Capítulo 630 - Ponto de inflexão
“De qualquer forma, temos mais tropas a nossa disposição e isso é algo bom.” O jovem Tenente apontou, então, voltou-se para o Sargento Thomas. “Thom, até que Alastor esteja oficialmente na posição de Combatente, você ficará a cargo de apresentar-lhe o Batalhão Zero e as instalações do prédio.”
“Sim, Chefe!” O rapaz respondeu prontamente.
O sujeito gigante parecia não se importar muito, mas Theodora olhou em direção a ele com um claro desagrado em sua face.
Acenando com a mão, Fernando rapidamente partiu, indiferente ao clima estranho que havia ficado no local.
Restando apenas Gabriel, Damon, Thom, Theodora e Alastor na sala, um silêncio estranho tomou conta do lugar.
“E aí pessoal!” O sujeito gigante os cumprimentou, com um sorriso. “Algum de vocês já foi preso antes?” perguntou, puxando assunto.
“…”
Chegando ao seu escritório, Fernando viu Lina, que estava do lado de fora, parecendo apreensiva.
“Tenente, essas pessoas, elas…”
“Eu sei quem são. Representantes das Lojas Etéreas, certo? Não se preocupe.” declarou, com uma expressão calma.
Fazia algum tempo que Fernando estava aguardando com ansiedade o retorno da representante das Lojas Etéreas, afinal os negócios que fariam seriam cruciais para ele e seu futuro em Avalon.
Mesmo que o Batalhão Zero tivesse conseguido bons saques, se eles realmente quisessem se promover para uma Brigada no futuro, esses valores não seriam suficientes para financiar esse tipo de expansão.
O jovem Tenente rapidamente preparou-se para entrar na sala. No entanto, ao ver a garota parada do lado de fora, ficou pensativo quando acenou com a mão.
“Você vem comigo. Agora você é a Tesoureira do Batalhão Zero, apesar dessa ser uma negociação parcialmente pessoal, vai ser uma boa experiência. Porém, esteja ciente de que nada do que você ver ou ouvir aqui, deve sair dessa sala.” declarou, com firmeza.
Ouvindo isso, Lina ficou levemente surpresa e confusa com as palavras do rapaz pálido, mas assentiu, seguindo-o de perto. Independente de que tipo de assunto fossem tratar, a garota sentiu-se lisonjeada com a confiança dele sobre ela própria.
Ao entrarem no escritório, o jovem Tenente logo avistou duas pessoas. Uma delas era uma mulher loira, com uma mecha de cabelo azul e ao seu lado, estava um homem em torno dos quarenta anos, com uma barba por fazer e uma espécie de túnica vermelha extremamente incomum.
Notando ambos entrarem, a dupla, que estava confortavelmente sentada em poltronas, levantou-se e a jovem mulher loira não hesitou, quando sorriu largamente, aproximando-se.
“Tenente Fernando. Como está? Faz apenas alguns dias, mas sinto que foi uma eternidade.” falou, com uma voz doce, mas comedida. “Eu soube do ataque que Garância sofreu e ouvi a respeito da sua atuação e do seu Batalhão e eu lamento pelo que aconteceu, espero que todos estejam bem.”
O rapaz pálido forçou um leve sorriso em seu rosto, quando cordialmente a cumprimentou de volta. Mesmo que tivesse se sentindo incomodado com a menção ao ataque dos Carniçais.
“Não se preocupe, senhorita Rani, estou perfeitamente bem. Infelizmente sofremos algumas casualidades… Mas o Batalhão Zero saiu disso mais fortalecido do que enfraquecido.” declarou, sem expressar qualquer emoção aparente.
O homem, que estava o lado de Rani, observou Fernando com um olhar afiado, como se estivesse tentando lê-lo. O jovem Tenente obviamente notou isso, franzindo o cenho.
“Essa pessoa é…?” perguntou, olhando-o com alguma frieza. “Senhorita Rani, se bem me lembro, fui bem claro quanto a confidencialidade das nossas negociações.”
Fernando sabia que devido ao ataque que Aldric havia recebido e aos inimigos que havia adquirido em Belai por quebrar o acordo mutuo e negociado com ele, Rani andava com muitos guardas. No entanto, não importa como olhasse, essa pessoa não parecia ser um Mago ou sequer um Usuário de Habilidades. Na verdade, parecia uma pessoa relativamente comum, quase sem mana em seu corpo, ou seja, um civil.
Isso era algo que o jovem Tenente havia aprendido com o tempo. Mesmo que não fosse possível saber a força exata da pessoa, pelo mana natural emitido por seu corpo, poderia identificar se era alguém forte ou uma pessoa comum.
Obviamente, para especialistas e pessoas mais capazes e hábeis no controle de mana, que conseguiam conter seu mana natural e impedir que vazasse de forma descontrolada, seria muito mais complicado de fazer essa distinção.
