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    Voando pela densa escuridão, a expressão de Fernando era fria. Após entender que não havia como parar o Rei Carniçal ou o exército de Criaturas das Trevas, decidiu por tentar algo diferente. Dependendo do resultado de suas próximas ações, isso definiria se o Batalhão Zero continuaria ou não a viver depois dessa noite.

    Tenho que tentar, se eu falhar… pensou, com uma expressão firme. Ele havia ordenado que suas tropas o seguissem nesta missão. Se ele falhasse e não houvesse saída, decidiu que lutaria até o fim ao lado de seus Soldados, amigos e de sua esposa. Qual seria o sentido em ser o único a sobreviver?

    Bam! Bam! Bam!

    Enquanto se afastava usando sua Magia de Levitação, o jovem Tenente ouviu ao longe os passos do Rei Carniçal ficando cada vez mais próximos. Isso fez todos os pelos de seu corpo se arrepiarem, enquanto uma densa pressão fazia com que ele quisesse realmente fugir dali, mas rangeu os dentes, ignorando seus instintos. A coisa logo chegaria até o Batalhão Zero, ele precisava agir rápido.

    É fazer ou morrer! refletiu consigo mesmo, enquanto movia o pulso, retirou um pequeno frasco, com um líquido denso e vermelho dentro, então olhou para as Criaturas das Trevas que passavam abaixo dele. Embora estivesse voando a uma baixa altitude, ao estar fora do alcance delas, elas estavam praticamente o ignorando. Além disso, elas pareciam mais interessadas em ir onde o cheiro da Sopa Revitalizante era mais intenso.

    Tendo anteriormente presenciando por várias vezes as reações frenéticas dos Carniçais ao notarem o aroma de sangue no ar, desde o momento em que houve a primeira baixa na batalha quando um arqueiro caiu da muralha, até o instante em que estava sangrando, cercado por eles, tudo parecia seguir um padrão. Fernando compreendeu que essas monstruosidades eram totalmente guiadas por sua voracidade insaciável, chegando a extremos como comer umas as outras e atacarem até mesmo o próprio Rei Carniçal. Entendendo também que quanto mais poderosa fosse a ‘origem’ do sangue, mais enlouquecidas as criaturas ficariam.

    Já que vocês ficaram tão agitados por uma Sopa diluída, o que vão achar disso?! pensou, movendo o dedo e removendo a tampa do frasco. Dentro estava sangue puro de Delgnor, sem qualquer alteração.

    Assim que a tampa foi removida, enquanto ele voava, o aroma espalhou-se pelo ar e os Carniçais abaixo, que antes ignoravam Fernando e estavam avançando em direção as tropas em frente aos portões, imediatamente pararam seus passos. Seus olhos verdes se arregalaram, como se tivessem sentido algo terrivelmente incrível, então procuraram de um lado ao outro, buscando o que quer que fosse aquilo.

    Algumas das criaturas abriram ainda mais suas enormes bocas como se suas mandíbulas tivessem sido deslocadas, enquanto os dentes internos tremiam, emitindo um estranho ruído, era como se estivessem ‘farejando’ algo. De repente, várias delas olharam para o alto ao mesmo tempo.

    Fernando, que tinha diminuído a velocidade de voo, enquanto analisava a situação abaixo, viu centenas de olhos verdes brilhantes se voltando para ele em sincronia.

    Essa cena bizarra, que seria suficiente para aterrorizar a maioria das pessoas, na verdade, não o amedrontou, pelo contrário, um leve sorriso se formou em seu rosto.

    Funcionou! concluiu, com algum alívio. Todavia, antes que ele pudesse comemorar, algo estranho aconteceu.

    “Shaaaa!”

    “Uahhhh!”

    Vários dos Carniçais começaram a emitir um grito agudo enquanto olhavam para Fernando no céu, e como se respondesse a isso, o Rei Carniçal, que estava com sua atenção nas três tropas em frente ao portão, subitamente voltou seu olhar em direção ao Sul. Seus olhos se arregalaram, então a coisa colossal gritou:

    “GRROOAHHH!”

