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    Tanto Fernando, quanto Brakas foram pegos de surpresa com as palavras do homem.

    Uma pessoa andando sozinha sorrateiramente no meio da noite, tão longe de uma cidade e ainda pode cima num fronte de guerra. Não importa como eles vissem isso, não deveria ser alguém que estava ali com boas intenções. Além disso, mesmo após ver um Baiholder, ele não demonstrou medo ou o atacou, mas lhe deu uma saudação aparentemente amistosa.

    Brakas analisou o sujeito por alguns instantes e então sorriu, finalmente entendendo do que se tratava.

    Fernando, que ainda estava sendo segurado pelo Baiholder, estava prestes a dizer algo, quando sentiu um forte aperto em seu corpo. Ele olhou de forma questionadora para a criatura, que o olhou de volta como se dissesse ‘confie em mim’.

    Apesar de relutante, o rapaz ficou em silêncio, observando o que aconteceria a seguir.

    Nesse momento, o enorme ser de pele amarelada e tentáculos perguntou com uma voz autoritária:

    “Eu poderia dizer o mesmo. O que um Mago Negro como você faz por aqui?”

    Ao ouvir isso, a figura negra com capuz ficou em silêncio, como se estivesse pensando no que fazer, mas logo se decidiu.

    “Nobre Sábio. Gostaria de me apresentar. Eu me chamo Kepler e sou um humilde Mago das Trevas, estou em uma missão para minha organização. Quanto ao conteúdo dela, lamento por isso, mas não posso revelá-lo.” disse, de forma séria. “Poderia saber seu nome, senhor?”

    Fernando, ao ver a maneira que o mesmo estava tratando o Beholder, ficou chocado.

    Beholders não deveriam ser inimigos mortais dos Humanos? perguntou-se, mas ao pensar com cuidado, percebeu algo. Embora os Magos Negros fossem tecnicamente Humanos, eles eram considerados traidores da Humanidade. Ao pensar até aí, o rapaz compreendeu. Faz sentido, não há motivos para alguém perseguido pelo Conselho Superior respeitar as regras impostas por eles. Ainda que isso signifique ter relações com raças inimigas.

    “Eu me chamo Brakas.” respondeu brevemente.

    “Entendo. Sábio, posso saber por que alguém como você, está tão longe ao Sul?” O sujeito encapuzado insistiu.

    “Meus assuntos não são da sua conta!” A criatura respondeu, parecendo irritada.

    Ambos os lados se olharam. Nenhum deles havia revelado o que o outro estava fazendo ali.

    Se ele fosse apenas um Beholder comum, eu não perderia meu tempo. Mas vendo que é tão grande e de pele amarela, tenho certeza que é um Beholder Ancião. Um ser como esse não pode ser subestimado, ainda que eu possa lidar com ele, o conflito pode atrair meus inimigos diretamente até aqui! O Necropto ponderou. Estou numa situação ruim, não posso perder tempo aqui. Mas se eu conseguir fazer com que ele me ajude… Então olhou para o rapaz que estava sendo agarrado pelos tentáculos e logo sorriu. Era uma clara cena de um predador capturando uma presa frágil.

    “Obviamente é algo que eu não deveria me intrometer, mas você está capturando escravos, meu senhor?” perguntou, olhando para o garoto em seu tentáculo. Pela armadura, notou que o jovem rapaz era pertencente aos Leões Dourados, a Legião que controlava a cidade que ele havia atacado mais cedo e logo concluiu que deveria ser de alguma tropa externa que sobreviveu aos Carniçais que foram enviados.

    O grande olho de Brakas se estreitou.

    “O que isso lhe diz respeito?”

    “Se quer adquirir escravos, posso lhe providenciar muitos deles, e de uma qualidade muito maior que esse espantalho que está segurando. Isso, é claro, se puder me ajudar num pequeno assunto.”

    Fernando franziu a testa, irritado com as palavras do homem. No entanto, ele finalmente compreendeu o que estava acontecendo.