Mas, independente de quem se tratasse, a mera presença de alguém estranho ali deixou o jovem Tenente em guarda. Uma negociação desse tamanho era um enorme risco e poderia atrair até mesmo a ganância de alguns Generais.
A mulher loira parecia calma, mas seus olhos piscaram com força quando Fernando citou diretamente o sujeito ao seu lado, como se estivesse mentalmente processando sua situação atual. Apesar dessa curta pausa, voltou rapidamente a si.
“Tenente Fernando, não se preocupe. O negócio entre as Lojas Etéreas e o Batalhão Zero tem corrido com extrema discrição. No entanto…” falou, interrompendo suas palavras por um segundo e olhando de canto de olho para a pessoa ao seu lado, mostrando alguma apreensão reprimida. “O volume das transações necessárias e o contato com tantos parceiros comerciais se mostrou um pouco mais complexo do que imaginávamos e além das capacidades exclusivas da nossa filial de Belai, então…’
Ao ouvir isso, a expressão de Fernando imediatamente mudou. Mesmo que a garota não explicasse muito, estava mais do que claro o que estava acontecendo.
De alguma forma, a negociação entre ele e a filial das Lojas Etéreas de Belai havia vazado para seus superiores e eles foram obrigados a envolvê-los na transação.
Isso pode ser problemático. O rapaz pálido pensou, suspirando internamente.
Ele já conhecia Aldric há algum tempo e sabia de sua índole. Além disso, o velho homem já havia provado sua lealdade comercial a ele inúmeras vezes. E apesar de só ter se encontrado com Rani uma única vez e ainda não ter de fato concluído nenhuma grande negociação com a mulher, sentiu que ela era de confiança, principalmente pelo fato de ser filha de Aldric. No entanto, o homem a sua frente era diferente.
Fernando sabia que mesmo que o setor comercial parecesse uma área pacifica, não era muito menos brutal que a militar. Na verdade, lidar com grandes comerciantes poderia ser algo até mais sanguinário e traiçoeiro do que lidar com Legiões e Guildas.
Sendo assim, se a negociação não estivesse mais nas mãos de Aldric e sua filha, mas com um nível mais alto das Lojas Etéreas, isso significava que se essas pessoas sentissem que esse acordo estava prejudicando de alguma forma sua organização, eles não hesitariam em descartá-lo. Não haveria lealdade ou camaradagem, apenas negócios e interesses!
Rani estava prestes a apresentar o sujeito, quando o homem tomou a frente.
“Meu nome é Diogo Bublitz, sou o Gerente Sênior encarregado das operações logísticas das Lojas Etéreas na Zona Divergente. Fui enviado para supervisionar e aconselhar a Representante Rani, da filial de Belai. É um prazer conhecê-lo.” O homem com barba por fazer falou, com um rosto pouco emotivo, quando estendeu a mão.
Em relação à Rani ou Aldric, que eram genuínos comerciantes e normalmente tinham rostos sorridentes, esbanjando simpatia, o homem a sua frente não parecia se importar minimamente com isso.
Aconselhar? Que piada! Fernando pensou, ao ver a atitude do sujeito e da garota loira, ele sabia que a intenção dele ali era muito mais do que meramente aconselhar. Sua intenção sem dúvidas era de assumir totalmente o controle dessa negociação!
“Tenente Fernando, o prazer em conhecê-lo é meu.” Apesar de incomodado com a atitude e a situação, o jovem Tenente apertou sua mão. “E essa é a Tesoureira do Batalhão Zero, Lina Flores,”
O sujeito, chamado Diogo, assentiu discretamente, sem sequer olhar para a garota, não dando importância a sua menção.
Vendo isso, Fernando estreitou levemente os olhos, com um claro desagrado. Ele percebeu que o homem estava subestimando e desdenhando não apenas de Lina, como dele próprio.
Rani obviamente notou que o rapaz não parecia contente, mas suspirou, não havia muito que ela pudesse fazer além de se desculpar com um olhar tímido.
“Não vamos conversar em pé, por favor, sentem-se.” O jovem Tenente disse, com uma voz calma, mas fria, indicando as poltronas, enquanto ele próprio se dirigia a sua cadeira. Apesar de insatisfeito, ainda manteve a etiqueta. Quando Rani, Diogo e Lina sentaram-se, o rapaz logo retomou a conversa. “E então, senhorita Rani sobre o que discutimos antes, quais são as novidades? Faz algum tempo que estou esperando.”
A mulher loira ajustou-se no assento, puxando a barra de seu vestido para o lado, ficando ereta em sua posição, apesar de estar claramente desconfortável com a presença do Gerente Sênior ao seu lado, mas como uma verdadeira comerciante, não se intimidou.
