Capítulo 652 - Isca de Sapo
Ouvindo aquilo, Fernando apressadamente levantou-se, quando rapidamente moveu o pulso, retirando sua espada Formek da Pulseira de Armazenamento.
“Ajuda! Ajuda!” Gritos incessantes, indistinguíveis entre homem e mulher, soaram um após o outro, enquanto vultos passavam rapidamente pelas árvores.
A expressão do jovem pálido era fria. Anteriormente, durante a sua punição atuando nas Tropas de Exploração durante a retomada de Garância, ele havia se deparado com uma estranha Criatura das Trevas chamada Mandázia. Essa coisa não só era capaz de copiar a aparência de alguém, como podia até mesmo falar e agir como um Humano.
Se fosse antes, o rapaz talvez tivesse sido enganado pelos pedidos de socorro, mas após aquela experiência de quase morte, não cairia em um truque como esse novamente.
Apesar disso, o jovem Tenente não sabia se deveria acordar Raul e Lerona, já que as Criaturas das Trevas pareciam ter os encontrado. Enquanto ele estava pensando nisso, uma voz cansada soou:
“Apenas ignore, não são uma ameaça.” Raul falou, ainda com os olhos fechados.
Vendo isso, Fernando olhou para o sujeito de uma forma estranha. Até um momento atrás ele parecia estar dormindo profundamente e até estava roncando. Isso provava que mesmo em repouso, o Urso Tirânico ainda estava atento aos arredores.
“São Mandázias?” O rapaz indagou com a voz baixa para não acordar Lerona, enquanto observava a mata com cautela.
Raul abriu um dos olhos, quando observou o jovem Tenente com alguma surpresa por ele ter se deparado com algo tão raro como isso.
“Não, Mandázias são inteligentes o bastante para sequer pensarem em tentar caçar alguém do nosso nível e não fariam uma armadilha tão óbvia. O que está por perto são apenas Murmuradores, Criaturas das Trevas que imitam a voz Humana e de outros animais para atraí-los para longe de seus grupos. Eles são fracos e sabem disso, então estão tentando levar um de nós até a mata, já que nunca atacam grupos. Contanto que os ignore, logo desistirão e irão embora.”
A expressão de Fernando não mudou, quando ele apenas assentiu. Se era algo covarde e fraco que não atacaria o grupo, então não era algo com que deveria se preocupar.
Após explicar isso e ver que o jovem Tenente parecia confortável com a situação, Raul se virou de lado, voltando a dormir e logo seus roncos poderiam ser ouvidos novamente.
Sério, como ele consegue dormir tão rápido? pensou aturdido, com alguma inveja.
Mesmo em um local seguro e confortável, Fernando sempre ficava pensando em inúmeras coisas e só adormecia após algum tempo. Mas Raul parecia não se importar com nada ao seu redor, nem com o local em que estava dormindo e nem com qualquer outro problema.
Suspirando, o rapaz pálido voltou sua atenção para a mata, quando ativou novamente sua Visão Escura, observando atentamente os vultos que corriam de um lado ao outro pelas árvores.
De repente, ele viu uma pequena cabeça saindo de trás de um arbusto. Era uma criatura de cabeça achatada, com olhos negros fundos e pele escura. Seu corpo todo era extremamente magro e parecia ser frágil, além disso, era extremamente baixinho, com o corpo curvado para frente.
“Alguém me ajuda!” A criatura gritou, olhando diretamente para o rapaz pálido, como se esperasse alguma reação. Porém, ao contrário de suas expectativas, Fernando manteve uma expressão impassível e não se moveu nenhum pouco. Pelo contrário, voltou a sentar, observando confortavelmente a coisa com algum interesse.
A cabeça do ser girou lateralmente para baixo num ângulo estranho, ainda o encarando, enquanto seu corpo continuava imóvel, até que sua face ficou completamente de lado.
