Índice de Capítulo

    A mulher ruiva encarou o rapaz, com as sobrancelhas franzidas.

    “Você sabe que é minha missão te proteger, não é? Por que saiu sozinho?”

    Os olhos do jovem pálido pousaram no fio da lança, então ergueu a mão, tocando-a delicadamente com dois dedos.

    “Não vejo como isso te ajudaria em sua missão, Capitã.” disse, empurrando levemente a lâmina para o lado. “Quanto ao porquê sai, não tenho certeza se posso revelar, isso vai depender do Major Oliver.” indicou, movendo os olhos para o lado.

    Somente quando o Tenente disse isso, é que a mulher notou que entre as pessoas atrás, estavam Oliver e Silvester.

    “Majores, me desculpem pela cena.” Lerona disse apressadamente, colocando a mão no peito e saudando-os.

    Mesmo que estivesse furiosa com o Tenente, sabia que não poderia se envergonhar, ainda mais na frente de pessoas tão respeitadas.

    “Não se importe conosco, pode continuar.” Oliver comentou, rindo.

    Fernando lançou um leve olhar insatisfeito para o homem ao ouvir isso. Como se dissesse: ‘é da minha garganta que estamos falando’.

    “Fernando!” Logo a cavalaria chegou, com Karol a frente. A garota não hesitou, quando desmontou com seu lobo branco ainda em movimento, saltando e correndo em sua direção.

    O jovem Tenente estava prestes a dizer algo, mas a Oficial não lhe deu tempo, abraçando-o com força.

    “Eu estava tão preocupada! Droga, por que você sempre faz esse tipo de coisa?!” Karol disse, com olhos marejados.

    Fernando ficou um pouco surpreso com isso, já que sua esposa costumava tentar manter as aparências na frente dos outros, principalmente em frente aos Soldados. Mas dessa vez ela parecia não se importar.

    “Eu…“ O rapaz queria se explicar, mas não sabia o que dizer. Ele quase havia morrido inúmeras vezes nessa noite, então fazia sentido que sua esposa estivesse tão preocupada. Depois de pensar um pouco, percebeu que só havia uma coisa a ser dita. “Me desculpa.” falou, abraçando-a de volta e afagando uma de suas mãos em seus cabelos.

    O restante da Cavalaria Dama de Prata chegou bem a tempo de ver isso, com muitos ficando perplexos, dentre eles estava Anane, que ao contrário dos outros, o velho não parecia se importar tanto.

    “O Tenente, aquele bloco de gelo, está se desculpando e ainda sendo carinhoso? Eu estou sonhando?” Um dos cavaleiros sussurrou, surpreso.

    “Eu nem sabia que ele conseguia ter expressões em seu rosto… Talvez seja o choque pós-traumático. Não é todo dia que você vê um Rei Carniçal afinal.” Outro comentou.

    “Talvez não seja o Tenente, talvez seja um impostor…”

    Ouvindo a série de comentários, enquanto abraçava Karol, uma veia na testa de Fernando se levantou, irritado.

    Esses desgraçados, eles sabem que eu estou ouvindo… Mas estão falando de propósito…

    Apesar de levemente irritado, o rapaz não pôde deixar de erguer o rosto, olhando para o seu pessoal que sobreviveu, então inconscientemente deixou escapar um leve sorriso.

    “Merda, agora ele tá sorrindo. Alguém já viu ele sorrir? Acho que as coisas estão piores do que eu imaginava!”

    Uma série de risadas soaram, quando Karol afastou-se do ombro de Fernando, timidamente.

    “Não ligue para eles.” disse, soltando uma leve risada também. Então a Oficial notou Noah e Ronald ao lado, com o segundo inconsciente, e sorriu na direção deles, contente por poder vê-los vivos novamente. No entanto, ao notar a falta de um dos pés de seu amigo, que parecia ter sido arrancado, sua expressão mudou, tornando-se dolorida.

