Capítulo 614 - Detalhes e informações
O jovem Tenente ficou um pouco surpreso, mas logo a olhou com um rosto sério, cheio de compreensão e um misto de satisfação. Mesmo que ela tivesse sido sua inimiga, ainda estava levemente aliviado pela mulher não ter escolhido encerrar seu destino.
“Você fez uma boa escolha.” afirmou.
A mulher negra, apesar de cheia de medo, olhou ao redor, tentando entender onde estava. Seus olhos, não acostumados à claridade, ardiam.
Os dias dentro do Anel de Aprisionamento eram como um inferno, mesmo sem qualquer dor física. Não havia luz, o cheiro das criaturas era insuportável e, além disso, ela tinha que ver e ouvir o que o Baiholder fazia todos os dias, o que lhe dava uma sensação de desesperança contínua.
Ao ver Brakas, Verônica imediatamente deu um passo para trás, quando seus olhos denunciaram o medo dentro de si.
Fernando obviamente notou isso.
“Não se preocupe, ele não irá tocá-la.” afirmou, com uma voz calma. “Aproxime-se.”
Apesar de ainda hesitante, a mulher deu um passo a frente.
“Essa maldita, ela não pode viver! Apenas mate-a, agora mesmo!” Lincon gritou, cheio de raiva.
A mulher ficou apavorada ao ouvir alguém falar sobre matá-la e só então percebeu Lincon ali, ajoelhado no chão. Ao contrário de quando viu Brakas, onde ela demonstrou medo, ao ver o sujeito baixinho sua expressão mudou para algo como nojo, quando ela recuou instintivamente os braços para perto de seu corpo.
“Sua desgraçada, ousa me olhar assim?!” O assassino esbravejou, quando viu sua reação, ainda mais irado.
Nos dias que passaram dentro do Anel de Aprisionamento, além de Brakas e as criaturas lá presentes, somente havia uma testemunha de toda sua vergonha e desgraça. Sendo assim, Lincon não estava disposto a aceitar que sua ex-subordinada continuasse viva. Não mais pela traição, mas por ver um lado seu que ele preferia que jamais fosse revelado.
“Calado.” Fernando falou, com uma expressão fria. “Não me faça repetir novamente.”
O sujeito baixinho, apesar de ansioso e cheio de raiva por ver Verônica, conteve-se, apertando as mandíbulas com força.
Movendo o pulso, o jovem Tenente tirou uma cadeira.
“Sente-se.” ordenou.
A mulher negra, com mechas prateadas, andou cautelosamente. Mesmo tendo passado algum tempo dentro do Anel de Aprisionamento, quase não se alimentando, apenas comendo alguns poucos alimentos que a ‘coisa’ lhe dava, seu corpo não parecia nenhum pouco debilitado, mostrando que seu condicionamento físico era excelente.
Sentando-se, Verônica abaixou a cabeça, como se estivesse aguardando ordens.
“Você sabe porque a mantive viva, não é?” Fernando perguntou, encarando-a.
“N-não, senhor.” declarou, ansiosa, suas mãos trêmulas, quando ela esfregou com a ponta da unha as marcas em seu pulso, onde havia cicatrizes do seu desespero. “Se for por informações, eu já disse tudo que sabia antes…”
O jovem Tenente se manteve em silêncio por um momento, então respirou fundo, continuando.
“Muitos inocentes morreram indiretamente por sua causa. Você tem sangue em suas mãos, assim como aquele desgraçado.” falou, apontando para Lincon.
Mesmo que ele se compadecesse um pouco com a situação da mulher, não poderia esquecer das vítimas da Magia Mental de Lavagem usadas na emboscada. Na verdade, o próprio rapaz se sentia mal por essas pessoas. Logo, mesmo que Verônica estivesse ali contra a sua vontade, isso não tirava sua parcela de responsabilidade, já que mesmo não gostando da situação, ainda decidiu participar do atentado.
“E-eu não tenho relação com isso! E-eu…” A mulher negra tentou argumentar, mas sabia que não havia explicação.