    Essa pessoa acha que sou escravo do Brakas… O Tenente então lembrou-se sobre as histórias sobre os Beholders, sobre como eles gostavam de capturar Humanos e outras raças e transformá-los em seus servos. Porém, no caso de Brakas e Fernando, a situação estava invertida, com ele sendo o Mestre. Bem, acho que isso é o que normalmente acontece. Se eu não tivesse suspeitado daquele contrato estranho, eu… Um arrepio passou em sua espinha ao imaginar no que teria lhe acontecido se tivesse se tornado escravo da criatura, ainda mais ao saber dos gostos duvidosos que ele havia desenvolvido por Humanos.

    “Oh, muitos? De quanto estamos falando? E o que exatamente você quer em troca?” perguntou, fingindo interesse.

    Ao ver que o ser havia mordido a isca, Kepler sorriu, então continuou.

    “Posso conseguir cem ou até duzentos deles. O quanto o Nobre Sábio desejar.” prometeu. “Quanto ao que preciso… Não posso explicar muito a fundo, mas em resumo, ataquei uma cidade Humana próxima e um de seus líderes está me perseguindo. Tudo que peço é que me ajude a lidar com ele.”

    Quando Fernando e Brakas ouviram aquilo, ficaram surpresos. O jovem Tenente, em especial, ficou atônito por um momento, mas logo seu rosto ficou frio.

    Essa pessoa é a responsável por tudo isso? pensou, com um sentimento de fúria em seu peito. Principalmente ao pensar em todos do seu povo que haviam morrido naquela noite, mesmo Ronald e Noah provavelmente estavam entre as baixas e ele não estava otimista quanto as chances de Ilgner e Trayan ainda estarem vivos depois de tanto tempo. Mas apesar da raiva intensa, logo forçou-se a acalmar sua mente. De repente, recordou-se da comunicação que Oliver havia enviado antes. Algo sobre um ‘rato’ que teria escapado. Ao juntar as peças, logo entendeu tudo. Essa pessoa de alguma forma fez os Carniçais atacarem Garância, mas o Major Oliver o encontrou e agora está o perseguindo. Se isso for verdade, então…

    Após entender até aí, soube que teriam que agir com cautela. Pelo que essa pessoa estava falando, ela queria emboscar seu perseguidor, no caso, o Major Oliver. Ou seja, ele não estava confiante em lidar com o mesmo sozinho, mas parecia ter formas de fazer isso caso Brakas o ajudasse.

    Esse cara é perigoso… refletiu, com algum receio.

    Oliver era um Major em nome, mas sua força era equiparável e até superior a muitos Generais e todos sabiam que ele seria promovido na próxima Cerimônia de Nomeação. Mesmo assim, o Mago Negro havia conseguido escapar dele e estava até mesmo pretendendo matá-lo.

    O que eu faço? pensou, cheio de dúvidas.

    Se Oliver estivesse a caminho, significava que ambos os lados lutariam. Mesmo se ele e Brakas não se envolverem, a situação seria difícil de resolver.

    No momento em que o Major o visse junto a Brakas, sua carreira militar nos Leões Dourados e a vida de seus companheiros em Garância estaria totalmente acabada.

    Ele duvidava muito que o homem seria compreensível o suficiente para acreditar que um Baiholder servia a um Humano. Pelo contrário, era muito mais fácil ele chegar à mesma conclusão que Kepler, acreditando que o rapaz era uma marionete da criatura.

    Brakas ficou em silêncio, mas logo sorriu.

    “Muito bem! Eu irei ajudá-lo.”

    Quando o Baiholder concordou, Fernando ficou sem palavras. O jovem pálido lançou um olhar de soslaio em desaprovação para a criatura, como se perguntasse ‘o que está fazendo?’, mas Brakas fingiu não o notar dessa vez.

    “Mas é melhor não tentar me enganar, se não me entregar o que prometeu…” prosseguiu, de forma ameaçadora.

