Índice de Capítulo

    Voando pelos arredores de Garância, algumas figuras vasculhavam a mata procurando por algo.

    Dentre elas, dois homens se destacavam, com armaduras negras com detalhes dourados imponentes, observavam tudo a partir de um ponto mais alto do céu.

    “Que perda de tempo.” Um deles falou, parecendo aborrecido. Este era Moura Pagliuca. Desde o desaparecimento de dois de seus Majores, ele havia pessoalmente feito patrulhas recorrentes nas áreas do ocorrido, tentando encontrar pistas ou sinais do que havia acontecido naquela noite. Porém, nesse ponto, estava mais do que claro que eles estavam mortos. “Reúnam-se, vamos voltar.” ordenou, na comunicação.

    “Tem certeza disso, General Pagliuca?” O outro homem disse, parecendo pensativo. Este era Wayne, que havia pessoalmente se disponibilizado para auxiliá-lo nas buscas. “Podemos ampliar o raio.”

    Desde que Ramon, Oliver e Dimitri estavam na área próxima, mas não ouviram ou perceberam nada, o sujeito negro parecia não confiar muito neles. Mas o General Comandante era diferente, ele já o conhecia há anos e apesar de não terem nenhuma proximidade, Pagliuca sabia muito bem de suas intenções.

    “Sim, se houvesse rastros ou qualquer outra coisa que nos levasse a uma resposta, eu insistiria, mas não há nada. Seja quem ou o que os emboscou, sabia bem o que estava fazendo.” falou, apertando as sobrancelhas em frustração. Como alguém que estava acostumado a investigar, localizar e caçar Magos Negros, Pagliuca tinha certeza que esse caso não estava relacionado ao Necropto que foi morto. “É uma pena perder homens tão valiosos e não poder vingá-los, mas eu conheço meus limites. Além disso, não posso atrasar mais meu retorno à Cidade Dourada ou alguns podem começar a desconfiar da nossa relação.”

    Wayne ficou em silêncio, pois sabia que era verdade. Se a parceria entre ele e a facção de Pagliuca fosse revelada, ambos os lados estariam com problemas.

    “Eu lamento profundamente que isso tenha acontecido sob o meu comando. Terei certeza de recompensá-lo num momento mais oportuno. Como deve saber, nossas finanças no momento não estão indo tão bem.” O General Comandante disse, suspirando levemente.

    Era um costume comum em Avalon que um General pagasse uma compensação quando as tropas de outro General morressem o ajudando. Não fazer isso era visto como maus olhos por muitos e poderia fazer outros Comandantes pensarem duas vezes antes de fornecer apoio.

    “General Wayne, eu não preciso do seu dinheiro. Meus homens morreram cumprindo com seu dever, apenas isso.” Pagliuca respondeu, com indiferença. “Além disso, estou ciente que parte das finanças estão comprometidas para a cerimônia que se aproxima e eu duvido que haja repasses por parte do General Supremo por um tempo, então não se preocupe em cumprir com esse tipo de costume.”

    Ouvindo isso, o sujeito não insistiu. Apesar do Salão de Garância ter finalmente concluído a venda dos espólios, destinando-os aos cofres, o valor arrecadado havia sido muito abaixo do esperado. Mesmo com os impostos de novos moradores e comerciantes mais a soma da venda de imóveis, simplesmente não havia sido suficiente para abastecê-los com reservas seguras, afinal havia um gigantesco exército estacionado na cidade consumindo recursos constantemente. Além de que, haviam investido grande parte do valor reunido em armas de guerra, na reconstrução e na contratação de funcionários civis. Com o General Supremo Dimas Ortega atrasando propositalmente os repasses da legião, se não tomassem cuidado, logo chegariam a uma crise econômica e sequer teriam dinheiro para pagar as tropas.

    “Sendo assim, eu agradeço General Pagliuca. Como deve saber, recompensas são essenciais para manter o moral das tropas. Dessa vez eu atrasei o máximo possível a Cerimônia de Nomeação, para ganhar tempo e reunir fundos, mas não posso arrastar mais isso. Por sinal, tem certeza de que não deseja esperar? O evento ocorrerá em duas semanas.”

