Capítulo 599 - Ventos do Destino
O Sargento tinha uma expressão perplexa ao ouvir o pedido do rapaz.
“Isso… Mesmo que a organização tenha evoluído bem, conseguir monitorar um General… é demais para nós.” respondeu, hesitante.
Apesar de ter treinado pessoas constantemente para desempenhar diversas tarefas e tenha, pouco a pouco, conseguido desenvolver uma mão de obra qualificada, Argos sabia que seu pessoal ainda era incapaz de manter vigilância sobre um General, se tentassem, certamente seriam descobertos pelos homens de Herin. “Na verdade, até mesmo entrar no prédio foi problemático. Líder, acho que já está ciente disso, mas tem pessoas observando o Batalhão Zero e não são uns fracos quaisquer…”
Ouvindo a negativa, bem como sobre haver vigilância sobre o Batalhão, Fernando franziu as sobrancelhas.
“Entendo. Isso com certeza é problemático.” disse, pensativo. Ele queria manter uma vigilância apertada sobre Herin para garantir que o sujeito não tomasse nenhuma medida sem que ele soubesse de antemão, mas não imaginou que o outro lado já estava um passo à frente.
“Me desculpe, Tenente, isso é devido a minha ineficiência. Mesmo que você tenha me dado tantos recursos…” Argos disse, com algum arrependimento por não cumprir com as expectativas de seu senhor. Mas logo Fernando balançou a cabeça, sem se importar muito.
“Não é sua culpa, eu que fui muito precipitado.” O jovem Tenente falou.
Obviamente, não havia como uma organização de informações novata que mal havia se tornado funcional conseguir competir com os Soldados de elite treinados por um General.
Argos ficou levemente incomodado, mesmo que Fernando não o repreendesse, ainda sentiu que estava em falta com seu Líder.
“Senhor, não posso fazer nada quanto a um General, mas posso lidar com aqueles que estão lá fora.” afirmou. “No entanto, não tenho certeza se isso pode te trazer mais problemas, afinal a forma de fazer isso seria…” disse, movendo o pulso e manipulando uma adaga, deixando implícito o método que usaria.
Mesmo que não pudesse competir com essas pessoas em termos de monitoramento e espionagem, estava confiante em eliminar a maioria deles.
Ouvindo isso, o jovem Tenente ficou um pouco interessado, mas começou a pensar nos prós e contras.
Se ele autorizasse isso, significava que estaria agindo diretamente contra um General e consequentemente contra tropas dos Leões Dourados, o que poderia levar a consequências imprevisíveis.
No entanto, permitir que Herin fizesse o que queria e mantivesse as operações do Batalhão Zero sob xeque, era algo igualmente problemático.
“Não, por mais que eu odeie esse cara, derramar sangue da Legião de forma imprudente não é adequado.” falou, com uma expressão séria. “Na verdade, tenho uma ideia melhor.”
Fernando sabia que mesmo que pudesse lidar com alguns dos Soldados que os observava, se fizesse isso apenas deixaria Herin ainda mais em alerta e rancoroso. Além disso, o Salão da Recepção poderia acabar se envolvendo caso as coisas escalassem a esse ponto.
Embora tivesse Zado e Dimitri o apoiando, ele não queria tentar medir forças e influência contra um General, afinal na superfície o rapaz era apenas um Tenente um pouco talentoso.
Mas ainda que estivesse receoso, também não poderia deixar as coisas da forma que estavam. Não só Herin havia mandado o prender sem qualquer embasamento, como também tentou assassiná-lo. Por mais calmo e paciente que o jovem Tenente fosse, havia um limite do que poderia ser suportado e esse limite havia sido cruzado.
Dessa vez ele havia mirado em sua vida e falhado, mas se ele permitisse que o sujeito agisse como queria, quem sabia qual seria seu próximo alvo? Suas tropas? Sua esposa? Ele não poderia permitir que algo assim acontecesse.
“O que tem em mente, senhor?” Argos perguntou, com alguma curiosidade.
“Às vezes, palavras podem ferir muito mais do que espadas. Não vamos enfrentá-lo diretamente.” Fernando disse, com uma expressão fria. “É sua reputação que atacaremos.”
Ao ouvir isso, o Sargento teve uma leve mudança de expressão, entendendo o que o Tenente queria.
Por mais poderoso ou influente que um General fosse, sua autoridade estava diretamente ligada a sua reputação.