    Após isso, como se estivesse com pressa e temeroso de que algo fugisse, o mesmo se virou naquela direção e começou a avançar com passos pesados, aumentando, pouco a pouco, o ritmo.

    Bam! Bam! Bam!

    Devido ao seu corpo gigantesco e lento, não poderia ser considerado como ‘correr’, mas a enorme coisa estava muito mais rápida do que antes e a cada passo percorria uma longa distância, era algo realmente assustador.

    Ao ver isso, as tropas do Batalhão Zero, bem como as do Capitão Lesmark e Tenente Felipe, ficaram estupefatas e, ao mesmo tempo, aliviadas. O enorme monstro parecia estar indo embora!

    Os Arqueiros, Magos e Comandantes nas muralhas, também tiveram uma mudança em suas expressões no momento em que viram o colosso dar as costas e começar a se afastar.

    “O Rei Carniçal está fugindo!” Um Soldado gritou, em plenos pulmões.

    “Nós vencemos!” Outro exclamou ao lado.

    “HOOOH!” Logo uma onda gritos seguiu, se espalhando ao longo das muralhas.

    Abaixo, na parte interna, um imenso exército havia se reunido de diversas regiões da cidade, preenchendo quase toda a área dos arredores dos portões, prontos para responder a uma invasão.

    “O-o que aconteceu?” Um homem perguntou, ao ouvir a comoção que vinha do alto.

    “Eu também não tenho certeza. Mas se estão fazendo tanto barulho, isso só pode significar que… nós vencemos?!”

    As tropas posicionadas, vindas de vários Pelotões, Batalhões e Brigadas, ficaram animadas. Muitos estavam extremamente assustados, principalmente ao verem a Matriz de Defesa quase falhando, com receio que a história dos antigos moradores que jaziam em Garância se repetisse, mas com eles sendo as vítimas dessa vez.

    Nas muralhas, enquanto todos comemoravam, as sobrancelhas do Major Choumen franziram.

    “Algo está estranho.” comentou, com uma voz baixa. “Aquilo não parecia estar fugindo ou com medo, era quase como… Se tivesse encontrado uma nova presa e estivesse se preparando para caçá-la.”

    Alonso e alguns outros Comandantes, também acharam toda essa situação esquisita, mas não tiveram tempo para pensar muito sobre o assunto, quando algo abaixo chamou a atenção de todos.

    “Olhem, os Carniçais, eles estão recuando!” Um arqueiro gritou, apontando para baixo.

    As massas de Criaturas das Trevas, que estavam anteriormente se acumulando ao redor das tropas externas, bem como dos entornos das muralhas, começaram a correr na direção oposta, ao encontro do Rei Carniçal, com algumas até mesmo ultrapassando-o, todas estavam se afastando.

    Com isso, os gritos e comemorações ficaram ainda mais altos, quando muitos ergueram suas armas, emitindo gritos de guerra.

    “Vencemos, expulsamos essas coisas malditas!”

    “Esses desgraçados queriam um pedaço de nós? Espero que tenham enchido suas barrigas com nossas flechas!”

    O Capitão da Brigada Nomeada olhou para longe, ao ver tanto o Rei Carniçal, quanto os menores indo embora, seus olhos se apertaram com desconfiança. Anteriormente, ele estava observando uma pessoa no campo de batalha e achou sua atitude de fugir estranha, considerando o que foi passado nos relatórios.

    Aquela não é a mesma direção que o Tenente Fernando foi? refletiu, franzindo o cenho, incomodado com essa estranha coincidência, mas logo balançou a cabeça. Mesmo que ele seja alguém impressionante, não tem como um mero Tenente mudar tanto a situação do campo de batalha, algo mais deve ter acontecido. 

    Ao longe, em outro ponto, o rosto de Fernando estava mais pálido que o normal, enquanto ele teve que aumentar a velocidade de voo e subir levemente sua altitude. Abaixo dele Carniçais corriam em alta velocidade, uns subiam sobre os outros e saltavam tentando alcançá-lo e derrubá-lo.

    Swish!