    “Não, como eu disse, eu…” Pagliuca estava prestes a responder, quando sentiu um arrepio em seus pelos do braço e imediatamente olhou para longe, quando disparou nessa direção em alta velocidade, parecendo procurar alguma coisa.

    Wayne ficou surpreso com a ação repentina e sua expressão mudou, olhando na mesma direção, então seguiu logo atrás.

    Momentos depois, Pagliuca pousou numa área remota, com as sobrancelhas franzidas. O sujeito ergueu a mão, quando uma gigantesca onda de mana disparou para todas as direções.

    O General Comandante chegou logo em seguida, assim como os vários Majores e Capitães que haviam trazido consigo.

    “Encontrou alguma coisa?” indagou, com um olhar atento nos arredores, pronto para sacar sua arma a qualquer momento.

    Pagliuca franziu o cenho, quando sua Magia de Varredura de Mana terminou.

    “Hm… Não tenho certeza. Pensei ter sentido algo nessa direção, mas não há nada em minha detecção.” Logo o sujeito suspirou, recolhendo seu mana. “Talvez eu esteja apenas paranoico demais. Vamos voltar, General Wayne.”

    Pouco tempo depois, quando os dois Generais e suas tropas partiram, uma enorme fissura negra surgiu no ar e de dentro dela, uma mão quase óssea, branco-pálida saiu de dentro.

    “Interessante.” Uma voz soou, quando um par de olhos roxos piscou a partir da escuridão. Então, uma figura, envolta em um manto roxo refinado, saiu de dentro. “Aquele homem realmente sentiu vestígios da minha presença, mesmo usando isso.” falou, olhando para a abertura negra, que irradiava uma escuridão sem fim.

    De repente, ainda de dentro da fissura, uma segunda figura encapuzada saiu, dessa vez com uma silhueta feminina e roupas negras justas, que destacavam sua pele levemente branco-acinzentada. Sua aparência destoante e estranha causaria uma mistura de atração e morbidade para quem a visse.

    “Tem certeza disso, Mestre Mayzor? Aqueles Humanos pareciam ser Generais. Se atacássemos aqui, poderíamos diminuir suas forças.”

    “Isso não é necessário.” O sujeito de manto roxo declarou. “Eu posso sentir, meu Fragmento… não está na direção da cidade Humana. Está se movendo, afastando-se, para lá.” falou, apontando com seus dedos magros para o Leste.

    “Então devemos partir agora?” A voz feminina indagou, mas a figura de olhos roxos balançou a cabeça, em negação. “Estou ansioso para recuperar meu Fragmento, mas encontrei algo nesse local que me chamou a atenção. Consegue sentir?”

    A figura feminina olhou em volta, mas negou com a cabeça.

    “Não sinto nada Mestre. O que seria?”

    A figura em manto violeta não respondeu, mas ajoelhou-se. Então cravou suas mãos pálidas no solo, pegando um punhado de terra aproximou de seu nariz, inspirando profundamente, após isso, lambeu sua palma, com uma língua roxa-negra viscosa, engolindo um pouco daquilo.

    “A maldade impregnada nesse lugar… É tão pura e saborosa. Não é algo que imaginei que veria num lugar como esse.” disse, com uma voz extasiada. A figura feminina ficou em silêncio, tentando entender do que seu Mestre falava. “Eu preciso ficar nesse lugar por mais tempo, tenho que seguir os rastros disso. Talvez eu não tenha outra oportunidade como essa.”

    “M-mestre? Mas o seu Fragmento de Corrupção?”

    “Ele é importante, mas eu posso criar outro em alguns anos. Porém, isso aqui é uma oportunidade única. Se eu puder desvendar o segredo, então… O caminho para me tornar um imortal pode não ser apenas um sonho. Mesmo a Mão Violeta não significaria nada!” declarou, com uma voz cheia de desejo. Então moveu a mão subitamente, retirando uma Pulseira de Armazenamento, jogando-a para a figura. “Messandra, eu tinha grandes planos para Kepler, porém ele falhou comigo. Mas você é diferente, você é a Aprendiz mais talentosa que já tive. Eu delegarei essa tarefa a você.”

