Capítulo 600 - Lekai
Em uma enorme sala, dezenas de homens e mulheres estavam reunidos em um enorme salão oval, com várias cadeiras ao redor, com uma única e enorme parecendo ocupar a parte central, estando no lado oposto a entrada. Todos os presentes pareciam esperar alguém.
Dentre aqueles no local, havia ao menos dez Generais, alguns Majores, além de Capitães Nomeados e membros de destaque de Salões da Recepção, todos com emblemas de um Leão Dourado em seus peitos. Esse não era outro senão o centro estratégico do General Supremo, Dimas Ortega, atualmente localizado na pequena cidade de Lekai, recentemente retomada.
Apesar de tantas pessoas importantes reunidas ali, com alguns Generais famosos presentes, como Karmalian, o Terrível e até mesmo Hilbert, o Leão Vermelho, um membro importante do Conselho Dourado, havia um clima pesado no ambiente, com todos em silêncio.
Não era algo sem motivo. Após a derrota desastrosa em La Rosa e da perda de cerca de 40.000 dos 160.000 homens enviados, simplesmente não havia motivos para conversas amistosas.
Esse era um dos golpes mais pesados que os Leões Dourados haviam sofrido nos últimos anos. Não apenas pela perda de tantos Soldados, pois mão de obra rasa sempre poderia ser reabastecida, mas sim pelo fato da própria reputação dos Leões Dourados ter sido diretamente atingida.
O motivo era simples, uma Legião que sofria grandes derrotas como essa, teria dificuldades em atrair pessoas talentosas de outros locais e sem talentos para se reabastecer, estava fadada a cair com o passar do tempo. Além disso, as demais Legiões, Guildas e outras organizações que se uniram no ataque e voltaram de mãos vazias, ficariam extremamente descontentes, podendo não se juntar a novas investidas futuras.
Para piorar a situação do General Supremo, enquanto ele e seus apoiadores haviam sido derrotados pelos Orcs, o General Wayne, que recentemente havia se tornado seu opositor ferrenho, havia conseguido reconquistar Garância, uma cidade estrategicamente importante. Não apenas isso, como o fez com um quarto das tropas que eles dispunham.
Esse grande feito começou a criar alguns rumores internos entre as altas patentes, com muitos questionando a qualificação do atual General Supremo e se de fato ele merecia ocupar tal cargo.
Mesmo entre seus apoiadores, alguns ficaram extremamente desconfortáveis com a situação atual.
Após a derrota esmagadora em La Rosa, muitos Generais quiseram reformar um novo exército e fazer uma nova ofensiva em larga escala, numa tentativa de lavar sua vergonha. No entanto, todos do território Humano e Orc foram pegos de surpresa com o anúncio do Armistício proposto pelos Elfos e Anões.
Com o decreto de cessar-fogo emitido pelo Conselho Superior, Dimas Ortega e seus Generais não tiveram escolha se não recuar e aguardar, estabelecendo-se provisoriamente em Lekai, enquanto aguardavam uma nova oportunidade de recuperar sua honra e prestígio.
Bam!
De repente, um homem de cabelos castanhos bem penteados, numa armadura justa, que emitia uma sensação de nobreza e elegância, adentrou no local pelas grandes portas centrais.
Assim que entrou, o olhar de todos recaiu sobre ele e imediatamente as pessoas na sala, sem exceções, mesmo os Generais, levantaram-se de seus assentos, saudando-o com o punho em seus peitos.
Essa pessoa era Dimas Ortega, o General Supremo dos Leões Dourados.
O homem caminhou de forma calma, atravessando pelo meio das dezenas de pessoas, chegando a uma cadeira central no fim do salão. Então sentou-se e varreu seu olhar sob todos em volta. Só após fazer isso, é que ele ergueu a mão direita, indicando que se sentassem.
“Muito bem, vejo muitos rostos familiares por aqui, parece que todos atenderam ao meu chamado.” O sujeito disse, com uma voz orgulhosa. Parecia que mesmo a derrota recente não havia afetado seu orgulho característico.
Algumas pessoas se entreolharam, preocupadas. Desde o recuo para Lekai, o General Supremo mal havia aparecido em público, reunindo-se apenas com o Alto Comando, composto por Generais destacados, sendo essa a primeira grande reunião estratégica convocada.
