Índice de Capítulo

    Tap! Tap! Tap!

    “Lá vai eles de novo.” Um comerciante de túnica disse em frente ao seu estabelecimento, enquanto observava um grupo de Soldados correndo com enormes placas de pedras nos ombros, completamente encharcados de suor.

    “Não sei como essa gente aguenta esses treinos malucos. Todos os dias nesse horário eles passam correndo aqui carregando essas coisas.” Um dos clientes falou, impressionado, afinal eram blocos usados na construção e reparo de muralhas, então ele sabia o quão pesados eram.

    “Pelo que ouvi falar, vale a pena. Vê a insígnia de ‘Zero’? Eles são membros do Batalhão Zero.” O homem de túnica comentou.

    “E dai?”

    “Você não sabe? Ultimamente tem se espalhado alguns rumores sobre os benefícios desse Batalhão e são uma coisa realmente maluca. Além de pagar um salário fixo, eles distribuem bônus em dinheiro, fornecem poções, equipamentos e quanto a alimentação, não são dadas rações comuns, mas contrataram chefes de cozinha que servem refeições de primeira qualidade para os Soldados!”

    “O quê? Bônus? Poções? Chefes de cozinha? Onde você ouviu isso? Claramente é uma mentira descarada.” O cliente respondeu, achando a ideia ridícula.

    “Não sei não. Olha para esses caras. Mesmo com esses treinamentos bizarros, nenhum deles parece disposto a sair. Você acha que se eles estivessem em uma tropa comum, aguentariam tudo isso?” O homem perguntou, apontando para o grupo.

    Os Soldados, apesar de encharcados de suor e carregando pedras enormes, tinham expressões firmes e determinadas.

    “Bem… Realmente, uma pessoa normal com certeza não aguentaria isso.” O homem falou, de forma ambígua e conflitante.

    A verdade é que os próprios membros do Batalhão Zero estavam impressionados. Seus corpos haviam, de forma surpreendente, se acostumado muito rapidamente ao novo e intenso regime de treinamento. Nem eles mesmos entendiam como isso era possível.

    Por toda Garância, uma série de comentários haviam se espalhado nos últimos dias. Muitas pessoas estavam falando sobre o quão incrível era fazer parte do Batalhão Zero.

    Apenas saber que não precisavam pagar pelas próprias Poções e Equipamentos, que eram uma das maiores fontes de gastos para Soldados comuns, fez muitas pessoas se sentirem tentadas. Contudo, quando souberam que a alimentação servida era com carnes nobres e que o Batalhão Zero até mesmo pagava compensação a família dos seus mortos, muitas pessoas arregalaram os olhos em perplexidade.

    “Merda, isso é sério?” Um avaloniano, em um bar, exclamou “Se isso é verdade, eu preciso me juntar a esses caras!”

    “Você pode tentar, eles acabaram de abrir recrutamento, mas soube que muitas pessoas estão aplicando para se juntar, então a concorrência não vai ser fácil.” Outro avaloniano explicou.

    Para pessoas como eles, mercenários que não eram Humanos Errantes, a morte era algo que fazia parte de seu dia-a-dia. Nenhuma Legião ou Guilda estaria preocupada se um punhado de avalonianos morressem e muito menos se preocuparia com suas famílias após suas mortes. Em suma, não passavam de mão de obra descartável.

    Então quando ouviram que um Batalhão Nomeado dos Leões Dourados realmente estava preparado para amparar suas famílias, fez com que muitos deles sentissem que isso era uma oportunidade!

    Obviamente, nem todos acreditaram, mesmo com o peso da palavra de uma autoridade, por se tratar de uma tropa nomeada de uma Legião de Médio porte, suas experiências passadas lhes diziam que isso não significava muita coisa.

    Após serem usados pelas Legiões por tantos anos, muitos dos mercenários e Soldados rasos ouviram o rumor com ceticismo, acreditando que isso não passava de uma tática cruel desse chamado Batalhão Zero para repor seus números no curto prazo e rapidamente esqueceriam quaisquer promessas sobre compensação e bônus salarial quando o momento de cumprir chegasse. Afinal, como eles reclamariam depois, se já estariam mortos?

    Muitos dos avalonianos que iam para o fronte, seja como mercenários ou como indivíduos solitários, eram pessoas desesperadas. A maioria deles vinham de cidades pequenas ou vilas distantes, então caso eles morressem, suas famílias dificilmente conseguiriam reivindicar qualquer promessa.

    Enquanto havia pessoas animadas e outras desconfiadas, também tinham aqueles que estavam furiosos com as ações do Batalhão Zero.

    Dentro de um bar, onde vários oficiais se reuniam, havia várias conversas em torno do assunto.