    “Hahaha! Eu jamais me atreveria a trair um Sábio como o senhor. Afinal, nós os Magos das Trevas temos uma dívida eterna com os Beholders. Nenhum dos lados pode quebrar o acordo sem uma justificativa plausível, certo?” afirmou, sorrindo, então abaixou seu capuz. Nesse momento, foi possível ver o rosto do homem com clareza. Seus olhos eram fundos como o de um esqueleto, seu rosto tão branco que parecia mórbido e sua boca faltava dentes, enquanto os poucos que restavam eram completamente pretos.

    Fernando sentiu um certo calafrio ao ver sua aparência.

    Então é assim que uma pessoa normal fica ao se tornar um Mago Negro? perguntou-se, enojado.

    Ele já havia ouvido falar sobre eles, mas não tinha um entendimento muito profundo a respeito. A sensação que o sujeito passava era que não se tratava de uma pessoa, mas de um cadáver que andava e falava.

    Além de sua aparência bizarra, outra coisa chamou a atenção do rapaz.

    O que ele quer dizer com dívida eterna e acordo?

    Antes que pensasse mais a respeito, um dos tentáculos chegou próximo ao ouvido esquerdo de Fernando, então ele ouviu algo.

    “Prepare-se Mestre, só temos uma chance. Não importa o que aconteça, temos que tirar a esfera que ele segura em sua mão direita.”

    O jovem Tenente ficou surpreso ao ouvir aquelas palavras.

    O que é isso, algum tipo de Magia Sonora? perguntou-se.

    Normalmente, ambos se comunicavam mentalmente, mas isso só era possível quando o Baiholder estava dentro do Anel de Aprisionamento, pois uma ligação forçada era criada entre ambos usando as Matrizes do item. Mesmo que houvesse uma pequena variedade de Magias do tipo Mental que permitia fazer o mesmo, nem Brakas e nem Fernando dominavam algo assim.

    Apesar das dúvidas em sua mente, o jovem Tenente lançou um olhar discreto para o sujeito e só então notou que ele aparentemente segurava algo em sua mão.

    O que é aquilo? Ele parece estar fazendo seu melhor para esconder, mas Brakas parece ter notado algo naquilo… Bem, não importa, só preciso seguir o fluxo.

    Nesse momento o Baiholder se aproximou, com um largo sorriso e Kepler fez o mesmo do outro lado.

    “Então, quanto tempo até o inimigo chegar aqui e qual a sua força?” A enorme criatura indagou, com uma cerca calma em sua voz.

    “Eu tentei despistá-lo, mas acho que aquele inseto é mais persistente do que imaginei. Ele deve chegar em menos de cinco minutos.” O Necropto informou, apontando para uma direção com sua mão esquerda. “Quanto à sua força, não tenho certeza, mas provavelmente deve ser de nível General.”

    “Hoh. General?” Brakas questionou. “E você está confiante que podemos matar um Humano assim. Mesmo que você seja apenas um Necropto?”

    Quando Brakas disse isso, Kepler lhe lançou um olhar sério, como se quisesse dizer algo, mas conteve-se.

    Se eu não precisasse acabar com aquele maldito legionário… pensou, furioso por alguém subestimá-lo.

    “Não se preocupe, caro Sábio, tenho algo que vai nos ajudar. Uma coisa que pode fazer até um simples Necropto como eu, segurar um General.” garantiu. Tudo que preciso é que você dê o golpe fatal.”

    “Hm…” A criatura respondeu, de forma desinteressada.

    Assim como eu imaginei. Mesmo sendo cretinos egocêntricos e escorregadios, Beholders ainda seguem o pacto. Além disso, nós temos um inimigo em comum, ele com certeza não teria motivos para recusar.

    Nesse instante, Brakas pousou um dos tentáculos próximo ao Mago Negro no qual Fernando estava, libertando-o.

    “O que está fazendo?” Kepler perguntou, desconfiado.

    “Não se preocupe, ele é um Humano um pouco arisco, mas já está sob meu controle.” disse, com alguma confiança em sua voz. “Ainda temos algum tempo, vou preparar algumas armadilhas. Mesmo que você tenha garantido nossa vitória, eu não sou do tipo que confia cegamente em trunfos de terceiros.”

