Capítulo 543 - Eu sou Fernando (3)
Horas depois, Fernando estava completamente suado, parado no meio de lance de escadas do terceiro andar. Era a vigésima vez naquele dia que ia do segundo para o sexto andar, já que o elevador estava com defeito e os funcionários não queriam levar os documentos para o andar de arquivos, sobrando para ele, o Aprendiz. Sentindo suas pernas trêmulas, pensou que se subisse mais algumas vezes, seria incapaz de trabalhar adequadamente no dia seguinte.
Enquanto recuperava o fôlego para continuar descendo, ouviu uma voz arfando logo a frente. De repente, uma garota de óculos apareceu, carregando uma caixa cheia de papéis, parecendo ter alguma dificuldade. Vendo isso, o rapaz foi apressadamente até ela.
“Q-quer ajuda?” perguntou, prestativamente.
“Não, estou bem. Obrigada.” respondeu, com um meio sorriso, passando diretamente e subindo em direção ao sexto andar.
Vendo isso, o rapaz pálido não insistiu. Ele sabia que como era o seu primeiro dia, ela provavelmente queria mostrar serviço, então não interviu.
Descendo as escadas e chegando ao segundo andar, o rapaz pálido cruzou com o Assistente Administrativo, Tony, que passou apressadamente por ele.
“Sai da frente.” O homem disse, empurrando-o para o lado, já que seu corpo enorme tomava toda a passagem.
A expressão do rapaz ficou feia, mas não disse nada. Então foi pegar a próxima pilha de materiais, dessa vez para levar ao primeiro andar.
Todavia, enquanto andava, pensou em algo.
Aquele maldito mamute, nunca sobe as escadas quando o elevador está quebrado, por quê ele… Enquanto pensava nisso, recordou-se da garota que acabará de encontrar subindo e das palavras que ele havia dito antes, sobre a mesma ser uma ‘carne fresca’. Ele não faria algo assim, faria? pensou, perplexo.
Por mais que o sujeito fosse um maldito sociopata de escritório, não deveria se atrever a cometer um crime. Contudo, quanto mais Fernando pensava nisso, sabendo da personalidade desprezível do homem, mais achava que era possível! Principalmente ao se lembrar que ninguém além dele próprio e o Gerente Dominic subiam até o andar de arquivos em dias normais e aquele lance de escadas levava unicamente até lá.
Merda!
Subindo apressadamente, o rapaz correu pelas escadas, porém, no meio do caminho, parou, hesitante.
O que eu estou fazendo? Isso nem é problema meu… Por que eu deveria me envolver? refletiu, suando frio. Por mais que detestasse esse trabalho, era sua única chance de melhorar de vida no momento, ele não queria perder essa oportunidade! Se ele irritasse o Assistente Administrativo, seria certamente demitido.
Entretanto, ao lembrar da jovem garota de antes, que parecia inocente, rangeu os dentes. Ele realmente conseguiria ficar bem consigo mesmo sabendo que não agiu frente a algo tão terrível? A resposta para isso era ‘não’.
Porra! Que se foda!
Após se decidir, correu apressadamente, porém suas pernas fracas e sua falta de fôlego o fizeram subir mais lentamente do que gostaria. Mesmo após subir alguns lances de degraus, não viu sinal do sujeito. Contanto que ele estivesse presente no local, duvidava que o homem tentaria algo com a novata.
Como aquele gordo desgraçado que nunca trabalha, conseguiu subir tão rapidamente? pensou, irritado.
Respira!
Com uma incrível falta de ar, o rapaz pálido finalmente chegou ao sexto andar. Não era como se ele tivesse um condicionamento físico ruim, mas após trabalhar tanto, seu corpo estava exausto.
“Não, sai. Você tá louco?!” Uma voz soou.
“Louco por você, menininha. Escute bem, eu que mando nesse lugar, se você quer se dar bem aqui, é só me agradar. Tá entendendo?” O homem gordo disse, enquanto a segurava contra uma mesa e tampava sua boca com a mão esquerda, sua outra mão deslizava pelo corpo da novata, logo começando a desabotoar sua camisa.
O rosto da garota era de pânico, quando não conseguia sequer gritar.
Bam!
De repente, a porta foi aberta, quando um rapaz pálido adentrou no local.