Suspirando, Fernando a olhou com um olhar frio.
“Para começar, me conte sua história.” pediu. Apesar de já ter ouvido as informações gerais de Túlio, ainda queria ouvir os detalhes por si mesmo. “Quero entender como exatamente você se envolveu com a Família Lopes.”
Verônica parecia hesitante e até paranoica, sentindo que o rapaz iria matá-la no menor deslize em sua fala, ou pior, faria sua vida ser como a de Lincon. Sendo assim, estava sendo extremamente cuidadosa com cada palavra que saia de sua boca, de forma que não o ofendesse.
“Inicialmente eu cheguei a Avalon em meio a uma situação complicada, no território de uma Legião que havia sido derrotada e dispersa pela Legião Cautera, uma legião de pequeno porte. Mesmo tendo destruído sua rival, Cautera não tinha condições ou mão de obra para assumir todos os seus territórios, então apenas ignorou parte deles. A cidade em que cheguei, era uma dessas. Não havia autoridade lá, ninguém para nos acolher ou nos explicar a situação… Eu e a maioria das pessoas lá passamos por um período difícil, muitos morreram de fome, outras pessoas enganadas e assassinadas por aproveitadores e outros se aventuraram em ir para outras cidades mais próximas após descobrirmos sobre tudo, com o objetivo de se alistarem numa Legião. Mas a maioria de nós, como eu, não queríamos nos envolver em guerras. Porém, depois de alguns meses sobrevivendo de caça próxima à cidade, com muitos morrendo para praticamente qualquer coisa que se movesse, vimos que não tínhamos escolha. Foi então que conhecemos alguém, Tezon, um ex-mercenário avaloniano que havia acabado de fundar a própria Guilda chamada de Azala. Ele nos ofereceu um trabalho, com comida, moradia e alimentação.” A mulher negra contou, parecendo reminiscente.
O jovem Tenente ouviu tudo atentamente, sem a interromper ou fazer perguntas, deixando-a discorrer. Isso fez a mulher se sentir um pouco mais a vontade.
“Éramos em torno de vinte pessoas. Tezon nos treinou por algum tempo, nos ensinou sobre Magias, a lutar e a usar armas. Depois de ficarmos um pouco mais fortes, Azala finalmente começou a funcionar como uma Guilda Mercenária de verdade. Nós nos especializamos em capturar fugitivos, assassinos e infratores, que era um dos trabalhos de menor taxa de baixas na área de mercenários. Oferecíamos nossos serviços as Legiões, Associações Comerciais e até mesmo outras Guildas, qualquer um que pagasse bem o suficiente, contanto que fosse algo legalizado pelo Conselho Superior. No entanto, ser um mercenário que trabalha sem aceitar empregos obscuros ou de alta taxa de mortalidade não é algo fácil. Além disso, há muitas Guildas concorrentes, com muitas delas tendo uma boa reputação construída ao longo de anos, ao contrário de nós, uma pequena Guilda com apenas um ano e meio de existência. Devido a isso tivemos um longo período difícil, com poucos trabalhos. Foi então que para não pararmos as operações e falirmos, o Mestre da Guilda fez um grande empréstimo. A ideia era que pagássemos o valor quando a situação melhorasse, mas… nunca melhorou.” Verônica disse.
Fernando ouviu tudo atentamente, deduzindo mais ou menos o que aconteceu a seguir.
“No fim, não conseguimos pagar pelo empréstimo e os credores vieram até nós… Foi só então que descobrimos que se tratava de uma organização do submundo chamada de Família Lopes. Eles não tentaram negociar e muito menos nos dar prazos, apenas fomos capturados. Por sorte, nosso Mestre de Guilda conseguiu convencê-los a nos usar como mão de obra e passamos a realizar todo tipo de trabalho sujo para a Família Lopes… O Mestre Tezon nos incentivou a obedecê-los se quiséssemos viver. A verdade é que demoramos para entender que… ele havia nos vendido para se salvar. Ele era como um pai para nós, então foi difícil de aceitar. Muitos tentaram fugir quando perceberam a situação, mas todos que tentaram foram mortos na nossa frente, enquanto outros partiram em serviços da Família e nunca mais voltaram. Além de mim, alguns poucos de nós sobrevivemos, a maioria morreu nas missões da Família Lopes. Como eu mostrei algum talento em Magia de Vento, principalmente em rastreio e ocultação, eles começaram a me usar em missões de assassinato.”