Ambos Humano e Criatura das Trevas se encararam, num silêncio palpável. A coisa se manteve observando atentamente o humano, enquanto o rapaz pálido também a analisava, com olhos gelados.
Tudo só cessou quando a coisa percebeu que Fernando não sairia do grupo, não só isso, mas mesmo com seu baixo intelecto, o Murmurador entendeu que aquele Humano não era o tipo de ser que ele deveria se arriscar a caçar. Seu olhar estava muito mais próximo de um predador do que de uma presa.
Sabendo que não conseguiria alimento ali, a criatura começou lentamente a recuar, desaparecendo na escuridão.
Se foi? Fernando pensou, ainda observando os entornos. Então, como se para confirmar sua suposição, vários barulhos nos entornos começaram a soar novamente.
Cruuu!
Ziiii!
Shsss!
Após o Murmurador ir embora, toda a mata, que outrora havia se calado, começou a cantar novamente, cheia de vida.
O jovem Tenente logo deu um suspiro. Mesmo que aquilo não fosse uma ameaça, ainda era extremamente desconfortável ser observado por aquela criatura.
Até mesmo os animais e insetos evitaram se mostrar quando aquilo apareceu. É quase como se toda a vida rejeitasse aquela coisa. refletiu, com interesse.
Mesmo ele sentia uma sensação ruim de aversão sempre que via uma Criatura das Trevas. Apesar dos hábitos daquilo se assemelharem a um animal, caçando e comendo para sobreviver, o sentimento que emitia era totalmente diferente, algo que beirava o abominável.
Após o Murmurador ir embora, mais nada aconteceu durante o turno de Fernando, então depois das duas horas, Lerona assumiu em seu lugar.
Deitado em sua cama, Fernando fechou os olhos, tentando dormir, mas logo os abriu novamente, olhando vagamente ao redor.
“Você deveria tentar dormir. Não se preocupe, eu cuido das coisas por aqui.” Lerona, que agora estava sentada com as pernas cruzadas, disse.
O jovem pálido a olhou por um momento, em dúvida.
“Como vocês conseguem dormir tão rápido?” perguntou, de forma sincera.
Ouvindo a indagação, a mulher olhou para o rapaz com um olhar estranho. Isso era algo básico para um militar, mas um Tenente Nomeado não sabia? Isso apenas a lembrou de como Fernando ainda era jovem e inexperiente, tendo subido de forma meteórica na cadeia de comando, mesmo sem saber muito sobre coisas básicas.
Então Lerona olhou para Raul, com indignação, sabendo que o sujeito o conheceu quando ele ainda era um Recruta e mesmo assim não ensinou algo tão simples.
“É normal que alguém se sinta inseguro quando dorme em locais perigosos, mas é fundamental para um soldado conseguir descansar quando pode, para sempre estar em plena forma e conseguir reagir adequadamente a qualquer situação. Então você precisa confiar suas costas nos seus companheiros, no caso, a mim.” A mulher ruiva falou, com uma voz serena e instrutiva. “Agora tente fechar seus olhos.”
O jovem Tenente ouviu com atenção e concordou com suas palavras, seguindo o que foi dito.
“Agora não foque em tentar dormir diretamente. Na verdade, não pense em nada, apenas foque em seguir o que eu digo. Começando pelo seu rosto, relaxe a tensão em sua face, incluindo bochechas, mandíbula, pálpebras e sobrancelhas, uma parte de cada vez.” Sob a voz tranquila da mulher ruiva, Fernando seguiu cada coisa dita, tentando seu melhor para descansar cada parte de seu rosto. “Agora vamos para outras áreas. Seus braços, ombros, peito, pernas, quadril e costas, relaxe músculo por músculo, até que todo seu corpo esteja tranquilo, sem nenhuma tensão.”
Inicialmente o rapaz achou que tudo isso era besteira e que não lhe serviria, mas ao seguir as instruções, sentiu uma estranha sensação tomando conta dele. Um sentimento de calma logo seguiu.