    Após dizer isso, o sujeito cravou a mão dentro de seu próprio peito, então lentamente começou a retirar algo de seu próprio torso, numa visão grotesca e assustadora. Era um amontoado de carne e músculos, de cor escura e pútrida. Apesar da aparência, batia vigorosamente de forma lenta, mas constante.

    “Este é meu coração, minha Aprendiz, o Coração de Mayzor. Use-o, ele te guiará até o meu Fragmento. Traga-o até mim.”

    A figura feminina, chamada Messandra, ergueu as duas mãos, aceitando o item grotesco como se fosse a coisa mais valiosa que vira.

    “Eu seguirei as ordens do Mestre.” falou, quando desapareceu em sombras após receber os itens.

    Logo Mayzor olhou para longe, com seus olhos de cor roxa.

    “Esperem por mim, eu me tornarei o Quarto Rei e mostrarei a todos quem é Mayzor!” Ao dizer isso, todo o solo ao redor começou a tremer, quando mãos esqueléticas surgiram a partir da terra fofa.

    Sentados ao redor de uma fogueira, três figuras estavam descansando, enquanto bebiam água e se serviam de ração militar.

    “Ah, que fome!” Raul falou, mordendo um grande pedaço de carne seca, mastigando-a de forma desleixada. “Estou com tanta fome, que comeria um Bulai inteiro!”

    Vendo aquela cena, Lerona tinha um olhar de nojo.

    “Você poderia ao menos fechar a boca enquanto come?”

    “Hah? Por quê? Assim é mais saboroso!” falou, mastigando com a boca ainda mais aberta, enquanto olhava para a mulher ruiva propositalmente.

    “Qual o seu problema?” A Capitã falou, irritada, sem acreditar que alguém assim realmente tinha a mesma patente que ela.

    Após dois dias de viagem incessante, alternando entre voo e corrida, apenas parando para comer e fazer suas necessidades básicas, a expressão de Fernando estava mais pálida que o normal e ao ouvir mais uma discussão entre os dois Capitães, respirou fundo.

    Olhando para o pedaço de carne seca e dura em sua mão, não pôde deixar de lamentar-se.

    Quando o senhor Raul disse que já tinha suprimentos para a viagem, eu não imaginei que seria essa coisa… pensou, com uma expressão enjoada. A carne que estavam comendo era de péssima qualidade, tão dura quanto uma borracha seca e com um sabor forte e desagradável.

    Mesmo sendo alguém de origem humilde e que no passado estava acostumado a comer todo tipo de coisa, Fernando percebeu que havia mudado.

    Desde que chegou em Avalon ele havia comido vários tipos de alimentos deliciosos e com a formação da Unidade de Logística não havia um único dia que ele tinha tido uma refeição ruim, principalmente após contratar Chefes de Cozinha para se encarregarem do preparo de comida do Batalhão Zero.

    Se fosse o ‘eu’ de algum tempo atrás, provavelmente eu estaria chorando de alegria apenas de poder comer alguma carne, mas agora… pensou consigo mesmo, suspirando tristemente. Talvez eu tenha me tornado igual aquelas crianças mimadas de família rica?

    Depois de provar do bom e do melhor, era difícil se acostumar com coisas ruins.

    “Ei moleque, que cara é essa?” Raul perguntou, ao vê-lo encarando o pedaço de carne seca. “Parece que comeu merda de cachorro.”

    “Talvez merda de cachorro fosse melhor…” O rapaz pálido murmurou, ao dar mais uma mordida naquilo.

    De repente Fernando pensou em algo.

    E se eu comesse isso com Sopa de Delgnor? pensou, ao sentir a saliva inundar sua boca. Mas então olhou para os dois Capitães, preocupado. Afinal, se ele tirasse isso, teria que dividir com ambos.

    Ele não tinha problemas em compartilhar, já que havia trazido um bom estoque, a questão era quanto aos efeitos colaterais. O jovem Tenente não estava preocupado com Lerona, mas com Raul a situação era totalmente diferente.