    “Chega de brincadeira!” Nesse momento, uma voz forte e alta soou. Foi então que o jovem Tenente finalmente notou um rosto que ele queria ver entre as tropas.

    Ilgner saltou do lobo, caminhando até Fernando e Karol, então ajoelhou-se ao chão, colocando a mão no peito.

    “Subtenente Ilgner Petrov, apresentando-se, senhor.” O sujeito com longos e bagunçados cabelos loiros disse, com um sorriso bruto e um olhar forte. As marcas de sangue e ferimentos ainda estavam espalhadas por seu corpo e armadura, dando-lhe um ar ainda mais selvagem.

    Ao ver o homem, o rapaz pálido sentiu um misto de sentimentos, dentre eles, de felicidade.

    “É bom ver que está vivo, Subtenente.” falou, aproximando-se.

    “Graças a você, senhor.” Ilgner retrucou, com um largo sorriso. “Quando disse que enviaria ajuda, eu tenho vergonha de admitir, mas nem mesmo eu acreditei. Hahaha!”

    Os olhares do rapaz pálido e do bárbaro loiro se cruzaram em um instante de silêncio. Não era necessário dizer nada; ambos compartilhavam a felicidade de saber que o outro ainda estava vivo.

    “Agora só precisamos verificar o acampamento do Trayan, talvez ele também…” Fernando disse com alguma expectativa, mas foi rapidamente interrompido.

    “Isso não é necessário.” Karol falou ao lado, seu sorriso diminuindo. “Nós estivemos lá antes de chegar aqui.”

    Ilgner levantou-se nesse momento, sua expressão séria. Os Soldados, que estavam, desmontando, também não pareciam contentes quando ouviram sobre o Oficial Trayan.

    Mesmo sem que ninguém explicasse, o jovem Tenente imediatamente entendeu o que havia acontecido. Sua expressão ficou séria, enquanto um sentimento pesado apertava seu peito.

    “Pode ser que ele também tenha escapado, assim como eu e Ronald!” Noah exclamou ao lado, com uma expressão perturbada.

    Mesmo que ele e Trayan não fossem particularmente próximos, como ambos eram Oficiais, costumavam conversar e trocar ideias frequentemente, com o sujeito mais velho tendo o ajudado muitas vezes em suas dúvidas e o ensinando alguns truques para lidar com as tropas.

    “Nós encontramos seu corpo.” Ilgner afirmou, com uma voz firme, mas que parecia suportar um certo peso. “Ou pelo menos o que restou dele…”

    Ao ouvir as palavras do bárbaro, Noah sentiu como se um balde de água fria tivesse sido jogado em seu rosto.

    Nesse momento, Fernando deu um passo a frente,

    “Eu quero vê-lo.”

    Karol, Ilgner e mesmo Lerona, tiveram uma mudança de expressão.

    “Não acho que seja adequado…” Sua esposa falou, com alguma aflição.

    “Eu sou o Tenente do Batalhão Zero, é meu dever confirmar a morte de meus subordinados.” O rapaz falou, com uma voz firme.

    Karol olhou para Ilgner, que então assentiu.

    “Se é o que você quer.”

    Ao dizer isso, o homem ajoelhou-se no chão, então moveu seu pulso. Assim que o fez, um corpo apareceu no chão.

    Não havia pernas e mesmo um dos braços estava faltando, além disso, a placa do peito da armadura havia sido rasgada, como se fosse uma lata de sardinha, com toda a região do abdômen tendo sido devorada por algo, com nenhuma víscera restando, com apenas os ossos das costelas abertas no local.

    Inicialmente Fernando acreditou que poderia ser um engano, que talvez não fosse Trayan, mas por algum motivo, o Carniçal que o matou deixou seu rosto intacto. Mesmo que houvesse uma marca de garra no lado esquerdo, seus cabelos escuros e cavanhaque bem feito eram inconfundíveis para o grupo, estava completamente claro que se tratava do Oficial.