“Agora respire fundo e não pense em mais nada, apenas em sua respiração.”
Quando a mulher disse isso, Fernando começou a sentir sua mente começar a divagar, sinais de que o sono estava chegando. A sensação era confortável e pacifica, isso lhe lembrava vagamente de casa. Então, mesmo indo contra as instruções, ele abriu os olhos, olhou para o pouco do céu observável por entre a copa das árvores. Mesmo sendo uma noite escura, o céu ainda brilhava com inúmeras estrelas.
Apesar de estar em um mundo totalmente diferente, sob um céu que não conhecia, um único pensamento veio à sua mente.
Essa é uma noite linda. Essa foi a última coisa que Fernando pensou, ao fechar os olhos novamente e cair em um sono profundo.
Vendo o rapaz conseguir de primeira, Lerona observou tudo em silêncio, então seus lábios se curvaram fracamente, exibindo sua satisfação.
Isso a fez lembrar-se de seus velhos tempos como uma oficial de baixo nível, quando ensinava um bando de recrutas cheirando a leite como era a vida no exército. Porém, quando se tornou uma Capitã e assumiu oficialmente um papel na Cavalaria Blindada Nagalu, ao lado do homem que considerava como um pai, Rayzor, deixou de lidar com novatos.
“Tenha uma boa noite, Tenente.” sussurrou, com uma voz contida.
Poucas horas depois, Fernando, que estava em um sono profundo, sentiu uma leve dor nas costelas.
“Acorda moleque, hora de sair!” A voz de Raul soou, quando o rapaz se deu conta, o sujeito estava ao seu lado, pisando na sua armadura de forma despreocupada.
O jovem Tenente tinha um olhar irritado de ser acordado dessa forma, mas rapidamente levantou-se.
Após comerem alguma ração seca, o Capitão moreno logo olhou ao redor.
“Vamos contornar o Pantano Negro e depois de cruzar aquela serra, logo estaremos em Yandou.” declarou, apontando para longe.
Logo o trio começou a se mover, correndo pela floresta.
Enquanto corriam, passaram próximos à borda do que seria o Pantano Negro. Era uma floresta densa e úmida, cheia de vegetação escura e morta. Mesmo que o próprio solo da Zona Divergente fosse escuro, não era nada comparado àquilo; tudo parecia um piche escuro. Era claramente um lugar inabitável para a vida Humana. Além disso, a terra parecia quase líquida em algumas partes, sendo impossível saber se estava pisando em terra firme ou não.
Fernando deu uma olhada, então aproveitou que estavam com passos mais lentos e correu um pouco mais perto do pântano, para observá-lo melhor, mas foi subitamente puxado por Lerona.
Assim que ela fez isso, um enorme par de olhos esbugalhados mostrou-se sobre a lama negra. Eram olhos amarelos profundos, com iris laterais e logo mostrou parte de seu corpo, revelando um ser semelhante a um gigantesco sapo. A coisa saiu com todo seu corpo de dentro da lama, dando uma enorme bocada no local exato onde Fernando estava um momento antes.
O jovem Tenente ficou assustado com a velocidade daquilo, se não fosse Lerona ele teria sido pego por aquela coisa!
“Não chegue perto do pântano, seu idiota! Todo tipo de coisa se esconde na lama! Além disso, a maioria das Criaturas das Trevas fica na parte mais funda durante o dia!” A mulher ruiva declarou, com alguma raiva, pela insensatez do rapaz.
“Ei, espera!” Raul falou, quando parou seus passos apressadamente, observando a água negra. “Aquilo era… um Sapo Bronze adulto?!” falou, em voz alta, cheio de espanto.
Lerona e Fernando pararam seus passos também, quando a mulher balançou a cabeça, com alguma incerteza, enquanto tentava se lembrar.
“Não consegui ver direito.” respondeu, igualmente surpresa pela pergunta do homem.
“O que é isso?” Fernando perguntou, com alguma curiosidade.