    “Porra!” gritou, assustado, ao ver uma das criaturas passando abaixo dele, a poucos metros de distância. Atualmente o Tenente estava voando a cerca de sete metros de altura, o que era muito baixo. Entretanto, não era como se ele tivesse escolha. Droga! Essa passou perto, mas preciso manter essa elevação, se eu voar muito alto, isso pode fazê-los desistirem de me perseguir.

    Swish! Swish!

    Vendo vários dos Carniçais saltando alto e diversas vezes chegando perto dele, o rapaz franziu a testa. Se ele desse azar, uma dessas coisas poderia derrubá-lo, se isso ocorresse, ele estava definitivamente morto, nem mesmo seus ossos restariam!

    Além dos que estavam vindo da direção da cidade, também havia vários grupos que surgiam das florestas próximas, no sentido contrário a multidão maior.

    Sua visão caiu sobre o frasco com sangue puro de Delgnor em sua mão, pensando se isso realmente daria certo. Olhando para trás, notou que já estava relativamente longe da cidade agora. Além disso, um ser colossal agora caminhava em sua direção, mesmo com a enorme distância, era possível ver sua silhueta gigante sob as luzes da cidade, bem como seu enorme par de olhos verdes.

    Aquilo realmente está vindo atrás de mim… pensou, não sabendo se deveria estar feliz ou assustado com isso.

    De repente, ao olhar para frente, o rapaz avistou um novo Carniçal, muito maior que os demais, com pelo menos quatro metros de altura, vindo da direção da floresta mais ao Sul, aquela coisa tinha quase um quinto do tamanho do Rei Carniçal e caso se unisse ao ataque a cidade, certamente seria uma ameaça considerável a Garância.

    De onde diabos essas coisas estão surgindo? pensou, assustado. Aquilo claramente não pertencia ao mesmo bando do Rei Carniçal, mas pareciam seres dispersos por aí que estavam sendo reunidos. 

    Vendo o Rei Carniçal em seu rastro e essa nova aberração a sua frente, Fernando riu consigo mesmo, perguntando-se quão azarado ele era.

    Bam! Bam! Bam!

    Felizmente, a criatura a frente que parecia estar focada nele, o olhando atentamente enquanto se aproximava, caminhava lentamente e com passos pesados. Além de seu enorme tamanho e peso, havia vários pequenos Carniçais se agarrando em seu corpo como se fossem carrapatos, prontos para saltar em direção a Fernando assim que se aproximassem.

    “Que problemático.” disse, suspirando, aumentando a sua altitude, por precaução, já que aquilo poderia alcançá-lo se tentasse.

    Como se tudo isso não fosse o suficiente, Fernando sentia sua cabeça ainda mais cansada ao estar se esforçando além dos seus limites. Manter a Magia de Levitação, que ele ainda não dominava completamente nessa situação, tornava tudo ainda pior. Além disso, agora ele estava longe da cidade e precisava permanecer com sua Visão Escura sempre ativa, aumentando ainda mais seu fardo mental. Se as coisas continuassem assim, ele sabia que uma hora o cansaço o dominaria e ele precisaria parar em algum lugar para descansar, mas se fizesse isso, o mar de Criaturas das Trevas, que o perseguia, acabariam com ele!

    Inesperadamente, uma ideia veio a sua mente. Parecia arriscada, mas decidiu seguir com ela.

    “Não custa tentar.” Ao dizer isso, lentamente baixou novamente sua altura de voo, aproximando-se do enorme Carniçal a frente.

    A coisa gigante emitiu um rosnado baixo, como se fosse um cão ameaçando e sem qualquer outro aviso, sua garra moveu-se para o alto, obrigando Fernando a usar tudo que tinha para se jogar para o lado.

    Swish!

    Mesmo esperando por isso, o jovem Tenente ficou surpreso com sua velocidade explosiva. A garra passou a menos de dois metros dele, lançando uma rajada de ar e o empurrando como se fosse uma pipa.

    Isso foi perigoso! pensou, ao sentir a força daquilo. Se ele fosse acertado, seria esmagado como uma mosca!

    No entanto, mesmo com o risco, não desistiu, tentando uma nova investida. Agora que sabia mais ou menos o alcance daquilo, poderia se aproximar com um pouco mais de ousadia.