    Fernando fechou os punhos com força, enquanto respirava fundo, seu coração batendo com força.

    Eu deixei que isso acontecesse de novo… pensou consigo mesmo, sentindo um turbilhão de emoções.

    Por mais que se esforçasse, ele sabia que não poderia proteger a todos. Porém, mesmo sabendo disso, não diminuia a aflição que sentia sempre que via um companheiro próximo perecer.

    Nesse momento, Oliver, que estava longe, caminhou até o lado do rapaz, então olhou para o cadáver por um momento, com um semblante estoico, como se já tivesse visto aquela mesma cena inúmeras vezes. Seu enorme tamanho, ao lado de Fernando, fazia o jovem pálido parecer uma criança.

    “Não quero interromper seu momento, Tenente, mas precisamos ir.” declarou.

    Fernando ficou em silêncio e assentiu. Apesar de estar sentindo uma fúria imensa naquele momento e quisesse encontrar alguns Carniçais e parti-los em pedaços, forçou-se a acalmar-se. Mesmo que ele fizesse isso, sabia que não traria aqueles que se foram de volta.

    “Isso é suficiente… Recolha o corpo e vamos voltar!”

    Após esse episódio, um clima pesado se instalou, mas todos começaram a se mover.

    Rapidamente Karol, Anane e os outros arrumaram espaço para os trabalhadores em alguns dos lobos. Mesmo que houvesse vários sobreviventes, tanto do posto avançado de Noah, quanto no de Ilgner, os Lobos Prateados poderiam facilmente carregar três ou quatro homens.

    Enquanto isso, Oliver, Silvester e Lerona decidiram por seguir a cavalaria pelo ar, assim sobraria mais espaço para os sobreviventes ao mesmo tempo que poderiam ter uma visão área do terreno.

    “Eu trouxe esse carinha de volta para você.” Karol falou, apontando para o lobo negro, que Fernando havia montado anteriormente. “Ele já era arisco antes, mas depois que você montou nele, não deixa mais ninguém o comandar além da Capitã Lerona, mas acho que ele não gosta muito dela… De certa forma, acho que vocês dois combinam.”

    O jovem Tenente ouviu aquilo, então olhou para o rosto da sua esposa, que forçou um sorriso tenro. Estava claro que ela estava tentando animá-lo de alguma forma.

    “Obrigado.” disse com uma voz suave, aproximando-se do lobo negro, então tocou seu focinho.

    Mesmo sendo maior que outros lobos e possuindo uma aparência feroz, o lobo negro não recusou o carinho do rapaz. Não só isso, como até abaixou sua cabeça, permitindo que o acariciasse e emitiu um uivo baixo.

    Wooo!

    Logo Fernando saltou, montando na criatura. Seu rosto estava mais calmo, mesmo que seu coração ainda estivesse abalado, ele sabia que por mais doloroso que fosse perder seus companheiros, esse não era o pior cenário que poderia ter ocorrido naquela noite.

    Enquanto o rapaz estava pensativo, sentiu um puxão, quando alguém subiu no lobo negro atrás dele e um par de braços se enrolou em torno de sua cintura, envolvendo-o.

    “Dessa vez, vamos juntos.” Karol falou, perto de seu ouvido. “Não vou deixar você sumir da minha frente de novo.”

    Vendo isso, o jovem Tenente suspirou, dando um leve sorriso amoroso. Mesmo nessa situação, sua esposa conseguia acalmar seu coração.

    “E o seu lobo?”

    “Um dos rapazes vai cuidar disso.” A garota respondeu, recostando sua cabeça em seu ombro, sem se importar com suas funções ou sua aparência de Oficial. Nesse momento, tudo que ela queria era ficar ao seu lado.

    “Tudo bem então.” Fernando respondeu, concordando.

    Após organizar tudo, a Cavalaria Dama de Prata partiu, deixando para trás nada além de um leve sentimento amargo em seus corações.

