Capítulo 223 - Fuga

Vendo a Tenente inimiga prestes a lançar seu ataque, todos ficaram com rostos pálidos, um misto de desespero e medo os inundou. Eles, de alguma forma, conseguiram percorrer boa parte da Cidade das Mil Flores e abater seu caminho até os portões, mas no final contra força absoluta não havia o que fazer.

Arslan Strauss tinha um rosto sereno, como um soldado que participou de inúmeras batalhas, ele sabia que sua hora chegaria um dia. Ele só não esperava que fosse ser numa cidade aleatória antes mesmo de chegar ao campo de batalha, decepção o preencheu nesses últimos momentos de vida.

“Ah!”

Assim como todos já tinham desistido, com alguns até mesmo ajoelhados, largando suas armas, viram a figura do jovem pálido avançando a passos largos. Acima de sua mão esquerda uma Lança de Fogo irradiando poder crepitava, parecia que perderia o controle e explodiria a qualquer momento, mas o rapaz não parecia preocupado.

Fernando mantinha um rosto calmo, sua visão estava focada unicamente naquela mulher, ele sabia que só tinha uma chance, se falhasse, todos, incluindo ele, morreriam.

A Tenente, acima das casas viu a cena de um pequeno garoto formando algum tipo de ataque com magia de fogo. Ela quase riu, seu olhar mostrando desdém, era como uma pequena formiga desafiando um poderoso Leão, por mais que a formiga mordesse e lutasse, era simplesmente insignificante demais.

Inicialmente, alguém como ela, uma Tenente, jamais lidaria com um assunto como esse, mas por ordens dos Lobos de Batalha, eles deveriam atrapalhar o exército que vinha da cidade de Vento Amarelo para apoiar os Leões Dourados. A Legião Pantera não era tola, mesmo que tivesse se submetido não queria causar uma batalha direta e trazer problemas para si, então atraiu apenas os Oficiais, patentes de baixo comando. Apesar de algumas baixas patentes parecerem não representar uma grande perda, ao perder muitos Oficiais, um exército iria se tornar muito mais difícil de comandar.

Deveria ser uma missão fácil e simples, eles atrairiam os Oficiais, os acusariam de assassinato e os prenderiam na Cidade das Mil Flores. Mesmo que outras legiões ou os próprios Leões Dourados os acusassem de prejudicá-los em tempos de guerra com outras raças, eles poderiam alegar que isso foi causado pelos mesmos e que libertariam esses Oficiais após a guerra depois que uma taxa fosse paga. Com isso, poderiam afetar um dos exércitos do inimigo, ao mesmo tempo que se isentavam de culpa.

Infelizmente nem tudo saiu como o planejado, de alguma forma esses Oficiais escaparam da emboscada e se espalharam pela cidade, causando caos por meio de incêndios e explosões. Vendo esse desenrolar ridículo, ela como uma das Tenentes se viu obrigada a intervir.

Ao se lembrar do fracasso que foi essa missão, todo seu humor azedou. Sem pensar muito levantou sua Bola de Fogo, depois de tudo que as formigas abaixo causaram, não havia como mantê-los vivos, seria uma vergonha para a Cidade das Mil Flores. Então moveu o pulso para a frente, impulsionando a grande Bola de Fogo acima.

Ao ver isso, a expressão de Fernando mudou, esse era o momento que ele esperava! Normalmente seria impossível para alguém como ele parar um ataque de uma Tenente, mas havia algo com o que estava contando, o mana armazenado em sua Espada Formek.

Usando o mana armazenado, o moveu descuidadamente pelo seu corpo, focando tudo na Lança de Fogo acima de sua palma. Fernando pretendia recriar o que Tom havia feito anteriormente, causando uma ‘sobrecarga’ na sua magia e a explodindo. Mesmo sabendo que era arriscado e que poderia acabar morrendo com o menor erro, qual era o sentido em ser cauteloso num cenário de morte certa? Era fazer ou morrer!

A Lança de Fogo emitiu estalos e crepitações sinistras, que fizeram seus pêlos arrepiarem-se. Seu corpo estava inundado de mana, cada pedacinho de suas Veias de Mana estavam cheias do poder que vinha da Espada Formek em sua mão. Por sorte o mana da espada era muito mais suave que o da Pedra, então não sentiu seu corpo doer tanto.