    “Esses filhos da puta! Eles realmente acham que ninguém sabe o que estão tentando fazer?!” Um Tenente, de um Batalhão numerado, falou alto, furioso ao saber das notícias. Na verdade, ao descobrir sobre os tipos de benefícios oferecidos, mesmo ele ficou sem palavras. “Como esses caras conseguem manter as finanças? Se eu tentasse algo assim, iriamos quebrar em menos de dois meses!”

    A frente dele, um velho Tenente tinha uma expressão de desgosto.

    “Talvez não sejam eles, outra pessoa pode estar financiando essa loucura.” falou, numa entonação sugestiva.

    “Você quer dizer…?”

    Apesar do outro homem não falar diretamente, o Tenente mais jovem franziu as sobrancelhas, entendendo a quem ele se referia.

    A única pessoa que estaria disposta a financiar o Batalhão Zero dessa forma seria seu superior direto, o General Dimitri. Mas, apesar do velho Tenente pensar assim, não se atrevia a falar diretamente.

    Inicialmente Dimitri tinha uma péssima reputação, por não ter se tornado General pelos meios corretos, mas depois de sua atuação na batalha de retomada, muitas pessoas passaram a respeitá-lo profundamente e ele passou a ser reconhecido verdadeiramente como um General. Sendo assim, os dois Tenentes sabiam que se se ousassem criticá-lo abertamente, suas cabeças poderiam acabar rolando pelo chão.

    Bam!

    Nesse momento, um homem, sentado na mesa ao lado oposto aos dois, bateu fortemente na madeira a frente, derrubando pratos e talheres, chamando a atenção de todos. Sua expressão era irritada.

    “Não falem merda. Aquela pessoa, o Tenente do Batalhão Zero, não é do tipo que depende de outros dessa forma, disso eu tenho certeza.” gritou, enquanto encarava os dois Tenentes.

    “Ei, esse é o Capitão Johnathan… É melhor não arrumar confusão com esse cara, ele é bem violento quando bebe!” Um dos Tenentes, da mesa ao lado, cochichou, avisando discretamente aos dois, já que não era a primeira vez que o homem causava problemas ali.

    “Soube que a Sexta e Sétima Brigadas que ele liderava na ala direita foram quase totalmente aniquiladas.” Alguém falou, sussurrando.

    “Eu também ouvi sobre ele. Se não fosse a Brigada dele e a Sétima que ele assumiu o comando, mantendo a posição e parando um destacamento Orc, a Quinta Divisão inteira teria caído.”

    Várias pessoas começaram a comentar sobre o assunto. Mesmo que o sujeito fosse alguém aparentemente violento e com problemas com bebida, ainda havia admiração em suas vozes.

    No meio militar, conquista, reputação e lealdade eram tudo. Apesar de não estar na melhor das condições, o nome de Johnathan ainda era tido de forma respeitosa por todos.

    Vendo que haviam chamado a atenção de um Capitão tão problemático e notório, ambos os homens rapidamente baixaram a cabeça, em submissão.

    Tch!” Estalando com a língua, Johnathan se sentou novamente, com uma expressão embriagada.

    Apesar do descontentamento e fofocas acerca do Batalhão Zero e seu Tenente, o homem, que havia lidado diretamente com Fernando, tinha uma opinião completamente diferente dos rumores.

    Não tem como aquele monstro maluco ser do tipo que corre para um General em busca de ajuda financeira. pensou, lembrando-se da estratégia maluca adotada pelo rapaz.

    Enquanto estava a frente da Sexta e Sétima Brigadas da Quinta Divisão, Fernando havia o manipulado para que ele o obedecesse, obrigando-o a ajudar em sua estratégia insana do ‘Corredor de Sangue’, usando seu Batalhão Zero como isca. Um único erro poderia por fim não só as suas próprias tropas, mas a totalidade da Quinta Divisão. Nenhuma pessoa normal teria coragem de agir dessa forma.

    “Não esqueçam que o Batalhão Zero recebeu uma fortuna após a retomada. Pode ser que estejam bancando isso com aquele dinheiro. Mas se for esse o caso, não vão conseguir manter esse tipo de coisa por muito tempo.” Um Capitão de rosto enrugado, parecendo ter mais de setenta anos, falou. “Mas independente disso, vocês Tenentes deveriam abrir uma reclamação junto ao Salão da Recepção. Um Batalhão que sabota os outros é uma vergonha para a Legião.”

    Johnathan, que ouviu isso, riu com desdém.

    A pessoa falando isso era Airan Macrilan, um Capitão Comandante sob Herin. Uma pessoa que ele conhecia muito bem. Um velho sem escrúpulos que não hesitava em sujar as mãos com o sangue de seus companheiros se isso o beneficiasse. Então ver alguém assim falando sobre ser ‘uma vergonha’ era no mínimo irônico.

