Capítulo 537 – O horror da noite
Logo as tropas se alinharam ao seu comando, prontas para partir. Então o jovem Tenente desceu lentamente em direção ao chão.
Abaixo, Karol, Theodora e Thom estavam o aguardando, todos com expressões decididas.
“Se vai haver uma missão de resgate, acredito que isso só possa ser feito pelo meu Pelotão.” Karol garantiu, com um rosto calmo.
Ao ouvir a declaração de sua esposa, a expressão de Fernando ficou levemente lívida. Por mais que quisesse mantê-la em segurança, ele não tinha escolhas. Somente a Cavalaria dos Lobos Prateados tinha chances numa missão de resgate.
Suspirando internamente, assentiu.
“Isso mesmo.”
Ouvindo a afirmativa, Karol sorriu, vendo que seu marido não a negou.
“Imagino que irá conosco.” A mulher disse, então, apontou para trás, na formação de Lobos. “Você pode ficar com aquele garoto.”
Fernando voltou seu olhar para longe. Na formação de Lobos Prateados, todos tinham seus cavaleiros montando-os. A única exceção era um lobo com pelagem negra, que parecia solitário e desconfiado. Era o ex-líder do novo lote de lobos, que havia sido derrotado.
“Além de mim, mais ninguém consegue lidar com ele, mas já tenho o Branquinho comigo, então não posso cuidar dele.” Karol falou, passando suavemente a mão em seu lobo branco, que emitiu um leve grunhido, balançando sua enorme cauda. “O resto da alcateia também parece rejeitá-lo um pouco, acho que você deveria ficar com ele.”
Fernando ficou um pouco surpreso, tanto pela questão do lobo negro ser rejeitado, quanto pelo ‘nome’ que Karol havia dado a sua montaria. Olhando para a enorme fera, cheia de cicatrizes, definitivamente era estranho chamá-lo por um nome fofo como ‘Branquinho’.
Apesar disso, sorriu para sua esposa, ao ver o cuidado que ela tinha, ao ponto de entender seus pensamentos e preparar uma montaria para ele.
“Obrigado.” agradeceu, olhando-a fixamente por um instante, como se estivesse se desculpando por sua decisão. Karol sorriu em resposta.
Sem hesitar, Fernando virou-se, indo em direção à criatura.
O lobo de pelagem negra, que estava rosnando para um Soldado próximo, percebeu a aproximação do rapaz pálido. Mesmo sendo levemente arisco, não ousou agir assim em direção a seu Mestre, abaixando a cabeça.
O jovem Tenente ergueu a mão, passando-a em sua cabeça, enquanto analisava a criatura.
Em relação a antes, o lobo negro parecia muito menos agressivo. Após ser derrotado pela montaria de Karol e perdido o direito de liderar, o animal parecia ter se tornado mais passivo.
Entretanto, por ser um candidato à liderança que foi derrotado, o restante da matilha evitava contato com ele, fazendo-o ficar isolado e se tornar arisco.
“Vou precisar de você.” O rapaz falou, enquanto a criatura dava leves grunhidos.
“I-incrível… Só a Oficial Karol consegue tocar nele assim!” O Cabo Ragin disse ao lado, espantado e, ao mesmo tempo, impressionado.
Fernando deu de ombros para o elogio, ele não gostava muito do sujeito por ser um seguidor quase fanático de sua esposa, causando-lhe um leve ciúme.
Sem perder tempo, o Tenente segurou-se na cela, então com um leve impulso, montou na enorme besta.
Wooo!
O lobo negro, apesar de inicialmente estar um pouco incomodado de ter alguém em cima dele, não rejeitou Fernando. Pelo contrário, uivou alto, como se estivesse satisfeito de ser escolhido pelo Mestre.
Acima da montaria, o jovem Tenente varreu seu olhar sobre as tropas ao seu redor, vendo-as em posição. Então puxou levemente o pelo do lobo, para que o mesmo caminhasse em direção aos portões. Embora até o momento nunca tivesse tido um lobo exclusivamente para si, ele sabia o básico sobre como controlar o animal devido a ter observado os treinos com Karol e ter tentando montar uma vez.
Quando chegou à frente das tropas, apenas lançou um olhar calmo ao redor, então voltou-se em direção aos portões. No topo, os Guardas estavam se preparando para abri-los.
“Batalhão Zero, marchem!”
Bam! Bam! Bam!
