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    Ao contrário dos dois, Fernando não parecia surpreso. Na verdade, ele estava incrivelmente calmo com a situação, como se já esperasse por isso.

    “Sob quais alegações?” indagou, com um olhar frio em seu rosto.

    Vendo que o rapaz parecia inabalável mesmo diante da ameaça de abertura de uma investigação, a mulher se sentiu estranha.

    Qual o problema desse garoto? pensou, descontente. Qualquer outro Tenente e até alguns Capitães ficariam completamente aterrorizados caso estivessem na mira da corregedoria do Salão, pois estes detinham a autoridade de punição. Mas o jovem pálido à sua frente não parecia se importar minimamente.

    Apesar de um pouco surpresa com a sua atitude, Amélia continuou.

    “Há diversas denúncias direcionadas ao seu Batalhão, como distúrbios nos entornos do seu prédio, tentativa de sabotagem de tropas aliadas e ações desleais, incluindo o uso de vantagem monetária suspeita. Vim hoje para questionar o que tem a declarar, dependendo de sua resposta, o setor de corregedoria do Salão irá intervir.” afirmou, com um olhar arrogante.

    Ouvindo isso, Fernando levantou uma sobrancelha.

    “Que tipo de sabotagem exatamente se refere? E o que quer dizer com vantagem monetária suspeita?”

    “Alguns Batalhões alegam que o Batalhão Zero tem agido de má-fé, usando medidas abusivas, visando roubar seus membros. Isso inclui o oferecimento de benefícios impossíveis de serem cumpridos.”

    Lina ficou pálida ao ouvir isso, pois sabia que as acusações tinham a ver com a abertura de recrutamento que o Batalhão Zero havia iniciado sob as ordens de Fernando.

    Eu sabia que isso ia acontecer!! pensou, preocupada.

    Se fosse em uma cidade comum, abrir o recrutamento não seria um grande problema, pois sempre haveria abundância de mão de obra a ser recrutada, mas a situação de Garância atualmente não era das melhores.

    Havia diversas tropas na cidade e depois de uma batalha tão pesada pela retomada, que tinha infringido tantas baixas, muitos estavam desesperados para repor suas perdas. Sendo assim, havia poucas pessoas que poderiam ser recrutadas, o que significava que ao abrir recrutamento, o Batalhão Zero só poderia estar visando tropas de outros Batalhões.

    “Então está me dizendo que o fato de eu estar oferecendo condições de trabalho melhores e mais justas que a de outros lugares é algo errado e estou sabotando as demais tropas?” O jovem Tenente perguntou, encarando-a. “Além disso, o que está insinuando ao dizer que estou oferecendo benefícios impossíveis? Acha que não posso honrar com minha palavra?”

    A mulher não se intimidou ao ver a atitude de Fernando e seus questionamentos. Para ela isso não passava de uma fachada de coragem.  Então, dando um leve sorriso de arrogância, continuou.

    “Se são condições de trabalho melhores ou não, isso não importa. O fato de você prejudicar um companheiro de mesma patente não lhe envergonha, Tenente Fernando?” Amélia questionou, com uma entonação de justiça e com a voz alta. “E sim, duvido que tenha condições de pagar por esses benefícios que alega. Como uma tropa recém-formada iria dispor de tais recursos?”

    O rapaz pálido deu de ombros ao ouvir isso, então, sem hesitação, moveu o pulso.

    Tim! Tim! Tim!

    Milhares de moedas de prata começaram a derramar-se ao chão, como uma cascata, formando uma enorme pilha a frente do rapaz.

    “I-isso… O que…?” Amélia ficou boquiaberta ao ver essa cena. Mesmo sem saber quanto exatamente havia ali, considerando que cada mil moedas de prata equivale a uma moeda de ouro, deveria ter pelo menos quinze moedas de ouro! Isso era uma verdadeira fortuna!

    “E então, isso é suficiente?” O jovem pálido perguntou, com a voz fria e uma expressão indiferente.

    “I-íncrivel!” O Soldado do Batalhão, que fazia a guarda do escritório, ficou chocado e eufórico ao ver aquilo. Seu Tenente realmente não era uma pessoa simples! Ele havia casualmente mostrado uma montanha de dinheiro como se não fosse nada!

    Mesmo Lina ficou abismada, como Tesoureira, ela conhecia bem os fundos do Batalhão e o que o rapaz estava mostrando agora era equivalente à metade de toda sua reserva!

    Onde ele consegue tanto dinheiro? perguntou-se, aturdida.

    “Eu perguntei se é suficiente.” Fernando repetiu, ao ver a Administradora do Salão em silêncio, ainda olhando para as moedas espalhadas. Então, com um movimento de pulso, guardou tudo em um instante.