De repente a Lança de Fogo emitiu um barulho estranho e chamas começaram a derramar-se, nesse momento Fernando sabia que tinha atingido o limite. Então sem pensar ativou seu Disparo Neural, controlando todo o mana em seu corpo e da lança, então o jogou com todas suas forças em direção a Bola de Fogo que vinha em sua direção.

De um lado uma grande Bola de Fogo, de mais de dez metros aproximava-se, do outro uma lança de cerca de dois metros.

A Tenente riu de desdém, um mero Oficial queria enfrentá-la com magias de fogo, ela, uma maga especializada no estudo do elemento fogo.

A lança avançou rapidamente em direção a Bola de Fogo, cortando o ar como uma faca quente na manteiga, mas no último momento desviou para a lateral direita da bola.

Todos do grupo, mesmo os mais céticos, ainda carregavam um pequeno fio de esperança, mas ao verem a lança se desviando da trajetória, tinham rostos perplexos. O jovem na verdade tinha errado o ataque! Vendo isso, Arslan sorriu pateticamente.

A quem eu estou tentando enganar? Ter esperança de um garoto enfrentar um ataque de um Tenente? Onde eu estava com a cabeça? O mero pensamento sem fundamento o fez rir de si mesmo. Olhando para o garoto queria dar algumas últimas palavras de consolação, mas assim que o fez viu o jovem com um rosto tenso, se virando e começando a correr em sua direção.

“Vão!!!”

O que? O que ele quer dizer? Nós já estamos com o pé na cova, de que adianta correr?

Apesar de pensar isso, seu corpo move-se involuntariamente, correndo em direção aos portões. Alguns instintivamente correram ao ver o grito do jovem, outros permaneciam parados, sem entender.

Fernando correu com todas as suas forças, devido a ter dado tudo de si nesse ataque, suas Veias de Mana estavam uma bagunça completa, impossibilitando-o de usar seus Passos Tirânicos. Então ele simplesmente correu, correu sem olhar para trás.

A Tenente, acima nos céus viu essa cena com um olhar peculiar, pensando ‘de que adianta correr agora?’. Porém, de repente, sua expressão mudou.

BOOM!!!

A Lança de Fogo que havia desviado para a direita, na verdade explodiu repentinamente assim que estava a poucos metros da Bola de Fogo. O que a mulher viu a seguir a deixou sem palavras, seu ataque na verdade começou a mudar de direção depois da explosão! Mudando subitamente para a esquerda.

Esse era justamente o plano de Fernando, ele nunca planejou enfrentar aquilo de frente. Usando a Lança de Fogo como catalisador, a fez desempenhar a função de alavanca, explodindo-a em pleno ar, beneficiando-se da pressão exercida pela explosão para forçar o ataque a mudar seu ponto de impacto.

Você pode ser mais forte que eu, mas todos aqueles anos de estudo não foram para nada! Fernando pensou consigo mesmo, enquanto corria. Lembrando de todas as noites que passou em claro fazendo cálculos e resolvendo problemas de matemática e física, ele não seria um inútil se não conseguisse usar nada daquele conhecimento em seu benefício?

KABOOM!

A Bola de Fogo atingiu primeiro uma das torres de vigia, então avançou com força total, queimando e vaporizando todos os edifícios até atingir fortemente a muralha.

Aqueles do grupo que foram lentos para reagir e não correram quando Fernando gritou, foram pegos por estilhaços e lançados longe pela força do impacto. Mesmo que o ataque tenha se desviado para longe, ainda não era longe o bastante para que não fossem afetados.

Fernando viu um dos Oficiais sendo jogado longe, enquanto outro teve sua cabeça esmagada por uma estrutura metálica. Rangendo os dentes ele correu, não estava em posição de ajudar os outros, tudo que podia fazer era usar seu Disparo Neural e desviar do máximo de detritos enquanto corria.

Nina Baumer tinha um rosto pálido, ela estava próxima do portão então teve sorte de não ser tão afetada, assim que viu uma brecha larga o suficiente para passar, saltou para fora sem hesitação.