As tropas aumentaram as batidas, quando os Soldados, sob a liderança do Tenente em seu lobo negro, começaram a avançar.
Bam! Bam! Bam!
“Uh-Uh-Unidade!”
As formações estavam dispostas em tropas blindadas usando escudos para segurar a linha de frente, depois vinha Infantaria, Arqueiros e Magos, bem como a Unidade de Logística e por fim as tropas montadas, compostas pelos Lobos Prateados.
No meio da Unidade de Logística, uma garota parecia desajeitada e assustada, enquanto caminhava acompanhando a marcha, olhava angustiadamente para os lados como se quisesse fugir dali. Porém, estando bem no centro da tropa, sabia que seria difícil.
Por que vim me meter nisso? Estou ferrada, eu vou morrer. Tenho que escapar desse lugar!
“Algum problema, senhorita Anastásia?” Uma voz envelhecida soou por trás de suas costas.
Ao ouvi-la, a mulher congelou no lugar.
“N-nenhum, Sargento Damon…” respondeu, com a voz trêmula.
Desde que havia ‘sido obrigada’ a fazer o contrato pelo rapaz pálido, a Maga de Cura sentiu que estava sob vigilância completa. Em especial, o velho homem que comandava essa unidade sempre parecia estar de olho nela, a fazendo se sentir sufocada.
“Entendo. Se precisa de algo, basta dizer. O Tenente me pediu para cuidar bem de você.”
“Ha-ha… E-entendo, obrigada.” Anastasia respondeu, tremendo. Principalmente ao ouvir a parte de ‘cuidar dela’.
Então se eu desobedecer, ele irá me matar? Mas se eu não sair daqui irei morrer de qualquer jeito… O que eu faço?! Eu quero a minha mãe! Os olhos da garota se encheram de lágrimas, resignando-se ao seu destino.
Enquanto avançavam ordenadamente, as vozes dos Soldados aumentaram gradualmente. Isso fez com que todas as outras tropas olhassem em direção ao Batalhão Zero, sem entender o que estava acontecendo.
“O que é isso? O que esses caras estão fazendo?” Um Soldado perguntou, sem entender.
“Você não sabe? Aquela é uma das tropas que irá sair.” Outro homem comentou, observando a marcha. “Parece que a Matriz está no limite. Se alguém não lidar com os Carniçais que estão se acumulando, as coisas vão ficar feias…”
Nesse ponto, a informação sobre o grupo de ataque que iria limpar a base das muralhas já havia se espalhado, isso fez com que vários dos Batalhões e Pelotões posicionados próximos aos portões os observassem com atenção.
“Esses caras, vão todos morrer, certo?” Um sujeito comentou, com um rosto hesitante.
“Provavelmente, ou ao menos a maioria deles.” Um outro Soldado respondeu, numa mistura de pena e respeito pela coragem deles e, ao mesmo tempo, alívio por não ser ele ali.
Muitos rapidamente abriram caminho para o Batalhão Zero, conforme ele avançava.
A frente, a Brigada e o Batalhão do Capitão e o outro Tenente, que também fariam parte da missão, já estavam posicionados.
“O que esses caras estão fazendo?” O Capitão indagou, com uma expressão estranha.
Ao contrário do Batalhão Zero, que não hesitou em fazer barulho, sua Brigada e o outro Batalhão estavam num completo silêncio, como se estivessem em um velório, mais precisamente, no seu próprio. Os homens mal conseguiam erguer a cabeça e tinham rostos pálidos, todos sentiam como se estivessem no corredor da morte, mas a última das tropas que estava chegando parecia ter uma vibração totalmente diferente.
BOOM!
Nos céus, acima das muralhas, Herin lançou mais um ataque, afastando novamente o Rei Carniçal.
“Essa coisa insistente! Apenas continue no chão, maldito!” reclamou, vendo que o colosso mal havia caído e já estava tentando se levantar de novo. De repente, ouviu um barulho alto vindo abaixo. “O que é isso?” O homem perguntou, ao olhar para a entrada dos portões.
Bam! Bam! Bam!
“Uh-Uh-Unidade!”
O que esses idiotas estão fazendo? O General perguntou-se. Ao ver os emblemas, notou que eram as tropas daquela pessoa. Isso o fez estalar a língua com desdém. Não dando uma segunda olhada sequer naquela direção, ele não estava interessado em gastar seu tempo com homens mortos.