“Eu entendo que o Tenente esteja insatisfeito com a nossa demora, mas houve uma série de motivos que nos levaram a ter atrasos em relação ao nosso retorno. O próprio ataque que Garância sofreu foi um grande impedimento… A nova rota comercial criada por nossas Lojas de Belai até aqui precisou ser averiguada e reforçada novamente. Mas posso garantir que isso está resolvido. Nós colocamos muitos esforços nisso, então com a nova rota devidamente estabelecida, podemos enviar ou receber mercadorias em apenas um dia de viagem.”
Ouvindo isso, Fernando ficou extremamente surpreso. Pelo que ele havia ouvido, a maioria das rotas de outras empresas e comerciantes levava de dois a quatro dias. Afinal eles optavam por caminhos e terrenos que fossem mais seguros e propícios ao transporte de mercadorias, já que dependendo do volume, nem tudo poderia ser transportado em Pulseiras de Armazenamento.
O próprio Fernando, durante seu período nas Tropas de Exploração, experienciou por conta própria o desgaste que era ter que viajar por longos caminhos, já que havia perigos por todo lado, desde Monstros, Criaturas das Trevas ou até patrulhas Orcs. Mesmo que a ameaça Orc tivesse diminuído desde o Armistício, o risco ainda existia e não poderia ser menosprezado.
Com essa informação, o jovem Tenente ficou pensativo. Com uma rota de apenas um dia de Belai a Garância, isso significava que qualquer transação poderia ser concluída em apenas dois dias! Então a dificuldade na negociação com as Lojas Etéreas e o Batalhão Zero não seria mais um impedimento!
Mas ele também percebeu algo. Estabelecer uma rota comercial tão eficiente não era algo que deveria ter sido barato ou fácil, a quantidade de recursos e mão de obra não pareciam condizentes com o que a filial de Belai deveria ser capaz de fazer, não quando havia tantos inimigos comerciais presentes na cidade os pressionando. Logo o rapaz voltou sua atenção para o sujeito chamado Diogo.
Foi essa pessoa? pensou, preocupado, tentando entender quais eram os interesses do alto escalão das Lojas Etéreas.
De repente, quando o jovem Tenente estava pensando em questionar mais a respeito dessa nova rota comercial, o homem de túnica vermelha soltou um suspiro de desagrado.
“Vamos cortar todo esse papo furado e ir direto ao assunto. Tenente Fernando, chegou aos meus ouvidos que você tem um grande negócio com as nossas Lojas Etéreas, algo na casa das centenas de moedas de ouro.” falou, com alguma grosseria indisfarçada. “Aldric tem sido firme em defender a legitimidade desse negócio e garantiu que o senhor tem os meios de cumprir com sua parte. Eu confio muito no julgamento dele, porém, para gastarmos tantos recursos e mão de obra, eu preciso ver isso com meus próprios olhos. Mostre o que tem ou não teremos qualquer acordo.” exigiu, com um olhar rígido e desconfiado.
Em suma, o sujeito queria ver por si próprio se ele realmente tinha em mãos tantos Cristais quanto afirmava possuir. De seu ponto de vista, parecia simplesmente impossível que um simples Tenente pudesse colocar as mãos em tal montante.
Ouvindo tudo isso, com a forma rude de falar do homem, Fernando não demonstrou diretamente, mas a irritação que vinha sentindo logo chegou ao ápice.
“Senhor Diogo Bublitz, não me lembro de em momento algum ter firmado qualquer acordo com você. Meu negócio é unicamente com a filial de Belai. Se você deseja ou não negociar comigo, ou se sequer acredita em mim, não me interessa.” O rapaz pálido declarou com firmeza e indiferença, ao cruzar as pernas e se reclinar na cadeira, com uma expressão calma e composta.
Vendo a atitude esnobe da pessoa a sua frente, Diogo franziu a testa.
“A filial de Belai pertence às Lojas Etéreas, logo independente do que você queira, garoto, eu possuo o direito de assumir essa transação. Então eu repito, mostre o que tem, ou estamos nos retirando.”
A expressão de indiferença de Fernando sumiu, quando seu olhar ficou gelado.
“Então acredito que chegamos a um ponto de inflexão, senhor Diogo. Sendo assim não temos mais nada a conversar. Tesoureira Lina, por favor, acompanhe nossos convidados a saída.”
Quando Rani ouviu isso, sua expressão mudou, ficando perplexa. Eles estavam falando de um negócio de mais de 400.000 moedas de prata, mas Fernando realmente estava os dispensando simplesmente assim?!
O próprio Gerente Sênior ficou chocado, ele estava apenas jogando duro, mas o rapaz havia realmente abandonado toda a negociação devido a apenas algumas poucas palavras?

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