Um General com uma péssima reputação, teria menos homens o servindo e menos pessoas dispostas a se relacionar com o mesmo. Consequentemente, sua autoridade seria lentamente minada.
Isso era chamado de ‘morte política’, frequentemente usada na Terra e em Avalon por pessoas ou organizações poderosas para eliminar seus inimigos sem sujar as mãos. Contanto que se pudesse influenciar as massas, projetando uma imagem ruim, a pessoa logo ficaria isolada, tornando-se um alvo fácil.
Argos ficou surpreso que mesmo sendo tão inexperiente, Fernando tenha pensado em agir dessa forma.
Ele realmente tem apenas dezenove anos? pensou, um pouco chocado com sua perspicácia.
“Não se preocupe, eu cuidarei disso, Líder!” afirmou. Agora que Fernando havia decidido o curso de ação, era seu dever lidar com isso devidamente.
Vendo que Argos não pediu por orientação ou planejamento, o jovem Tenente assentiu, satisfeito com sua competência.
“Tenente, eu apenas gostaria de pedir por um favor.” O homem de longos cabelos negros disse, parecendo sem jeito.
Fernando levantou a sobrancelha, sem entender.
“Eu já disse, se precisar de mais dinheiro…”
“Não é isso! Na verdade, o que eu gostaria é de saber é se seria possível ter um pouco mais daquela Sopa Revitalizante de antes…”
Ouvindo isso, o rapaz pálido ficou surpreso, mas riu internamente.
Como Argos não estava no Batalhão Zero por todo esse tempo, ele nunca havia experimentado a Sopa de Delgnor e certamente havia ficado encantado com o seu sabor.
“Isso não é um problema. Você vai receber um estoque, não só para você, mas para seu pessoal de confiança.” Fernando disse. “Envie alguém para buscar a sopa em dois dias.”
Investir na Guilda Sopro Noturno era algo que o beneficiaria, então gastar um pouco mais de Carne de Delgnor com eles não era um problema, já que ele tinha muita.
“Sim senhor!”
Após acertar as coisas com Argos, Fernando rapidamente se retirou para seu quarto, exausto.
Apesar de já estar acostumado com o Mana da Pedra e ter se familiarizado com o processo de fabricação de Veias de Mana Expandidas, fazer as de dois Generais e um Mestre de Runas havia o deixado mentalmente esgotado, além disso, ele mal havia se recuperado corretamente da batalha.
Click!
Ao virar a maçaneta da porta e entrar, o jovem pálido foi pego de surpresa, quando um par de mãos veio em sua direção. Ele estava prestes a reagir, quando suas pupilas dilataram-se ao perceber do que se tratava, acalmando-se.
O par de mãos rapidamente o envolveu em torno se seu pescoço, quando Karol o abraçou.
“Você demorou, eu estava te esperando”
Fernando respirou fundo, com o coração acelerado ao ouvir a voz de sua esposa.
Estou ficando paranoico. pensou, rindo de si mesmo.
Mas ao pensar consigo mesmo, percebeu que era natural, afinal seus inimigos haviam tentado matá-lo duas vezes num curto período. Nenhuma pessoa normal ficaria bem depois disso.
“Estava resolvendo alguns assuntos, mas estou aqui agora.” disse, quando apertou a cintura de sua esposa contra ele, o que fez a garota soltar um leve gemido.
“Eu fiquei preocupada quando te levaram…” Karol falou, olhando-o com ternura, mas logo desviou seu olhar para baixo. “Não gosto de como as coisas têm estado.”
Fernando sabia com o que sua esposa estava preocupada. Assim como ele estava afetado com as situações recentes, ela também estava.
Além disso, ter um General como inimigo, não era algo simples, principalmente quando ele era de sua Legião.
“Eu sei, mas não precisa se preocupar. Não importa quem seja, qualquer um que tente nos prejudicar, vai receber o que merece.” O rapaz pálido disse, com um olhar gelado.
Karol tinha uma expressão complicada ao ouvir isso. Essa não era a resposta que ela queria ouvir.
“Eu só queria ter uma vida normal novamente…” murmurou, recostando sua cabeça no peito de seu marido, como uma criança carente. “Viver com você, longe de toda essa matança e luta.”
O coração de Fernando doeu ao ouvir isso. Um homem que não conseguia oferecer proteção e segurança a sua mulher, era uma falha e ele sabia bem disso.