    Somente ao ver o rapaz pegando tudo de volta é que Amélia voltou a si.

    “S-sim, acredito que seja…” A mulher balbuciou, olhando-o de forma estranha. Mas mesmo chocada, não recuou, pelo contrário, essa demonstração de riqueza poderia ser usada contra ele!

    “Onde o Batalhão Zero conseguiu tantos fundos? Mesmo se somar com o que conseguiram na última batalha, não deveria ser suficiente.” indagou, com um olhar afiado. “Algo não me parece certo aqui, Tenente!”

    “Isso não diz respeito a você ou ao Salão.” Fernando respondeu prontamente. “Meus ganhos e gastos são de minha responsabilidade. Não sou obrigado a informar nenhum valor que não seja referente aos gastos discricionários da Legião.”

    Amélia franziu a testa ao ouvir isso, percebendo que Fernando parecia entender uma ou duas coisas a respeito.

    Droga, não posso voltar de mãos vazias… Eu fiz um acordo com aquela pessoa. Se eu conseguir acabar com esse Batalhão, minhas chances de tomar o cargo de Administradora Principal de Garância no futuro serão muito maiores!

    “Eu tenho uma equipe de auditoria pronta lá fora. Se você autorizar que verifiquemos os dados de movimentação financeira do Batalhão Zero e tudo estiver certo, podemos dar por encerrado o caso. O que me diz?” insistiu, de forma presunçosa.

    Ouvindo isso, Fernando franziu a testa por um momento. O que a mulher estava pedindo era basicamente para que o Salão tivesse acesso direto a toda situação financeira do Batalhão. Se ele autorizasse isso, teria uma série de dores de cabeça, afinal, antes do novo modelo de distribuição de lucros que ele próprio havia estabelecido, diferenciando seu dinheiro pessoal do Batalhão Zero, grande parte dos fundos usados para financiar tudo vinha dele próprio e suas negociações, bem como do que recebeu de Ferman. Ou seja, se ele abrisse as finanças para essa Administradora, também teria que justificar suas receitas pessoais.

    Ao lado, Lina ficou trêmula ao ouvir isso. Estava claro que essa pessoa não havia vindo com boas intenções!

    Como Tesoureira, ela sabia que havia muitas coisas estranhas sobre Fernando, como quando ele próprio usou seu dinheiro pessoal para pagar pela divisão de saques entre os Pelotões, esse era um valor que um simples Tenente jamais deveria ser capaz de cobrir. Vendo todas aquelas moedas de prata que ele exibiu agora, só confirmava ainda mais esse fato!

    “Para mover uma equipe de auditoria até aqui e iniciar qualquer investigação, você precisa da permissão de um General, certo? Quem autorizou isso?” Fernando perguntou, ainda a encarando.

    Vendo que o rapaz ainda não parecia intimidado, Amélia começou a ficar irritada.

    “Isso não é importante! Nós temos todas as permissões necessárias!” afirmou, com uma voz cheia de raiva. “Se você não tem nada a temer, não há porque se negar.”

    Notando que a mulher não queria dizer quem havia autorizado tudo, isso confirmou sua suposição. Só havia uma pessoa que iria autorizar tamanha movimentação do Salão da Recepção o visando. E esse indivíduo só poderia ser Herin!

    Mas mesmo sabendo disso, Fernando não perdeu a calma, por mais irritado que estivesse, sabia que a melhor forma de lidar com movimentos políticos, era usar meios políticos.

    “Senhorita Amélia. Não há qualquer ilegalidade em oferecer benefícios que outras tropas não oferecem. Se algum Tenente ou Capitão tem algum problema com isso, basta deixar de ser pão duro. E quanto a sua requisição, ela está negada. Você pode se retirar.” O rapaz falou, calmamente.

    Ouvindo a negativa do Tenente, a mulher ficou atordoada.

    “Você realmente quer fazer isso? Quer mesmo barrar a auditoria de uma Administradora Júnior. Você sabe as consequências de fazer isso? Da próxima vez que eu vier aqui, não será tão simples, garoto.” A mulher de óculos falou, de forma ameaçadora. “Virei com um Major e centenas de Soldados, pode ter certeza de que vou vasculhar cada centímetro desse lugar!”

    Fernando deu um leve sorriso ao ouvir isso.

    “Faça como quiser, Amélia Albrechete.” disse, cruzando os braços e a observando com deboche, como se estivesse olhando para uma idiota.

    O rapaz pálido estava totalmente ciente de que tudo isso não passava de uma isca. Mesmo que Herin pudesse autorizar a formação de uma equipe de auditoria para ir até ali, se ele próprio não cedesse as ameaças, eles não poderiam colocar um pé sequer lá dentro.