“É um tipo de Monstro que cava a terra e a come e produz minérios em seu corpo a partir disso. É chamado de Sapo Bronze porque na maioria das vezes tem minério de bronze em suas costas, que é a área em que o metal se reúne em seu corpo.” Lerona explicou.
O rapaz pálido ficou impressionado, não imaginando que existia uma criatura tão exótica assim. Mas logo pensou em algo.
“Mesmo que seja dinheiro, não é apenas bronze?” perguntou, sem entender porque ambos pareciam interessados nisso.
Lerona olhou para Fernando de forma estranha. Para ela, mesmo algum bronze, que poderia ser forjado em moedas, era valioso. Apesar de ser uma Capitã, seu salário não era tão alto a ponto de ignorar dinheiro fácil e não entendia como um Tenente, que recebia menos que ela, tinha coragem de falar isso.
“Apesar do nome, bronze não é o único minério que ele produz. Dependendo do ambiente, ele também pode produzir prata, ouro e muitos outros. É por isso que esse bicho também é conhecido como Sapo-Grana por alguns caçadores.” explicou, de forma paciente. “Mas nem sempre o material que ele carrega é valioso, então realmente depende da sorte.”
“Merda, se for um, não podemos apenas sair depois de ver essa coisa.” Raul falou, sorrindo, enquanto esfregava as mãos, voltando todo o caminho até onde haviam visto a coisa.
A Capitã ruiva olhou para o sujeito com alguma incredulidade.
“Você não está pensando em entrar no Pantano Negro por causa daquilo? Mesmo que valha algum dinheiro, o risco…”
O sujeito deu de ombros.
“É claro que não, não sou maluco. Tenho uma ideia melhor que essa.” disse, olhando para Fernando, de forma maliciosa. “Garoto, chegue perto do pântano de novo, como fez antes.”
Ao ouvir o pedido bizarro, o rapaz olhou para ele de forma estranha.
“Que foi? Não confia em mim, moleque? Depois de tudo que passamos juntos?” O Capitão falou com uma voz triste.
O jovem Tenente continuou o olhando em silêncio, o que irritou o sujeito.
“Vamos lá garoto, seja minha isca de sapo.”
“Nem ferrando!”
Vendo que o rapaz estava resistindo, o sujeito começou a ficar irritado, temendo que a coisa fugisse.
“Anda logo, porra! Antes que aquilo fuja. Agora ande até lá, é uma ordem!”
Recebendo a ordem absurda, Fernando franziu o cenho, ele estava prestes a olhar para Lerona em busca de ajuda, mas a mulher ruiva desviou rapidamente o olhar. Ela claramente também estava interessada na ideia.
Até você Capitã Lerona? O rapaz exclamou mentalmente, levemente decepcionado, mas suspirou, seguindo com o que foi dito. Esse cara, ele não vai acabar me matando por causa de alguns trocados, vai?
Apesar da preocupação, seguiu a ordem quando lentamente começou a andar em direção ao Pântano Negro. Agora que não estava correndo, pôde observar com mais atenção o local. A partir de determinado ponto, a floresta comum acabava e a área lamacenta, totalmente negra, começava. Olhando para o líquido viscoso no chão, que parecia algum tipo de areia movediça.
“Não esqueça de parecer e agir delicioso!” Raul gritou, pouco atrás dele.
Como diabos eu devo ‘parecer delicioso’?! Fernando pensou, enquanto o xingava em sua cabeça.
De repente, bolhas saíram da lama, quando um vulto amarelado saltou, com seus grandes olhos em direção ao rapaz pálido, bem como sua enorme boca aberta.
Ao vê-lo novamente de perto, finalmente teve uma visão clara de seu tamanho, a coisa era tão grande quanto um boi!
M-merda!
Fernando rapidamente se jogou para trás, mas os olhos da coisa estavam fixamente travados dele. O enorme Sapo Bronze não parecia interessado em deixar sua presa escapar uma segunda vez.

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