    Ouvindo isso, o Mago Negro sentiu-se mais a vontade. Por mais que ele tivesse alguns meios de parar o General Legionário, era sempre melhor ter mais algumas cartas na manga.

    Logo Brakas se afastou e começou a conjurar uma série de Magias em seus tentáculos, enquanto olhava na direção que o sujeito havia apontado. Isso fez Kepler ficar ainda mais confiante e satisfeito, pois o Baiholder parecia não estar com a guarda minimamente levantada contra ele. Apesar disso, ficou surpreso com o quão fácil o mesmo havia confiado nele.

    Quão idiota alguém precisa ser para dar as costas para um desconhecido tão facilmente… Dizem que Beholders são astutos, mas pelo que estou vendo agora, não passam de criaturas estúpidas. Se não fosse pelo pacto, eu realmente gostaria de levar seu cadáver comigo…

    Enquanto pensava nisso, Kepler olhou com alguma altivez para o jovem Humano ao seu lado. Vendo-o parado ali, inexpressivo, como um boneco, sentiu-se enojado com o quão frágil ele era. Mesmo estando tão próximo dele, não se sentia minimamente ameaçado.

    E pensar que um dia eu já fui um lixo como esse. Um mero Humano sem força alguma. Alguém que as malditas Legiões poderiam roubar tudo sem consequências… refletiu, olhando para o rapaz pálido. Mas vendo sua insígnia de Tenente, mesmo sendo tão novo, ficou um pouco surpreso. Um Tenente tão jovem… Talvez seja algum talento dessa legião. Eles devem ter gastado muito dinheiro em alguém como ele, mas mesmo assim, acabou se tornando um peão de um Baiholder. Sua vida vai ser pior que a morte garoto. pensou consigo mesmo, achando isso engraçado. Seu ódio pelas Legiões era tão profundo, que sentia prazer em ver qualquer perda que tivessem.

    Enquanto via o Beholder preparando algumas magias, ficou pensativo.

    Lidar com o General Humano vai ser um incômodo, mas não é um problema. Contudo, tenho que resolver isso rapidamente… Se o Necromante que está me visando chegar até aqui, estou acabado! refletiu, lembrando-se sobre como haviam tirado seu controle sobre os Carniçais tão facilmente. Levando isso em conta, tinha certeza de que certamente era um oponente terrível.

    O que Kepler não sabia é que o suposto ‘Necromante’ que ele tanto temia, responsável por acabar com seus planos, estava bem ao seu lado, observando-o.

    Fernando manteve-se focado em Brakas, mas olhava ocasionalmente para o Mago Negro, analisando-o.

    “Você disse que ele chegaria em cinco minutos, certo?” Brakas perguntou.

    “Eu deixei algumas pistas falsas e usei um corpo falso para mandá-lo na direção oposta da de onde estamos. Ele deve estar perseguindo meu sósia agora, mas logo notará que é uma distração.” O Necropto afirmou.

    “Entendo.” O Beholder disse em compreensão. “Se é assim, não temos muito tempo, então… Vamos acabar logo com isso.”

    Ao dizer isso, virou-se, apontando várias das magias recém conjuradas em sua direção, surpreendendo o sujeito.

    “O-o que está fazendo? Vai quebrar o pacto?!” gritou, assustado. Reflexivamente ergueu sua esfera na mão direita, que até então estava escondida sob seu sobretudo.

    Em resposta a isso, Brakas sorriu.

    “O acordo diz que não precisamos nos submeter caso nossas vidas estejam em risco. E se eu não te matar aqui agora, meu Mestre com certeza ficaria furioso.”

    “M-mestre?” perguntou, perplexo. “O que você…”

    Boom!

    Antes que ele pudesse terminar de dizer mais qualquer coisa, uma figura surgiu subitamente ao seu lado. O ‘fraco Humano’ que ele menosprezava, estava com uma espada erguida, cortando em direção ao seu pescoço.

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