    Voando bem acima da coisa, além de seu alcance, o enorme Carniçal o observou com raiva. Alguns dos menores até saltavam como rãs, tentando chegar até ele, mas falhavam miseravelmente, caindo em direção ao solo.

    Vendo isso, Fernando parou no ar e a coisa abaixo também parou, abrindo sua enorme boca, como se estivesse esperando que ele caísse em direção a ela.

    As centenas de Carniçais menores que estavam perseguindo o rapaz pálido anteriormente, se reuniram em volta do ser de quatro metros, todas olhando para o alto. Vendo os incontáveis olhos verdes o observando de todas as direções, Fernando se sentiu como um astro do rock em um concerto musical, com um enorme público ao seu redor.

    “Talvez eu devesse cantar para vocês?” perguntou, rindo consigo mesmo. De repente, tudo começou a tremer.

    “Uahhhh!”

    Todas as Criaturas das Trevas começaram a gritar ao mesmo tempo, com algumas erguendo suas garras, como se fossem crianças famintas pedindo por comida.

    Vendo isso, Fernando sorriu ironicamente, já que ele era o ‘alimento’ que elas queriam.

    “Quão barulhentos.” O jovem Tenente reclamou, então começou a virar lentamente o frasco. “Se vocês querem tanto isso, lhes darei um pouco.”

    Tão logo que o frasco começou a virar, algumas gotas lentamente escorreram.

    Splaft! Splaft!

    O líquido vermelho caiu em direção a enorme boca aberta abaixo e assim que entraram em contato com o interior da enorme criatura, os olhos dela se arregalaram. 

    Não apenas ela, como todas ao redor, também pareciam ter sofrido um choque. Era como se algo que tanto desejavam, mas que achavam que nunca teriam, tivesse finalmente sido entregue bem a sua frente.

    O enorme Carniçal fechou os olhos, quando emitiu um ruído de prazer. Sua boca abria e fechava rapidamente e os dentes internos se moviam de um lado ao outro, como se estivesse saboreando aquilo. Contudo, sua ‘felicidade’ durou pouco.

    Snack! Snack!

    Subitamente, os pequenos Carniçais, agarrados ao seu corpo, começaram a atacá-lo, mordendo-o e arrancando pequenos pedaços de seu corpo.

    “Shaaa!!”

    A coisa gritou, enlouquecida, agarrando algumas das coisas, puxando-as de seu corpo e as esmagando com suas garras. Porém, elas não pararam por aí.

    Nesse instante, todo o imenso tsunami de Carniçais, tanto os grandes, quanto os pequenos ao redor, se atiraram em direção do mesmo, atacando-o de todos os lados.

    Swish! Rasga! Bam!

    O ser de quatro metros gritou, quando começou a pisar nos menores e usar suas garras para destroçar os maiores. No entanto, mesmo matando vários, as coisas não desistiram, freneticamente se atirando em sua direção.

    Embora o enorme Carniçal estivesse tentando lutar de volta, havia tantos se prendendo a suas pernas e escalando por seu torso, que logo se desequilibrou.

    Boom!

    Assim que caiu, inúmeros de seus semelhantes então começaram a mordê-lo, arrancando pedaços de carne, devorando todo seu corpo, com ele ainda ‘vivo’, se debatendo e gritando furiosamente, sua carne dura e fibrosa não parecia mais oferecer grande resistência.

    Alguns dos menores rapidamente abriram um caminho em seu corpo, pelas laterais e abdômen, se enfiando em suas entranhas e devorando-o por dentro.

    Vendo aquela cena bizarra e extremamente grotesca, Fernando sentiu um leve embrulho em seu estômago.

    Foi apenas algumas gotas… Só isso realmente pode causar todo esse alvoroço nessas coisas? contemplou, horrorizado. Ele sabia que o sangue e carne de Delgnor eram valiosos para os Humanos, mas não imaginou que a situação seria ainda pior para as Criaturas das Trevas.

    Mestre, cuidado! Tem algo vindo! Subitamente, a voz envelhecida de Brakas soou em sua mente, assustando-o e fazendo-o olhar para trás e assim que o fez, sua expressão mudou.

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