    Bem, tanto faz. De qualquer forma, não sou próximo daquele cara. Além disso, ele está procurando problemas por conta própria. Johnathan pensou, dando de ombros.

    Atualmente sua Brigada estava completamente destruída, ele sequer sabia o que faria a partir dali. Se preocupar com os outros não era um luxo do qual ele dispunha.

    No prédio do batalhão Zero, Lina andava de um lado ao outro, pegando pilhas e mais pilhas de papéis, enquanto habilmente os organizava, assinando alguns, enquanto recusava outros.

    Como Tesoureira, ela havia se tornado a principal responsável pelos repasses de recursos do Batalhão Zero, lidando com a maior parte das requisições ordinárias de gastos por conta própria. Incluindo valores e repasses da Unidade de Logística, bem como dos Pelotões, que estavam inseridos nas despesas discricionárias definidas por Fernando. Entretanto, algumas requisições, que estavam fora do estabelecido, estavam lhe dando uma terrível dor de cabeça.

    Primeiramente, o gasto com alimentos de qualidade que Fernando havia autorizado de incluir nas Reservas dos cofres do Batalhão Zero, cujo quais apenas o Tenente e os Subtenentes tinham autorização de movimentar. Porém, além disso, também havia os pedidos de Anastasia, que solicitava materiais e Poções caras, mais a folha de gastos de insumos apresentada semanalmente pela Unidade de Logística, que incluia despesas referentes a reposição de equipamentos de treinamento, Poções para o treino e diversos outros custos recorrentes que vinham se acumulando um após o outro.

    O que eu faço, se eu cometer um único erro…

    Ao ver tantas pilhas de documentos e números, Lina sentiu sua cabeça girar, se arrependendo de ter aceitado aquela posição.

    Apesar de não precisar mais estar no campo de batalha como antes, sentiu que estava em uma luta constante, com sua vida em risco.

    Só de imaginar em cometer um erro que geraria perdas pesadas para o Batalhão, ela só podia imaginar o rosto de Theodora aparecendo em seu quarto subitamente durante a noite, como um fantasma.

    O que eu tô imaginando…? Foco, foco! pensou, sentindo um calafrio em sua espinha, então deu dois tapinhas no próprio rosto para se manter atenta

    Normalmente, a garota não tinha tanta dificuldade e não precisaria lidar com tanta papelada, mas o problema era que Fernando havia se trancado em seu escritório e havia pedido que ninguém o perturbasse, independente de quem fosse. Esse também era um dos motivos pelos quais ela estava tão atarefada, já que o rapaz pálido era como uma máquina, lendo várias pilhas de documento sem parar e chegando a uma decisão sobre cada um em um instante.

    Como ele faz isso? A garota perguntou-se, aturdida e, ao mesmo tempo, admirada. Mesmo se considerando alguém competente, sentia que ela e o Tenente estavam em níveis completamente diferentes. Fernando era como um burocrata nato, ela até sentiu que o rapaz estava desenvolvendo os talentos errados.

    Toc! Toc!

    Duas batidas soaram a partir da entrada do escritório.

    “Entre!” Lina disse, sem sequer olhar para trás e logo alguém abriu a porta. “Se forem mais documentos do Salão, pode deixar na mesa da direita, se forem despesas, na da esquerda. Assim que eu terminar com esses dou uma olhada.”

    “Err, senhorita Lina. Não é isso…” O Soldado falou, sem jeito. “Um Administrador do Salão está aqui, está requisitando uma reunião com o Tenente Fernando.”

    Ao ouvir isso, a garota subitamente parou o que estava fazendo, quando olhou para trás, chocada.

    “Onde ele está?” perguntou, sua expressão ficando séria.

    Desde que chegaram a Garância, o Salão da Recepção constantemente enviava documentos e missões expedidas por meio de representantes que faziam parte do corpo burocrático, e quando se tratava de documentos sem importância, eram usados Pombos, que além de entregar jornais, também faziam trabalhos simples de entregas como esse. No entanto, dessa vez havia vindo um Administrador pessoalmente. Isso nunca tinha acontecido!

    O homem não disse nada, quando moveu levemente a cabeça, indicando que estava na sala de espera, não muito longe.

    Sem perder tempo, Lina abandonou todas as papeladas, indo de encontro a essa pessoa.

    Sentada na poltrona de espera, havia uma mulher em torno dos quarenta, de aparência fina e recatada. Seu óculos de grau e vestimenta sofisticada, passavam um ar de seriedade.

    Uma mulher? Além disso, ela não parece tão velha.