Os demais correram como se suas vidas dependessem disso, porque na verdade elas realmente dependiam! Ao verem Fernando, que estava mais distante, ultrapassá-los como uma ferrari ultrapassando um fusca, eles correram ainda mais rápido.

Merda, ele não tava lá atrás? Como esse cara corre tanto?! Arslan exclamou mentalmente.

Fogo e fumaça se espalharam por todo o local, a Tenente que outrora pensava estar no controle da situação, viu atônita os inimigos escapando pelo portão. Seus olhos esbugalhados mostravam o quão incrédula estava. 

Não! Não posso deixar nenhum deles viver, se um único escapar nossa retórica vai cair por água abaixo!

Se alguns dos Oficiais escapassem, seriam evidências vivas. Se ela pelo menos os matasse, poderia alegar para outras legiões que toda a destruição e caos na cidade foram causados por eles saqueando os cidadãos e era mais que justificada suas mortes. Mas se escapassem, informações sobre a Legião Pantera agindo ativamente para prejudicá-los, iria chegar até os ouvidos dos Leões Dourados levando a possíveis represálias no futuro. Ela, como uma pequena Tenente, não poderia assumir essa responsabilidade!

Usando todo seu mana, avançou em perseguição, mesmo que velocidade não fosse seu forte, só precisava desperdiçar algum mana para avançar mais rapidamente.

Ao todo, apenas dez pessoas cruzaram os portões, com Fernando incluso. Os demais ou foram muito lentos, ou pegos na explosão.

Olhando para o exército ao longe, Fernando franziu a testa. O QG do exército parecia ter notado algo de errado e tinha destacado tropas, que avançavam em sua direção, mas ainda estava muito longe, eles logo seriam pegos!

Ouvindo um zumbido cortando os céus, a pele de Fernando começou a formigar com um mal pressentimento. Ao olhar para trás, viu a Tenente inimiga cruzando o topo da muralha. Nesse momento sentiu seu coração parar, não havia mais truques em sua manga, nem ideias loucas.

A mulher parecia furiosa, cortou o ar como uma flecha em sua direção. As pernas de todos fraquejaram nesse momento ao sentir a pressão sobre seus corpos.

Nesse momento Fernando tirou sua espada Lumeris, sem pensar duas vezes parou e apontou para o inimigo.

Swish! Swish! Swish!

De repente três Lanças de Fogo surgiram e foram imediatamente disparadas, essa era sua última carta na manga. Sua espada Lumeris poderia armazenar três magias previamente e serem liberadas posteriormente. Não havia tempo para criar outras magias por si mesmo, então essa era sua melhor chance.

Quando a Tenente estava a 50 metros de distância, as Flechas de Fogo chegaram até ela.

Bang! Bang! Bang!

Os três ataques pareciam acertar uma parede invisível, era uma barreira feita de fogo! Ao ver a mulher avançar como se nada tivesse acontecido, Fernando ficou sem palavras, ele tinha feito o seu melhor, usado tudo ao seu dispor e mesmo assim ainda morreria.

Merda!! Gritando em sua mente, sacou sua espada Formek e correu em direção ao inimigo, se ele fosse morrer, era melhor que fosse lutando do que alvejado pelas costas.

A Tenente levantou uma sobrancelha ao ver o jovem que desviou seu ataque correndo em sua direção, então sorriu com brutalidade. Era como ver uma mariposa correndo em direção ao fogo.

Assim que Fernando estava a dez metros da mulher, já havia aceitado sua morte. Pensando em seu ‘eu’ na Terra, lamentou consigo mesmo. No fim ele havia falhado, nem conseguiu sobreviver nesse mundo e ainda arrastou seu ‘eu’ original com ele. Sua família dependia em grande parte dele, nem queria pensar nas consequências disso.

Levantando suas espadas, viu o sorriso sinistro da Tenente inimiga, a mulher nem parecia vê-lo como uma ameaça. Suas mãos carregavam chamas que engoliam tudo ao redor, espalhando-se pelo ar.

Assim que ambos estavam prestes a se atingir, uma figura surgiu à sua frente, como se fosse uma ilusão.

“Heh, nada mal, acabou de sair de Vento Amarelo e já está sendo perseguido por mulheres. Você realmente não perde tempo.”

Ao ouvir a voz familiar, o coração de Fernando saltou.