Quando Fernando ouviu isso, franziu a testa.
Isso não quer dizer que ela era como aquelas pessoas? pensou, sentindo-se incomodado.
“Você está sob algum contrato?” perguntou, preocupado.
Balançando a cabeça, Verônica negou.
“Eles usam contratos apenas em pessoas importantes que possuem informações valiosas da organização, esse não era o meu caso. Para pessoas como eu, apenas… a ameaça é suficiente. Se sairmos da linha, eles enviam outros assassinos.”
O jovem Tenente assentiu, entendendo como funcionava a Família Lopes.
Então eles trabalham numa espécie de esquema de pirâmide, usando todo tipo de mão de obra para trabalhos simples e sem importância e apenas usam seus membros verdadeiros em posições estratégicas. deduziu, com um rosto sério. Se esse é o caso, qual o nível de importância que deram pela minha cabeça?
“Além desse cara, havia outros membros reais da Família Lopes?” perguntou, apontando para Lincon.
Fernando tinha certeza que Lincon era um membro verdadeiro da Família Lopes, mas quantos dos demais também eram? O fato de terem mandado o sujeito era um indicativo de que estavam lhe dando alguma atenção?
Várias dúvidas perduravam pela mente do rapaz, enchendo-o de preocupação.
Verônica assentiu, hesitante.
“Além do Líder de Operação Lincon, havia a senhorita Diana, que também era Membro de Núcleo.”
A expressão do jovem Tenente mudou ao ouvir isso. Se a arqueira, que era, supostamente, uma Maga Mental do tipo Lavagem, também era um Membro de Núcleo, significava que duas pessoas importantes da Família Lopes estavam envolvidas em sua tentativa de assassinato, então certamente sua existência tinha alguma importância para eles.
Ao lado, sentado no chão, Lincon mordeu os lábios de raiva, frustrado com toda aquela situação, enquanto encarava Verônica com um ódio mortal.
Após mais algum tempo de interrogatório, Fernando descobriu mais algumas informações relevantes, como pontos de contato da Família Lopes em algumas cidades e uma lista de Guildas que provavelmente tinham contato ou uma relação de subordinação com eles. A lista tinha dezenas de nomes de comerciantes e Associações Comerciais.
Merda, tanta gente? perguntou-se, perplexo. Havia muitos mais nomes do que ele pensava e isso era apenas das pessoas que Verônica conhecia, os verdadeiros contatos deveriam ser muito mais numerosos!
Entre os nomes que estavam na lista, um em específico chamou a atenção de Fernando. Herbalistas do Sul, um pequeno grupo comercial que trabalhava apenas com a compra, coleta e venda de plantas, ervas e diversos outros itens semelhantes. O que chamou a atenção dele é que dentre todos da lista, esse era o único presente em Garância.
“Esses Herbalistas do Sul, você tem certeza que eles têm ligação com a Família Lopes?” perguntou.
Notando o olhar perfurante do rapaz pálido, a mulher negra sentiu um arrepio na espinha, mas assentiu.
“Sim… Foram eles que providenciaram nossa caravana para Garância e nos forneceram informações sobre o Batalhão Zero e… sobre você.” Verônica disse, com receio. “Não sei exatamente a relação deles com a Família Lopes, mas provavelmente são seus informantes. É algo bem comum que organizações que tenham dívidas ou que façam negócios com eles também atuem como seus braços de informações. Eu… já tinha dito tudo isso aquele homem.”
Fernando tinha uma expressão calma, entendendo, mas também ficou um pouco irritado, já que Túlio não havia relatado nada disso para ele sobre o interrogatório anterior.