    Abrindo um sorriso no rosto, a garota se aproximou, sentindo-se mais confiante. Lidar com outra mulher parecia algo muito mais amigável do que com algum velho.

    “Olá! Meu nome é Lina Flores, Tesoureira e secretária do Batalhão Zero. Em que posso lhe ajudar?” perguntou, exalando simpatia e educação.

    A mulher a observou com um olhar estranho, seu olhar indo de cima para baixo.

    “Tesoureira? Desde quando um Batalhão precisa de algo assim?” perguntou, com uma expressão apática. “Enfim, eu solicitei a presença de seu Tenente, traga-o aqui, agora mesmo.”

    Ouvindo isso, Lina fez algum esforço para manter o sorriso em seu rosto.

    “Por que está parada aí? Apresse-se, sou alguém ocupada.” A Administradora exigiu, parecendo insatisfeita.

    Logo o sorriso forçado em seu rosto diminuiu para um meio sorriso.

    “Senhora…” Lina falou, indicando que a mulher se apresentasse.

    “Amélia Albrechete, Administradora Júnior do Salão da Recepção de Garância.” A mulher falou, com alguma altivez.

    Ahem, Senhora Amélia, peço perdão, mas o Tenente se encontra indisponível no momento. Você pode tratar diretamente comigo.”

    “Hah! Com você? Uma secretária? Que absurdo está falando? Me traga seu Tenente aqui agora mesmo, essa é uma ordem! Não me faça ter que aplicar uma punição disciplinar ao seu Batalhão!”

    Ao ouvir isso, Lina ficou paralisada.

    Apesar da maioria dos membros do Salão da Recepção se tratarem de civis, sem muito ou mesmo qualquer poder em combate, sua autoridade era absolutamente indiscutível, estando acima das Tropas comuns.

    Enquanto as Divisões, Batalhões, Pelotões e Guarnições eram a força bruta, o Salão da Recepção agia como o cérebro e sistema nervoso por trás de tudo, coordenando toda a logística e informações de uma cidade, incluindo abastecimentos, questões civis, documentais, troca de informações e dados com a Legião, troca de Pontos de Prestígio e várias outras coisas, permitindo que tudo continuasse a funcionar a todo momento, fornecendo, direta e indiretamente, todo o suporte organizacional que todas as tropas ali precisavam.

    Era por isso que mesmo que parecesse algo banal, Wayne e os demais Generais haviam gastado muito esforço recrutando pessoas capacitadas para Garância, caso contrário, se indivíduos desqualificados assumissem essas tarefas, tudo se tornaria um caos completo.

    Sendo assim, em termos de autoridade, um Administrador detinha uma alta posição. Se algum oficial se recusasse a obedecer demandas feitas por eles, poderiam sofrer sérias consequências, como multas, prisões e diversas outras punições severas.

    Apesar de um pouco assustada, a garota reuniu alguma coragem.

    “Se a senhora achar que minha pessoa não é suficiente, posso solicitar a presença da Subtenente Theodora.”

    Ao ouvir isso, a Administradora fez uma careta.

    “Que merda! Você é surda?! Eu disse que quero seu Tenente, aqui e agora! Então saia daqui agora mesmo, não quero ver sua cara enquanto não fizer o que ordenei!”

    Quando a mulher gritou de forma súbita, disparando insultos e demandas, Lina ficou completamente aterrorizada e mesmo o Soldado, que estava próximo, ficou atordoado e sem reação.

    Nenhum dos dois se atrevia a ofender essa pessoa, já que poderia causar sérios problemas a todo o Batalhão Zero. Uma tropa que estivesse na mira de alguém do Salão da Recepção ficaria em uma situação extremamente ruim.

    “E-eu, m-e desculpe, senhora, eu…”

    Justo no momento em que Lina estava pensando sobre o que fazer, a porta do escritório interno foi aberta e de lá, um rapaz pálido, saiu.

    “Huh! Finalmente!” Amélia falou, quando viu a insígnia de Tenente em seu peito e logo se endireitou, caminhando em direção ao rapaz. “Você deve ser o Tenente Fernando. Sou Amélia Albrechete, Administradora Júnior. Estou aqui para tratar um assunto importante com o senhor.” A mulher disse, dessa vez de forma muito mais educada, estendendo a mão para cumprimentá-lo.

    Entretanto, o jovem Tenente sequer lhe deu um único olhar, passando diretamente por ela e a ignorando. Na verdade, ele foi em direção a Lina, que ainda parecia atordoada com tudo aquilo.

    “Tesoureira Lina.” Fernando disse, com uma voz amena e um rosto inexpressivo.

    E-ele tá com aquela cara de peixe morto! Isso vai dar problema!

    Apoie o Projeto Knight of Chaos

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (9 votos)

    Nota