“Q-que, que porra. Quem?” O gordo Tony questionou, assustado, não imaginando que alguém iria até aquele lugar justamente naquele momento.
Ele havia meticulosamente esperado o Gerente Dominic ficar ocupado, então mandou a novata levar uma caixa até o arquivo, tudo para que tivesse a oportunidade de ficar sozinho com ela.
O homem estava assustado, mas quando olhou para a porta e viu quem era, sua expressão de medo mudou, tornando-se relaxada.
“É você, Aprendiz Fernando? Seu idiota, vaza daqui, não vê que estamos ocupados?” disse, ainda a segurando contra uma mesa.
O olhar da menina voltou-se para o rapaz, com sua boca sendo tapada, seus olhos o observaram em pânico, como se estivesse suplicando por ajuda.
“Senhor Tony, é melhor não ultrapassar essa linha.” Fernando falou, a partir da porta. Sua voz estava calma, mas estava internamente cheio de medo.
Ouvindo aquilo, a expressão do sujeito escureceu, quando soltou a garota, empurrando-a para o lado.
A garota chamada Ana deu um leve grito, enquanto caia sobre algumas caixas de arquivos.
“Você… Seu merda, tá falando, para mim, o que eu devo fazer?” disse, de forma ameaçadora, enquanto se aproximava.
Apesar da tentativa de intimidação, o rapaz pálido se manteve no lugar, não recuando.
“Heh, parece que você tem alguns culhões afinal.” Tony falou, ao ver isso. Parando por um tempo, o sujeito colocou a mão no queixo, então puxou de seu bolso sua carteira, retirando algumas notas de R$ 100,00. “Aqui, pega isso e vaza, é só fingir que não viu nada.”
Ao ver aquilo, Fernando ficou paralisado. Como um Aprendiz em período de experimentação, seu salário era menos que o dobro daquele valor! Se ele aceitasse isso, poderia ficar tranquilo sobre seus gastos naquele mês!
A garota, chamada Ana, olhou aquilo com algum medo, enquanto se encolhia no canto da sala, temendo que ambos os homens entrassem em acordo.
Estendendo a mão, o sujeito gordo viu que o rapaz não esboçou nenhuma reação, o que o deixou irritado.
“Anda, pega logo e vaza. Quando eu acabar, posso até deixar você aproveitar também.” ofertou, porém, em seguida, sua voz tornou-se muito mais ameaçadora. “Mas se entrar no meu caminho aqui, eu vou acabar com você. Tá entendendo? Vou transformar sua vida num verdadeiro inferno!”
Ao ouvir aquela ameaça, Fernando se assustou por um momento, seu coração palpitando. Ele sabia que o homem era de uma família rica, então não duvidava que ele faria exatamente como estava dizendo. Isso o fez dar um passo para trás, pensando se deveria recuar.
Eu sou só um cara comum, arrumar problemas com essa gente. É realmente isso que eu quero? pensou, hesitante.
No entanto, subitamente, uma voz soou em sua cabeça.
‘Um dia irei mudar meu destino com minhas próprias mãos. Estou farto de ser um ninguém que pode ser pisado a qualquer momento!’
Algumas imagens de seus ‘sonhos’ passaram por sua mente. Naqueles sonhos ele era alguém valente e corajoso. Mesmo sendo alguém exatamente igual a ele, também parecia ser completamente diferente.
Q-quem é ele? pensou, imaginando se algum dia poderia ser assim também. Entretanto, como se para responder a isso, ouviu algo novamente, tinindo do fundo de seu ser, como se fosse um dragão furioso gritando de dentro de suas entranhas.
‘Eu sou Fernando!!’
Badum! Badum!
Seus batimentos cardíacos aceleraram quando ouviu aquilo, sentindo como se algo em sua mente tivesse quebrado, algo que ele estava reprimindo por todo esse tempo!
“Tá me ouvindo, seu lixo?” O Assistente Administrativo ameaçou novamente ao vê-lo em silêncio, tremendo e cabisbaixo. Vendo isso, o sujeito corpulento sorriu levemente, sabendo que sua ameaça tinha surtido algum efeito. Logo ia dizer mais alguma coisa, quando algo aconteceu.
Plaft!
O rapaz pálido deu um tapa na mão que segurava o dinheiro, derrubando-o no chão.