Mesmo as pessoas que estavam em missões externas tiveram que voltar as pressas, não ousando desobedecer à convocação.
Logo o sujeito, na cadeira central, olhou para alguém em especial. Um homem musculoso e alto com uma enorme juba vermelha.
“Hilbert, há quanto tempo! Como foi a viagem da Cidade Dourada até aqui?” perguntou, de forma casual.
O homem chamado, era Hilbert, o Leão Vermelho, um dos principais representantes do Conselho Dourado e um dos Generais mais poderosos da Legião. Dizia-se que ele era o homem mais perto de se tornar um Grande Mago nos Leões Dourados e era incerto se isso era real ou falso.
As diversas cicatrizes em seu rosto, somado a sua expressão dura, emitiam uma sensação opressora e arcaica, que faziam jus ao seu nome. Mesmo os Generais ao redor, pareciam inquietos com a presença do homem.
“Não foi um problema. Mesmo com um comboio pequeno, não sofremos nenhum ataque dos peles verdes ou vermelhas. Parece que estão respeitando o tratado.” disse, referindo-se aos Orcs Dobats, Marauders e Urukkans. “Mas é uma pena, eu realmente gostaria que atacassem…” Ao dizer isso, era possível de se notar uma expressão feroz em sua face.
“Hahahaha! Agressivo como sempre, Hilbert, eu gosto disso.” Dimas disse, rindo com vontade. Havia não apenas uma entonação de cordialidade em sua voz, mas também de bajulação. Antes de ser o General Supremo, Dimas era um sagaz político e sabia o que dizer para agradar às pessoas. “Infelizmente, enquanto a restrição do Conselho Superior estiver em vigor, você não verá muita ação aqui no Sul, é realmente uma pena.”
Nesse momento, um homem de bigode estreito e um par de óculos vestindo um terno escuro, interveio, este era o General Karmalian, um dos poucos não afetados pela presença de Hilbert no local. Sua aparência dócil, semelhante a um estudioso, não pareciam coincidir com seu título de ‘o Terrível’.
“Eu soube que não são apenas os Orcs que tem estado ativos por essas bandas. Ouvi que nossos amigos em Garância tiveram uma visita nos últimos dias. Ao que parece, os Magos Negros induziram um ataque de Criaturas das Trevas e eles sofreram algumas perdas. Pode ser que tenhamos algo além dos Orcs para lidar.” falou, com um ar calmo.
Quando o sujeito citou o nome ‘Garância’, a expressão de Dimas imediatamente diminuiu, não parecendo estar contente com essa menção, mas não ousou demonstrar isso abertamente. Afinal, Karmalian era um dos seus maiores apoiadores, mas mais do que isso, apesar de ser seu aliado, também era uma das pessoas mais perigosas com a qual ele sempre estava em guarda. Seu título de ‘o Terrível’ não era apenas para enfeite.
Karmalian era conhecido como um dos Generais mais brutais e cruéis dos Leões Dourados, sendo extremamente conhecido pelo massacre da Legião Primavera.
Anos atrás, pouco tempo depois de terem sofrido grandes perdas nas mãos de Kaisar, sendo gravemente enfraquecidos, os Leões Dourados se viram numa situação em que muitos de seus inimigos se levantaram para chutá-lo por todos os lados.
Um desses inimigos era uma Legião de Pequeno Porte, com sua sede situada próxima aos redutos sulistas da Região Central dos Leões Dourados, chamada Legião Primavera. Era uma Legião recém-formada a partir da antiga Guilda Primavera. Uma das maiores Guildas Mercenárias, que havia dado seu próximo passo, fundando sua própria Legião.
Todos os anos surgiam e desapareciam novas Legiões, então não era algo incomum que a Guilda Primavera tivesse se estabelecido.
O maior obstaculo para novas Legiões era a escassez de recursos e territórios. Sabendo disso, ao verem seu vizinho, os Leões Dourados, invadidos por várias outras organizações, a Legião Primavera não pôde evitar tentar pegar sua fatia do bolo. No entanto, o que eles não esperavam era ter que enfrentar esse homem.
