo ser considerado um Humano. Como ainda possuíam traços de um homem comum, muitas vezes se misturavam entre as pessoas normais que viviam dentro das muralhas da humanidade. A maioria dos Magos Negros nunca passaria desse ponto, temendo cruzar o limiar.
O segundo passo seria se tornar um Necropto, aquele que havia abdicado de parte de sua humanidade em troca do poder. Nesse estágio ele poderia controlar um certo número de Criaturas das Trevas de baixo nível, assim como aspectos da Magia de Corrupção. Devido à parte de seu ser se tornar caótico e corrompido, já não seria considerado um Humano e dependendo da sua perícia em ocultação e intensidade de seu poder e corrupção, não poderia mais passar pelas Matrizes de Defesa de uma cidade humana. Também haveria efeitos colaterais da Magia de Corrupção, como a perda parcial ou total de cabelos e dentes.
E o passo mais alto, um Necromante. Aquele que havia abdicado totalmente de sua humanidade, tendo sua mente totalmente tomada pela corrupção da Magia Negra. Nesse ponto se poderia controlar muitas Criaturas das Trevas e passaria a entender alguns dos mistérios da Magia da Morte. Tendo ultrapassado a barreira final, não haveria mais qualquer ligação de sua parte com o que pode ser considerado ‘Humano’ e mesmo sua mentalidade seria mais cruel e metódica. Sua pele seria então branca como se o sangue não mais pulsasse em suas veias, como se fosse um sinal de que ele havia rejeitado a vida mortal. Logo não haveria mais um único fio de cabelo em seu corpo, que ficaria pouco a pouco enrugado. Era quase como se houvesse se tornado um ser totalmente diferente, tanto em mente, quanto em corpo.
Havia boatos de que um Necromante que atingisse o ápice de poder eventualmente se tornaria um Lich, dominando completamente a Corrupção e a Morte. Porém, nunca havia tido um caso confirmado, sendo considerado apenas uma teoria especulativa entre as Legiões.
Devido ao perigo que os Magos Negros representavam para as cidades humanas, qualquer um que fosse encontrado pesquisando ou tentando se aprofundar no campo da Magia Negra, seria morto. Sufocando qualquer futura ameaça em seu berço. Contudo, mesmo com o trabalho árduo do Conselho Superior em caçá-los, ainda haveria aqueles que conseguiriam passar por sua detecção.
“Você está dizendo que um mero Necropto está controlando um Rei Carniçal e um exército de Carniçais?” Herin perguntou, achando a ideia absurda. Ainda que tal ser pudesse controlar um punhado de Carniçais comuns, jamais deveria conseguir controlar um Rei, mesmo um Necromante teria dificuldades.
“Eu tenho certeza disso. Estou acostumado a caçar Necroptos e reconheço um quando vejo.” declarou. Como um General Estacionário da Capital dos Leões Dourados, Pagliuca era comumente encarregado de rastrear Magos Negros infiltrados em seus territórios, então sua experiência consolidava ainda mais sua afirmação.
“Se é realmente isso, devemos resolver tudo rapidamente.” Wayne afirmou. Depois de confirmar que não havia um Lich envolvido, toda a situação parecia muito menos pior. Apesar disso, ainda havia um risco real da Matriz de Defesa cair caso não agissem rapidamente. “Todavia, devemos garantir que esse rato que ousou atacar nosso território não fuja. Preciso de um voluntário para ser o caçador.”
Como eles não sabiam como um mero Necropto estava controlando um Rei Carniçal, deveriam capturá-lo com vida para entender o que estava acontecendo e usar o conhecimento para se preparar para adversidades futuras. No entanto, caso muitos Generais se movessem de uma única vez, o indivíduo poderia acabar os detectando e escapando para o território dos Orcs.
“Eu faço isso.” Nesse momento Oliver levantou a mão, com um sorriso orgulhoso.
Vendo isso, Wayne o olhou de forma desaprovadora.
“Você ainda não assumiu oficialmente a posição de General, se falhar nessa missão, isso irá prejudicar sua reputação. Entende os riscos envolvidos?”
A principal adversidade para um General novato era garantir sua reputação e ter uma base sólida. Embora Oliver tivesse conquistas mais do que suficientes em sua carreira, aqueles da facção oposta poderiam aproveitar essa oportunidade para ir atrás de sua cabeça.
“É só pegar o maldito e garantir que ele esteja respirando, certo? Não é um problema.” garantiu, com confiança.
Apesar de lançar um olhar de descontentamento por suas ações imprudentes, Wayne acabou por concordar. No fim, Pagliuca compartilhou a localização estimada do inimigo.
“Muito bem, vamos começar a nos mover.” Quando essas palavras foram proferidas, todos os Generais na sala desapareceram num piscar de olhos, restando apenas Wayne, Pagliuca e os Operadores de Matrizes.
Como Wayne era o General Comandante, não poderia facilmente deixar aquele local, por outro lado, Moura Pagliuca apesar de ser um aliado, estava na cidade como membro do Conselho Superior da Legião e não poderia demonstrar boa vontade excessiva; caso contrário, os espiões presentes em Garância poderiam acabar vazando informações sobre a aliança com a facção.
“Um Necropto se atrevendo a atacar uma cidade sozinho. Mesmo que ele controle um Rei Carniçal, algo não parece certo com essa situação.” O homem negro murmurou. “Espero que seja apenas minha imaginação.”
Apesar de não dizer nada, Wayne tinha os mesmos pensamentos que ele. Entretanto, não havia como tirar conclusões sem ter mais informações. Então tudo que poderia fazer era aguardar o resultado do contra ataque.