    Mesmo que tivessem vencido naquela noite, com o Batalhão Zero tendo sido bem-sucedido tanto na missão de defesa do portão, quanto na missão de resgate, isso só havia acontecido as custas de muitas vidas.

    Montando os Lobos Prateados, o grupo se moveu muito mais rapidamente do que se tentassem andar a pé e em pouco tempo avistaram a cidade.

    “Aqui é o Tenente Fernando, do Batalhão Zero, informando que estamos nos aproximando do portão Sul.” O jovem Tenente disse, no canal de comunicação aberto de oficiais da cidade.

    Como Garância havia acabado de ser atacada, não era muito inteligente aproximar-se sem avisar antes, já que poderiam acabar sendo confundidos com novos grupos de Carniçais e acabarem sendo alvejados por fogo-amigo. Se um único disparo de Balista ocorresse, eles estariam acabados.

    “Aqui é o Major Gordon Choumen, portão Sul liberado para acesso. É uma surpresa que ainda esteja vivo, Tenente.” Uma voz soou na comunicação, parecendo um pouco contente, mas, ao mesmo tempo, também havia alguma ambiguidade em sua fala.

    Fernando pensou por um momento e logo lembrou-se do homem, sendo a pessoa que estava responsável pelas muralhas quando saíram na missão de defesa.

    “Eu tive sorte, senhor.” respondeu de volta.

    Assim que chegaram próximos, puderam ver dezenas de Soldados espalhados pelos entornos do lado de fora da cidade, com alguns segurando luminárias e outros itens luminosos.

    “O que estão fazendo do lado de fora?” Karol perguntou, surpresa, preocupada que os inimigos atacassem novamente.

    “Eles provavelmente estão contando os corpos de inimigos mortos. Normalmente só deveriam fazer isso pela manhã, mas alguém do QG deve ter feito uma solicitação de relatório de urgência.” Ilgner comentou, de forma despreocupada.

    Fernando ficou pensativo ao ver isso, parecendo ter entendido algo, então olhou para o céu acima, onde Lerona, Oliver e Silvester estavam.

    O QG ainda não parece saber que o Mago Negro foi morto, então parecem estar reunindo informações para se preparar para uma possível segunda onda. O senhor Oliver ainda não informou eles? pensou, preocupado.

    Os Soldados do lado de fora olharam para a Cavalaria Dama de Prata que passava por eles com olhares estranhos.

    “Então é verdade, uma cavalaria realmente saiu sozinha depois daquilo? Eles são loucos?” Um deles comentou.

    “Soube que pertencem aquele Batalhão Zero dos rumores, ouvi que eles também haviam se voluntariado para a missão de isca, esses caras não são normais…”

    Uma série de cochichos soaram, conforme o grupo se aproximava dos portões, isso só aumentava.

    Fernando não se importou, estando acostumado a esse tipo de situação.

    O enorme portão estava aberto devido as tropas do lado de fora, então todos entraram sem dificuldades. Assim que adentraram, um enorme grupo de Soldados estava do outro lado. Muitos deles estavam movendo corpos, enquanto havia tendas para tratar as tropas que haviam defendido os portões e sobrevivido.

    Inicialmente, como foi um ataque repentino noturno, apenas uma pequena parcela das tropas presentes em Garância estava presente na defesa do portão Sul, mas agora, a maioria estava perambulando pela área, estando a postos em caso de um novo ataque.

    Muitos imediatamente olharam na direção de Fernando e dos outros, com olhares surpresos.

    Nesse momento, várias figuras desceram do céu, com o Major Choumen na liderança e vários outros Majores e Capitães logo atrás.

    Fernando estava prestes a dar uma saudação, quando todos tiraram suas armas, apontando para a cavalaria.

    “Tenente Fernando, sob as ordens do General Herin, eu ordeno que se entregue pacificamente. Você está preso por deserção.”

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