Além de Herin, muitos outros pareciam ter percebido a comoção, mesmo Alonso Allen e a Brigada Salazar, assim como várias das outras tropas nas muralhas, observaram o Batalhão Zero com alguma atenção.
Bam! Bam! Bam!
“Uh-Uh-Unidade!”
O Major Combatente, que estava nas muralhas, não pôde deixar de elogiar mentalmente a aura que envolvia esse pequeno Batalhão. Como alguém que havia vindo da Cidade Dourada, raramente ele via uma disposição tão sincera por parte dos Soldados.
Eles devem ter um ótimo Comandante… Que desperdício. pensou, achando uma pena que tal tropa fosse escolhida para uma missão como essa.
Em pouco tempo Fernando e o Batalhão Zero chegaram em frente aos portões, então posicionou seus Soldados entre a Brigada a esquerda e o outro Batalhão a direita.
Apesar de ser uma ‘Brigada’ as tropas do Capitão a esquerda mal tinham um Batalhão e meio, totalizando pouco mais de 700 homens, enquanto a do Tenente a direita tinha cerca de 300 homens. Somado aos 300 homens do Batalhão Zero presentes em Garância, a investida teria em torno de 1.300 Soldados.
Apesar de não gostar do rapaz, o Capitão da Brigada tinha que admitir que ficou impressionado com sua cavalaria de Lobos Prateados na retaguarda, sentindo até mesmo uma pitada de inveja. Do outro lado, o Tenente também estava estarrecido. Ambos se aproximaram do jovem montado no lobo negro.
Fernando rapidamente os percebeu, então desmontou de sua montaria, ainda havia algum tempo antes que partissem.
“Não tivemos um bom começo antes, mas já que vamos lutar juntos, gostaria de me apresentar devidamente.” O Capitão disse. “Sou Lesmark, Capitão da 5ª Brigada de Infantaria Móvel do General Ramon.”
Vendo isso, o rapaz pálido assentiu. Ele não era o tipo de pessoa mesquinha que guardaria rancor por algum insulto aleatório.
“Eu sou o Tenente Felipe Silva, do 18º Batalhão sob o General Wayne.” O outro homem disse, apresentando-se.
Ouvindo isso, o rapaz assentiu.
“Tenente Fernando do Batalhão Zero, estou sob o comando do General Dimitri.” disse, apresentando-se formalmente. “Será um prazer lutar ao lado dos senhores.”
O Capitão Lesmark ficou impressionado que o garoto, mesmo sendo tão jovem, não parecia se importar com suas palavras de antes. Isso fez com que o homem alimentasse alguma admiração por sua postura e até se sentisse um pouco envergonhado pela forma que agiu anteriormente.
“Então quais são os planos, você irá mesmo liderar um grupo de resgate?” O Tenente Felipe questionou, mesmo sendo um sujeito que estava quase na meia-idade, tendo uma longa experiência, ainda não conseguia acreditar que essa pessoa faria tal loucura. “Por que não esquece isso e apenas defendemos esse lugar? Com essa sua cavalaria, se tivermos sorte, podemos lançar um ataque rápido e recuar, sem termos muitas baixas.”
Apesar do homem dizer isso, nem ele próprio acreditava em suas palavras. Mesmo com a cavalaria ali, ele duvidava que o General Herin permitiria um recuo rápido.
Ouvindo sua sugestão, Fernando permaneceu em silêncio por um momento, depois balançou a cabeça.
“Eu lamento Tenente Felipe, mas isso não vai acontecer, temos um trabalho a fazer. Mas não se preocupem, a maior parte da cavalaria irá ficar aqui, apenas um pequeno grupo me acompanhará.”
Apesar de estar um pouco decepcionado, o sujeito ficou contente que pelo menos teriam alguma cavalaria de suporte.
O Capitão Lesmark tinha a mesma expressão, pela discussão de antes ele sabia que o rapaz não ia voltar atrás.
De repente, o Major Combatente das muralhas desceu, indo em direção a eles. Normalmente o trabalho de enviar tropas em uma missão tão arriscada deveria ser do próprio General, como um gesto de honra e boa vontade, mas Herin parecia não se importar com isso, então o sujeito foi obrigado a assumir a tarefa.
“Os portões serão abertos agora. Assim que os abrirmos, vocês devem partir e fecharemos em seguida. Eles serão novamente abertos em oito minutos, é melhor que estejam prontos quanto essa hora chegar.” declarou.
O Tenente Felipe tinha um rosto pálido ao ouvir isso.