…
“I-isso… É sobre isso que queria comunicar.” A voz de Noah soou, com alguns ruídos, havia uma leve entonação de pesar em sua fala. “Está tudo acabado para nós, estamos completamente cercados.”
Quando Fernando ouviu aquilo, seu rosto que já era pálido, ficou ainda mais branco. Olhando para o horizonte distante, onde só havia escuridão, assim como para os arredores das muralhas, que estavam preenchidos de Carniçais, seu peito se apertou.
“Onde vocês estão?!” O jovem Tenente gritou, apreensivo.
“L-líder?” Kelly, Lerona, assim como os Arqueiros e Magos do Batalhão Zero que estavam atirando nos Carniçais, olharam para o rapaz sem entender.
“Esqueça isso, Fernando, é tarde demais.” A voz estática do Oficial soou do outro lado. “Nós tivemos nossos problemas antes, mas eu apenas gostaria de dizer… Que foi uma honra lutar ao seu lado. Obrigado por… Meu amigo-” De repente, as palavras que estavam soando na comunicação pararam abruptamente, sendo preenchidos por ruídos, então a ligação encerrou-se.
Ouvindo tudo aquilo, a expressão do jovem Tenente mudou, quando apertou os punhos e as mandíbulas com força.
Saber que as pessoas que confiaram suas vidas a ele agora estavam prestes a morrer do lado de fora daquelas muralhas e que não havia nada que pudesse fazer, encheu seu peito de um misto de fúria, angústia e impotência.
Por mais que ele estivesse fazendo seu melhor para levar todos a sobreviverem, sabia que sem a força necessária, mais cedo ou mais tarde se encontrariam numa situação que estaria além de seu controle.
Lerona, que estava ao lado, apesar de não saber exatamente sobre o que estavam falando, conseguiu compreender a situação. Compadecendo-se ao jovem Tenente, pois sabia exatamente o que ele estava sentindo. Mesmo sendo uma Capitã veterana, ainda sentia a perda de seus subordinados.
BOOM!
Enquanto Fernando estava pensando sobre o que fazer, de repente o Rei Carniçal atacou novamente, fazendo toda a Matriz de Defesa chacoalhar.
“Continuem atirando! Mesmo que seu mana acabe ou seus dedos fiquem em carne viva, continuem atirando!”
Alonso Allen, que estava organizando as linhas de disparos do lado oposto, franziu a testa, quando notou pequenas fissuras se formando na Matriz. Elas foram rapidamente reparadas, mas a facilidade com que elas retornavam a aparecer significava que o consumo energético estava chegando ao limite. Uma vez que a Matriz caísse, os Carniçais invadiriam às muralhas e posteriormente a cidade, tornando todo o local um enorme campo de batalha.
Isso não é nada bom… Que porcaria aqueles inúteis do QG estão pensando ao ficarem em silêncio mesmo agora? O homem começou a ficar preocupado. Sendo um Capitão de uma Brigada Nomeada, ele tinha uma força que rivalizava com a de um Major. Caso a Matriz caísse, ele poderia tentar ganhar algum tempo contra o Rei Carniçal, mas sabia que eventualmente se tornaria sua refeição caso o fizesse.
Era por isso que estava economizando seu próprio mana, já que o atacar com sua força seria inútil, então se o pior acontecesse, somente ele e os Majores Combatentes ali presentes poderiam fazer alguma coisa.
“Quanto tempo temos até que as outras Balistas sejam movidas?” perguntou, ao se aproximar de um dos Majores Combatentes, que estava dando ordens. Atualmente só haviam duas armas de guerra posicionadas no Portão Sul, com as demais espalhadas em pontos estratégicos das muralhas ao redor da cidade. Mas com tal foco em um dos campos, logo todas deveriam ser movidas até ali.
O sujeito olhou para o Capitão com a sobrancelha erguida, incomodado com seu jeito de se dirigir a ele. Mas sabendo que Alonso era líder de uma Brigada Nomeada, acabou se contendo.
“Mais dois ou três minutos e devemos ter mais algumas Balistas posicionadas. Mas precisamos dar um jeito de afastá-lo para usá-las nessa coisa.”
Como o ser colossal e os menores estavam muito perto da base da muralha, era difícil atacar com as Balistas sem prejudicar a Matriz, se o fizessem de forma descuidada, o fogo amigo poderia acabar consumindo ainda mais energia dela, então só poderiam mirar a esmo na escuridão, tentando acertar Carniçais que estavam se aproximando.
BOOM! BOOM!
Depois de sentir o gosto de sangue vivo, o Rei Carniçal ficou mais frenético. Vendo as pequenas figuras que o atacavam a partir das muralhas, enormes pingos de saliva escorriam de sua gigantesca boca, ansiando por prová-los.
Quando o ser colossal ergueu seu punho, pronto para atacar novamente, um enorme brilho vermelho explodiu nos céus.
SWISH! BANG!
Uma gigantesca rajada de chamas o atingiu no peito com um força avassaladora, empurrando-o para trás e o fazendo cambalear, despencando sobre inúmeros Carniçais menores.
“O-o que foi isso?!” Um dos Arqueiros nas muralhas perguntou, atônito. Ao olhar para trás notou uma figura voando nos céus, com chamas ao seu redor. Essa pessoa era o General Herin!
“Tentando invadir a cidade que gastei tanto esforço e dinheiro para conquistar, criatura imunda? Não enquanto eu estiver aqui!”
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