Aquele patife, por que ele escondeu isso de mim? perguntou-se, enquanto uma veia erguia-se em sua testa.
Enquanto o rapaz parecia pensativo, a mulher negra falou:
“V-você vai me libertar agora que eu te disse tudo?” indagou, com a voz trêmula.
A verdade é que ela sabia bem como informantes eram tratados, a execução era o destino comum da maioria deles, então estava com algum medo da resposta que ouviria.
Ouvindo isso, o jovem pálido a observou com um rosto inexpressivo.
“Se a Família Lopes é tão grande e influente quanto você afirma, mesmo se eu a libertar, quanto tempo você acha que vai viver? Além disso, você sabe muito sobre mim…”
Verônica sentiu um arrepio frio ao ouvir isso, quando entrou em desespero.
“E-eu vou fugir para uma cidade pequena no leste, você nunca mais vai saber de mim e eles não vão me encontrar, então, por favor…”
“Você sabe que isso não é verdade” Fernando respondeu, com uma voz fria.
O jovem Tenente duvidava que a mulher conseguiria escapar dos olhos e ouvidos da Família Lopes por conta própria. Mesmo avaliando que ela era apenas mais uma vítima, ainda era um risco potencial para ele próprio, principalmente por saber a respeito de Brakas. Se seus inimigos descobrissem sobre isso, certamente usariam contra ele.
Essas palavras foram como um balde de água fria na mulher, quando seus olhos se encheram de lágrimas.
“Hahahaha! Isso é o que você merece, maldita!” Lincon falou, rindo alto.
Bam!
Um chute acertou o rosto do sujeito baixinho, quando Fernando o enviou voando para longe, com a boca sangrando e um dente caindo ao lado.
“Eu falei para não me fazer repetir.”
Lincon cobriu a boca, enquanto tossia sangue, olhando para o rapaz com um olhar mortal, mas não se atreveu a falar nada.
“M-mestre, por favor, não quebre minhas coisas!” Brakas pediu, extremamente indignado.
O assassino, ao ouvir isso, olhou com algum temor para a criatura, que já o considerava como sua propriedade.
Voltando sua atenção para a mulher negra, Fernando a encarou por alguns momentos.
Ela não estava algemada e nem imobilizada, mas mesmo sabendo que provavelmente seria morta, não tentou fugir. Seu olhar era um misto de terror e aceitação.
Vendo isso, o rapaz suspirou consigo mesmo.
Esses desgraçados realmente a quebraram completamente, ela sequer tenta algo, mesmo nessa situação… pensou, imaginando que tipo de coisas ela havia visto, para sequer tentar resistir frente a seus captores.
“Brakas!” Fernando chamou.
Mesmo sem qualquer explicação, o Baiholder conhecia muito bem o rapaz e sabia exatamente o que seu Mestre queria, quando a ponta de um de seus tentáculos brilhou. Logo uma luz cintilante apareceu frente a Verônica.
“Eu não posso libertá-la, mas posso fazer isso.” disse, apontando para a Matriz formada a sua frente. “Esse é um Contrato de Vassalo. Trabalhe para mim e você irá viver. Essa será sua forma de se redimir pelas pessoas que feriu.”
O jovem Tenente sabia que a mulher não era confiável. Mesmo que ela não fosse realmente leal a Família Lopes, os servindo apenas por medo, o pavor que haviam causado nela era muito profundo. Nada garantia que ela não voltaria para a Família caso usasse apenas um mero Contrato de Sigilo e que não tentaria algo contra ele ou os membros do Batalhão Zero se apenas a deixasse livre sem alguma forma de controle.
Mas Fernando também não estava interessado em apenas a matar, pensando que se estivesse na mesma situação que ela provavelmente faria as mesmas escolhas. Sendo assim, decidiu que lhe daria uma única oportunidade.
O-o quê?! O que esse desgraçado está pensando?! Ao lado, Lincon exclamou mentalmente, com olhos arregalados.
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