“Seu verme! O que pensa que tá fazendo?!” Tony indagou, abismado.
“Antes você disse que iria transformar minha vida em um inferno…” O jovem com olheiras disse, quando lentamente levantou seu rosto, o encarando com um olhar frio. “Acho que você tá um pouco atrasado para isso.”
“O que vo-” Antes que o sujeito pudesse proferir mais alguma coisa, o rapaz pálido partiu para cima como uma chita.
O homem calvo foi pego de surpresa, não imaginando que o Aprendiz que ele tanto importunava, realmente ousaria lhe atacar! Mas apesar do susto, reagiu reflexivamente, mesmo sendo um covarde, sentiu que não havia motivos para se assustar tanto já que era muito maior que o garoto. Então, com seu enorme e flácido braço, socou em direção a cara do rapaz.
Bam! Bam!
O soco de Fernando e Tony acertaram o rosto um do outro, mas mesmo com o enorme tamanho do sujeito, ele desabou para trás, como uma montanha, enquanto seu nariz espirrava sangue.
Por outro lado, o rapaz pálido aceitou o soco e ainda que tivesse cambaleando levemente, se manteve de pé. Seu nariz também começou a pingar gotículas vermelhas, manchando sua camisa branca.
A garota, Ana Beatriz, que estava encolhida no canto da sala, ficou assustada quando os dois homens começaram a brigar.
Caindo no chão como se fosse um porco, Tony berrou.
“Seu fodido, você tá maluco? Quem você pensa que é, seu merda?!”
Ouvindo aquilo, o jovem pálido lhe lançou um olhar frio, com um rosto inexpressivo. Ele ficou em silêncio por alguns segundos, como se estivesse em um transe, quando decididamente falou:
“Eu sou Fernando.” respondeu, de forma pacata e simples.
O homem não sabia porque, mas sentiu um calafrio em sua espinha, principalmente ao ver os olhos frios do rapaz a sua frente. Era como se tivesse se tornado uma pessoa totalmente diferente da que ele conhecia!
Esse é mesmo aquele fracote do Aprendiz Fernando? pensou, assustado.
Enquanto o sujeito pensava sobre o que fazer, o jovem lentamente caminhou em direção à porta, então se virou e olhou para a garota.
“Saia.” pediu, com uma voz calma.
Ana, que estava no canto, em choque, ficou paralisada ao vê-lo falando com ela. Mas isso só durou um instante, quando ela apressadamente se levantou, correndo como se sua vida dependesse disso.
“E-eu vou chamar ajuda.” sussurrou, enquanto corria, segurando sua camisa entreaberta.
Assim que a garota saiu, Fernando fechou a porta, trancando-a.
“O que você tá fazendo, seu bosta?” O homem perguntou, assustado.
Em resposta, o rapaz apenas se manteve em silêncio, enquanto enxugava o sangue em seu nariz. Vendo a manga da camisa manchando-se de vermelho, a levantou até a altura do cotovelo, então fez o mesmo com a outra, do braço direito.
“Eu perguntei o que tá fazendo, seu porra!?” Tony gritou novamente, apontando o dedo para ele.
Dessa vez, Fernando olhou em sua direção, o encarando.
“Nada de mais, apenas preciso ensinar um porco-sujo seu devido lugar.” Após dizer isso, começou a lentamente caminhar em sua direção.
“F-fica longe!”
Alguns minutos depois, a Aprendiz, Ana, havia voltado para o sexto andar. Atrás dela, o Gerente Dominic, bem como alguns seguranças chegaram.
“Ahhhh!” Um grito alto foi ouvido quando estavam chegando na entrada da sala de arquivo.
“O que está acontecendo? Abram agora mesmo!” O velho homem disse, batendo na porta.
Não demorou muito e um som de ‘click’ foi ouvido, quando a maçaneta lentamente virou-se.
Sem hesitar, os seguranças adentraram, assim como o Gerente. Ao entrarem, ficaram abismados.
Largado no chão, com o rosto ensanguentado e inchado, estava o Assistente Administrativo Tony. Logo na entrada, próximo à porta e encostado numa mesa, estava um jovem pálido, com uma camisa branca completamente cheia de manchas vermelhas. Seus punhos também estavam cheios de sangue.
“O que diabos… aconteceu aqui?!” Dominic perguntou.
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