“Os portões serão fechados? E se tivermos muitas baixas e precisarmos recuar? Por que não os manter abertos? Com a Matriz funcionando, isso não deve ser um problema!”
O Major tinha um rosto calmo, mesmo ao ouvir as palavras de desespero do homem.
“O inimigo está atacando por uma longa extensão ao entorno de Garância, é mais difícil para nós de os abatermos, mas também é algo benéfico para o nosso lado. Se ela cair, tudo que restará é a muralha, essas coisas vão tentar escalá-la, mas estarão espalhadas em vários pontos, permitindo que possamos reagir. Contudo, caso os portões estejam abertos neste momento, a maioria deles tentaria entrar pela abertura como uma onda, seria muito difícil contê-los, podemos ser rapidamente invadidos… A cidade não pode correr esse risco.” Fernando explicou, com um rosto inexpressivo.
O Major ficou impressionado que o rapaz tenha entendido tudo isso até esse ponto com tão pouca experiência, enquanto o outro Tenente, mesmo sendo mais velho, não compreendeu. Ou talvez estivesse tão assustado que sua mente estava nublada demais para compreender.
“O quê? Isso…” O Tenente Felipe ficou surpreso ao ouvir isso, então levou um dos dedos a sua boca, roendo levemente sua unha, em sinal de nervosismo.
“Escutem bem, agora temos mais duas Balistas posicionadas. Iremos intercalar entre seus disparos e dos Magos e Arqueiros nas muralhas para fornecer cobertura. Tudo que precisam fazer é chamar a atenção, desviando o foco deles da Matriz e derrubar aqueles que chegarem até vocês.” O Major Comandante disse.
Tanto Fernando quanto o Tenente Felipe e o Capitão Lesmark assentiram, compreendendo o plano. Em resumo, eles seriam iscas vivas. Apenas o fato de estarem lá fora certamente faria deles chamarizes muito mais interessantes que uma Matriz opaca.
Então o Major Combatente levou a mão ao peito, dando uma saudação militar.
“Boa sorte, senhores.”
Fernando, Lesmark e Felipe fizeram o mesmo. Apesar do homem ser um Combatente, ele possuía uma patente muito mais alta, mas mesmo assim ele havia sido extremamente respeitoso com eles, então deveriam fazer o mesmo.
Tendo dito isso, o Major virou-se e levantou, voou para o alto, então gritou.
“Abrir portões!”
Assim que a ordem foi dada, os Guardas na parte interna do portão começaram a ativar alguns mecanismos de mana e toda a muralha começou a tremer, quando os portões começaram a ser lentamente abertos.
Bam! Bam! Bam!
“Uh-Uh-Unidade!”
A expressão de Fernando ficou séria, quando rapidamente subiu no lobo negro. Então levantou o punho esquerdo para o alto e neste momento todas as tropas rapidamente pararam de bater em seus escudos.
Aqueles que estavam em cima das muralhas também observaram, assim como aqueles nos arredores.
Clank! Clank!
Os gigantescos e pesados portões começaram a lentamente abrir. Assim que a primeira brecha surgiu, era possível ouvir inúmeros rosnados e grunhidos do outro lado. Entretanto, devido à Magia de Luz lançada nos céus estar enfraquecendo, já não era possível ter uma visão nítida do lado de fora.
Percebendo isso, o Major Combatente nas muralhas voltou-se para a parte interna das muralhas.
“Magos de Luz, disparar!”
Assim que a ordem foi dada, os Magos no topo das muralhas lançaram uma nova leva de explosões de Magia de Luz para o alto.
Quando os resquícios de iluminação surgiram, as três tropas a frente dos portões finalmente puderam ter uma visão clara da situação do lado de fora. No entanto, quando viram aquela cena, seus olhos se encheram de horror.
Batendo furiosamente na Matriz Defensiva que cortava o lado externo ao interno, inúmeros Carniçais estavam amontoados, uns em cima dos outros, tentando entrar na cidade, como se fosse um enorme formigueiro.
A expressão do Tenente Felipe ficou branca, quando todo seu corpo começou a tremer. O Capitão Lesmark também começou a suar frio, pensando em como eles iam passar por isso.
Todavia, ao contrário dos outros dois, a expressão de Fernando se manteve impassível diante dessa cena horrorizante. Pelo contrário, seus olhos ficaram frios, quando encheu seu pulmão de ar.
“Batalhão Zero, matem!”
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