    Além disso, conforme a regulamentação interna do Salão da Recepção e das leis da Legião, sem a conformidade dele próprio, eles precisariam da autorização de seu comandante direto, ou seja, do próprio General Dimitri. E, obviamente, era impossível que o velho homem permitisse isso.

    A expressão da mulher mudou ao ver a confiança de Fernando. Isso não se tratava apenas de teimosia ou bravata, ele sabia exatamente o que estava fazendo!

    Esse desgraçado, para um pivete, ele conhece muito bem das regras! pensou, furiosa.

    Mesmo Tenentes experientes normalmente dançavam em suas mãos por medo e receio ou por não conhecerem bem o regimento do Salão, mas Fernando, mesmo sendo alguém tão jovem, parecia conhecer bem os limites do que ela poderia fazer.

    “Muito bem, estou me retirando. É melhor que não se arrependa disso, Tenente.” Amélia disse, arfando de raiva.

    Fernando sorriu fracamente, então deu dois passos a frente, ficando ao lado da mulher.

    “Pode ter certeza de que não vou, senhorita Amélia. Mas você deveria se arrepender. Apostar em um cavalo doente, não é algo inteligente.” O rapaz disse, sussurrando a última parte.

    A mulher de meia-idade olhou para o jovem com um olhar afiado.

    “Está me ameaçando, Tenente do Batalhão Zero? Eu sou uma Administradora Júnior, você ousa?!”

    Fernando deu de ombros.

    “De forma alguma. O que eu te disse não foi uma ameaça, mas um conselho gentil.” disse com a voz calma e um rosto impassível. “Sabe, em minha cidade natal, eu tive um superior que era chamado de Cão Louco. Quando mais jovem ele matou alguém a sangue-frio, um Administrador Júnior, e adivinha? Ele não foi realmente punido por isso. Parando para pensar, a posição dele na época e da pessoa que ele matou é bem semelhante à minha e a sua. É algo realmente fascinante, não acha, senhorita Amélia?” Ao falar até aí, os olhos do jovem pálido ficaram extremamente frios, enquanto a olhava, como uma fera olhando para sua presa.

    Vendo isso, a mulher sentiu um arrepio frio na espinha, quando uma onda de pavor a invadiu.

    Ele não está falando sério, está? Ele não ousaria, certo? A mulher começou a se digladiar mentalmente, arrependendo-se de ter ido até ali sem escolta.

    Mesmo Lina e o Soldado ficaram um pouco assustados, imaginando se seu Líder estava blefando. Conhecendo-o, nenhum dos dois tinha certeza.

    “E-eu…” Amélia deu um passo para trás, gaguejando.

    Diferente de Fernando, um poderoso Tenente, ela era uma mera civil, sem qualquer força além de sua autoridade. Se o rapaz quisesse, realmente poderia quebrar seu pescoço tão facilmente quanto o de uma galinha.

    “Em relação a um talento com conquistas militares, quanto valor real há em um Administrador Júnior? Essa é uma questão que você deveria considerar seriamente antes de entrar em meu território, insultar meus subordinados e proferir ofensas.” Quanto mais o rapaz falava, mais a mulher sentia seu corpo tremer. Suas pernas paralisaram, quando sequer tinha coragem ou força para sequer fugir. Vendo isso, Fernando deu um leve sorriso, quando se virou, caminhando de volta para seu escritório. “Só para você saber. Isso, sim, é uma ameaça, senhorita Amélia.”

    Após dizer isso, o rapaz abriu a porta, preparando-se para entrar em seu escritório.

    “Tesoureira Lina, acompanhe nossa convidada para fora.” falou, sem olhar para trás, fechando a porta logo em seguida.

    Ploft!

    A mulher de óculos caiu de joelhos assim que a porta foi fechada, abraçando-se, sem ousar emitir um único ruído, enquanto um fio de líquido podia ser visto escorrendo de suas pernas.

    Lina e o Soldado ficaram chocados ao verem isso. Uma poderosa Administradora Júnior do Salão estava caída bem em frente a eles. Ambos se entreolharam, engolindo em seco.

    Mesmo sendo uma visão patética, nenhum deles ousou criticá-la em suas mentes, pois mesmo sem ser o foco das palavras ou do olhar de Fernando, ambos sentiram-se sufocados e tensos.

    Parece que as coisas vão ficar agitadas a partir de agora… Lina pensou, suspirando consigo mesma. O que Fernando havia acabado de fazer era declarar guerra a um membro do Salão da Recepção e as coisas não terminariam de forma simples a partir de agora.

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