Karmalian, mesmo com tropas reduzidas e sem ter o suporte de Legião, que estava ocupada defendendo seus outros territórios, conseguiu, sozinho, matar os três Generais da Legião Primavera, minando suas forças e liderança e obrigando-os a se render. Mas, não satisfeito com a vitória, ordenou que todos de patente Tenente e acima na Legião derrotada, fossem publicamente executados, mesmo após sua rendição formal.
O banho de sangue que ele protagonizou não só colocou seu nome na história de Avalon, como fez as várias Pequenas Legiões, que estavam tentando beliscar pequenos pedaços dos territórios e recursos dos Leões Dourados, recuassem, como fez até mesmo o Conselho Superior se envolver.
Graças as ações de Karmalian, o ‘Tratado Redentor’ foi estabelecido pelas Grandes Legiões, proibindo a execução de prisioneiros rendidos em casos de conflitos entre Legiões ou Guildas e vários outros crimes de guerra.
Mas o que mais assustava Dimas não era a crueldade ou força do homem, mas sua ardilosidade. Pelo fato de nenhum dos três Generais inimigos derrotados terem sido mortos em batalha, com cada um deles morreu de forma suspeita, seja por envenenamento, traição ou emboscada. Todos tinham tido uma morte ‘pouco honrosa’.
“Também fiquei sabendo. Isso é realmente interessante, é uma pena que o General Moura Pagliuca já tenha sido enviado para lá. Infelizmente ele não é muito receptivo as pessoas se envolvendo em seus assuntos.” Hilbert disse, com um sorriso brutal. “Mas talvez eu faça uma visita antes do meu retorno, já que ouvi algumas coisas interessantes sobre o que o sujeito de nome Wayne anda fazendo.”
Quando esse nome foi mencionado, o clima imediatamente caiu. Mesmo que não fosse algo tratado abertamente, a ‘revolta’ de Wayne contra o General Supremo Dimas era um assunto bem conhecido dentre todos ali.
Depois da mensagem que ele havia enviado na cerimônia de nomeações de Belai, reunindo-se com os Generais Telles e Dimitri e posteriormente trazendo muitos outros para suas asas, era impossível que nenhum deles não tivesse recebido o recado.
Obviamente, Wayne era um homem inteligente e agia de forma clara, mas sem evidenciar suas ações as massas. Mesmo que fosse um crime que Generais fizessem alianças secretas, podendo ser acusados de conspiração ou revolta, como ele era um General Comandante de uma ofensiva contra os Orcs, era a justificativa perfeita para reunir aliados sem chamar a atenção e não havia nada que Dimas ou o Conselho Dourado pudesse fazer a respeito, já que se tratava de um esforço de guerra.
“Não há motivos para falar de uma pessoa insignificante como essa.” Dimas disse, rebaixando o nome de Wayne e ignorando sua menção. Mesmo com as conquistas do homem em relação a Garância, o sujeito não havia feito um único comentário público ou sequer enviou alguma parabenização, o que deixou ainda mais evidente o atrito entre os dois. “Chamei todos aqui para anunciar o planejamento que elaborei para as próximas semanas.”
Quando Dimas disse isso, imediatamente todos prestaram atenção. Afinal estavam aguardando ansiosamente quais seriam as próximas ações do General Supremo.
“Após longas deliberações, decidi que nos próximos dias, iremos realocar as tropas posicionadas em Lekai de volta para Estrona, onde iremos reformar um novo exército, que ficará de prontidão até que o Conselho Superior chegue a uma conclusão a respeito do Armistício.” declarou, com sua voz altiva.
As palavras do homem pegaram alguns dos Generais, Majores e Capitães Nomeados de surpresa.
Mesmo que não fosse uma grande cidade, Lekai era o ponto mais avançado ao Sul que eles haviam obtido pelos seus esforços. Retornar a Estrona era como abrir mão de tudo que haviam conquistado nesse meio tempo, retornando ao ponto inicial.
Mas, apesar disso, Dimas não parecia abalado. Era como se os mais de 40.000 homens mortos que pavimentaram todo esse caminho não significasse nada para ele.
“S-senhor, você está certo disso? Se deixarmos Lekai desprotegida, os Orcs podem…” Um General disse, mas antes que pudesse concluir, foi interrompido por Karmalian.