Mesmo que parecessem memórias distantes, ele também sentia saudades de seu tempo na Terra. Mas também percebeu que estava, de algum modo, se adaptando rapidamente a Avalon, como se ele sempre tivesse pertencido aquele lugar. Essa sensação mista e incoerente, o deixava confuso.
“Sabe, às vezes eu penso sobre o Archie e a Louise, sobre como eles estão. E também imagino como seria, se nós fizéssemos o mesmo…” Karol falou, então ergueu seu olhar, olhando seu marido nos olhos. “Se eu te pedisse para fugirmos, apenas nós dois, você aceitaria?”
A pergunta de sua esposa o deixou desnorteado, fazendo Fernando refletir. Abandonar sua posição, suas tropas, seus amigos e tudo mais, ele realmente poderia fazer isso?
Atualmente, muitas pessoas dependiam dele e muitos haviam desistido de muitas coisas para segui-lo, se ele apenas deixasse todas essas pessoas para trás, ainda conseguiria dormir a noite?
Quanto mais pensava nisso, mais se sentia inquieto e em dúvida, escolher entre sua esposa e o Batalhão Zero era algo que nunca havia passado por sua cabeça antes. No fim, ele ficou em silêncio, sem saber o que responder.
Vendo isso, os olhos de Karol pareciam tristes, mas ela forçou um sorriso.
“Eu estava apenas brincando, apenas finja que eu nunca disse isso.” Ao dizer isso, virou-se. “Você vai tomar banho, certo? Eu vou dormir, as coisas vão ser agitadas a partir de amanhã.”
Apesar da garota fingir naturalidade, Fernando sabia que ela estava decepcionada com sua resposta, o que o deixou com um leve amargor em sua boca.
Embaixo da água quente, o rapaz pálido tinha um turbilhão de pensamentos em sua mente.
A pergunta de Karol havia o abalado muito mais do que até mesmo as ações de Wedsnagauer e Alfie.
A verdade é que ele sempre pensou que se quisesse sobreviver nesse mundo, precisaria de poder e para isso, ele deveria se elevar em sua carreira militar. Mas conforme suas conquistas aumentavam, a quantidade e força de seus inimigos também aumentavam, causando um dilema constante em sua vida.
Por mais que o pensamento de abandonar tudo já tivesse cruzado sua mente por uma ou duas vezes, tratava-se apenas de um pensamento fugaz e passageiro, mas lembrando do olhar de sua esposa, ela parecia muito séria a respeito.
Abandonar tudo? pensou, imaginando como seria sua vida se ele apenas fosse embora com Karol.
Talvez comprar uma casa na Região Central e viver uma vida pacata? Ou se estabelecer numa pequena cidade numa área mais segura? Talvez até ir para uma vila e começar um plantio de alimentos.
Uma série de ideias brotaram em sua mente, mas ao lembrar da situação da Vila Lunar, submissa aos Elfos Negros e tratada como párias por sua própria Legião, de seu encontro com a Guilda Massacre e do destino que as pessoas comuns tinham nas mãos de pessoas cruéis, ou mesmo do fim terrível que as aldeias, vilas e pequenas cidades tiveram nas mãos dos Orcs. Lembrando de cada uma dessas coisas, percebeu que tudo isso não passava de um sonho bobo.
Fernando não queria se tornar apenas um homem suscetível aos ventos do destino, que dependia da misericórdia ou benevolência dos fortes, assim como fora sua vida na Terra. Não, ele queria controlar suas escolhas, para nunca mais passar por uma situação onde ele só poderia assistir a toda sua vida desmoronar sem poder reagir.
Saindo do banho, o rapaz olhou brevemente para sua esposa, que estava virada de lado, dormindo. Ele trocou-se rapidamente e logo se deitou ao lado dela.
Olhando para a mulher que amava e lembrando-se da tristeza em seu olhar, seu coração doeu novamente, mas agora ele tinha uma resposta.
“Me desculpe.” disse brevemente. Era uma resposta simples, mas que continha um significado profundo. Então se inclinou, beijando-a na bochecha com cuidado, quando se virou para dormir.
Karol que estava, na verdade, acordada, tinha uma expressão conformada.
Eu já sabia. murmurou consigo mesma, fechando os olhos. Afinal, é assim que o homem que me apaixonei é.
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