    Apenas de imaginar o que aconteceria com o sujeito sob os efeitos colaterais daquilo, não pôde evitar estremecer.

    É melhor não… pensou, descartando imediatamente a ideia, quando deu mais uma mordida na carne seca. Após isso, levantou-se.

    “Ei! Onde você está indo?” Lerona perguntou, ao ver o rapaz se afastando e se preparando para segui-lo.

    “Banheiro.” Fernando respondeu secamente, acenando com a mão, enquanto se afastava.

    Nos últimos dois dias, a Capitã insistia em estar ao seu lado a cada momento. Ao ponto que até tentou segui-lo sempre que precisava fazer suas necessidades. Somente após uma intensa discussão com a mulher ruiva, é que ela concordou em lhe dar alguma privacidade.

    “Não vá muito longe, fique nos arredores.” Lerona gritou.

    “Ei, por que não vai lá balançar para ele também? Talvez o garoto goste.” Raul falou, rindo alto.

    “Calado, verme.” A mulher ruiva respondeu, irritada. “Se não fosse pelas ordens do General, eu…”

    “O quê? Você ia lavar minha roupa?”

    “Desgraçado!”

    Ouvindo as discussões, Fernando acelerou o passo, se afastando o máximo que podia.

    Apenas ouvir esses dois o tempo inteiro nos últimos dois dias enquanto tinha que se manter sem dormir estava lhe causando enxaquecas. Seu único momento de paz era nas pausas como essa.

    Quando finalmente não estava mais ouvindo a voz de Lerona e Raul, Fernando parou, olhando ao redor com cautela, aproximou-se de uma enorme árvore. Então, sem pensar muito, abaixou o zíper da calça e começou a urinar, sentindo um enorme alívio.

    Mesmo que pudesse aguentar ficar sem dormir por algum tempo, devido ao seu alto Físico, o restante de suas necessidades básicas ainda eram quase as mesmas de antes. No máximo, talvez ele pudesse suportar alguma fome e sede por um período maior que o de pessoas normais, devido ao seu corpo e ao mana presente nele.

    Quando terminou de se aliviar, Fernando sentiu um leve arrepio, quando ouviu algo.

    Ouuah! Oh, oh, ah!

    Uma melodia suave chegou aos seus ouvidos, era uma voz extremamente linda e calmante, mas que carregava um toque sedutor e atraente. Ouvir aquilo mediatamente fez todo seu corpo ficar leve e relaxado. Era como se todo o peso de suas preocupações e fardos estivessem lentamente sendo dispersos.

    Fernando achou aquele som tão gostoso e confortável, que sentiu que poderia apenas deitar ali no chão e dormir.

    Não, espera! O que está acontecendo?! O rapaz pálido exclamou mentalmente, num lampejo de clareza mental, quando rapidamente mordeu sua língua, para retornar a si mesmo. Então olhou de um lado ao outro, buscando de onde estava vindo esse som estranho.

    “Hahaha!” Uma risada doce e suave soou em resposta a sua atitude, fazendo Fernando ficar ainda mais em alerta.

    Olhando de um lado ao outro, ele se encostou na árvore atrás dele, quando moveu o pulso, retirando sua espada Formek e mantendo sua visão atenta, em busca de movimentos nos arredores.

    “Quem está aí?!” falou alto, com uma expressão fria.

    “Capitã Lerona! Senhor Raul!” Fernando gritou com todas as suas forças, em busca de ajuda.

    Ao não notar nenhuma resposta, o rapaz pálido começou a ficar nervoso.

    “Se mostre!”

    Apesar de esperar, nada respondeu de volta e nem havia movimento a vista, apenas o som da floresta.

    De repente, ele sentiu um toque suave em seu peito e ao olhar para baixo, uma mão delicada, de cor dourada, estava recostando-se sobre sua armadura, então outra rapidamente o envolveu do outro lado, abraçando-o. Antes que sequer pudesse reagir, um par de olhos dourados e profundos estava bem ao lado de seu rosto, olhando bem no fundo de seus olhos.

    Estou aqui.” Uma voz doce e melodiosa soou, em seu ouvido direito.

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