“Lekai é uma cidade pequena. Incapaz de comportar nosso exército por muito tempo. Se continuarmos estacionados aqui, logo teremos grandes problemas logísticos e um grande encarecimento de custos. Principalmente com o transporte de alimentos e suprimentos de guerra. Você realmente acha que o General Supremo está tomando essa medida sem pesar os prós e contras?” O sujeito perguntou, lançando um olhar ao homem, que rapidamente se encolheu.
Para manter estoques de alimentos para um exército de mais de cem mil homens era necessário um esforço colossal que não poderia ser mantido unicamente pelas linhas de abastecimento da Legião. Mesmo que eles movessem alimentos estocados em seus territórios ao fronte, era dispendioso e levava dias ou até semanas para que chegassem até o local, tornando isso caro, sendo mais barato comprar diretamente dos comerciantes regionais.
A questão era que os Leões Dourados não eram a única Legião com esforços de guerra. Todas as outras estavam reunindo estoques de alimentos e reforçando suas defesas na Zona Divergente, o que logicamente encarecia e muito os produtos, principalmente os grãos.
“N-não foi isso que eu quis dizer, General Karmalian, eu apenas…”
“Guarde suas opiniões para você mesmo, elas não são necessárias.” O sujeito de óculos disse, sem dar chance ao homem de concluir.
Apesar da atitude desrespeitosa e de, em tese, ocupar um cargo de igual patente a de Karmalian, o outro General não se atreveu a retrucar, ficando em silêncio.
Dimas, obviamente, ficou satisfeito com isso. Ele não era do tipo que gostava de ouvir opiniões contrárias as dele e Karmalian, sendo um homem inteligente, sabia disso e o poupou de ter que agir.
“Eu estou ciente da posição de Lekai e garanto a todos que a cidade não ficará desprotegida. Este é apenas um movimento estratégico visando a diminuição de custos militares. Ao fim do Armistício, retornaremos.” Dimas declarou, tentando passar uma sensação de calma e sabedoria, mas muitos ficaram incertos quanto as suas ações.
O fim de um cessar-fogo nunca era algo bem definido, pois poderia ocorrer a qualquer momento, seja pela agressão de um dos lados, ou por algum evento repentino. Deixar Lekai numa situação como essa não era diferente de dá-la de bandeja para os Orcs.
Muitos dos mais astutos, logo entenderam o que Dimas estava planejando e ficaram em silêncio. Estava claro que o sujeito queria utilizar essa pequena cidade como isca. Já que não conseguiram retomar La Rosa num cerco, ele faria o inimigo ir até eles por conta própria.
“E quantas tropas exatamente você planeja deixar para defender a cidade?” Hilbert perguntou, com um olhar fixo no homem. Mesmo que ele e os membros do Conselho Dourado apoiassem Dimas, não poderiam permitir que o homem sacrificasse uma cidade sem ao menos fingir defendê-la publicamente, pois isso mancharia a imagem da Legião.
Dimas sorriu com orgulho, quando levantou a mão, mostrando cinco dedos.
“Cinco mil homens.” declarou, com confiança. “Isso é mais que suficiente para manter Lekai segura durante esse curto período de tempo.”
Essa afirmação pegou todos de surpresa. Eles haviam acabado de deixar 40.000 corpos de mortos em La Rosa. Como exatamente uma cidade com apenas 5.000 homens poderiam se defender de uma investida dos Urukkans e Marauders juntos?
Ouvindo isso, o Leão Vermelho assentiu, parecendo satisfeito.
“Muito bem.” Para ele, cinco mil homens não era muito, mas também não eram poucos. Mesmo se perdessem essa quantidade de tropas, não seria um problema. “E quem você tem em mente para guarnecer Lekai? Precisa ser alguém competente.”
Quando essa pergunta foi feita, todos no local congelaram, quando sentiram um arrepio em suas costas. Ninguém queria ser o escolhido para ser o General Estacionário de uma cidade-isca.
Dimas parecia calmo, mesmo após a indagação e um leve sorriso surgiu em seu rosto.
“Não precisa se preocupar quanto a isso, General Hilbert. Eu tenho o homem perfeito para essa tarefa.” afirmou, com confiança. “Jean Armand, levante-se.”
Quando ouviu seu nome ser chamado, um homem, com barba bem feita e bigode impecável, sentiu como se tivesse recebido um choque em todo seu corpo.
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