Capítulo 370 - Promessas
“Silêncio, voltem sem fazer qualquer barulho, precisamos informar o Fernando com urgência.” Lance sussurrou, com um rosto escuro, em direção aos poucos soldados abaixados e escondidos ao seu lado, enquanto olhava para a visão assustadora à frente.
Não muito longe, havia um ser gigantesco sentado, com aparência humanoide, um único olho e roupas rústicas. Ele deveria ter mais de cinco metros de altura em pé. Estava devorando o que parecia ser o corpo de um Orc morto.
Mas o mais preocupante não era este, e sim os outros seis que estavam de pé, aparentemente ‘brincando’ com alguns Orcs vivos como se fossem brinquedos, empurrando-os e cutucando-os. Sempre que os ‘pequenos’ homens verdes tentavam fugir, às criaturas os pegavam, arrancando ou quebrando um de seus membros.
Os soldados que viram isso, tinham rostos pálidos. Se mesmo Orcs, que eram enormes e fortes estavam sendo tratados assim, o que aconteceria com simples soldados humanos nas mãos dessas coisas?
Após observarem por algum tempo, o grupo saiu de forma silenciosa, sem alertar as criaturas.
De volta ao Batalhão Zero, Fernando estava com um olhar cansado no rosto. Era o terceiro dia desde que começaram a rumar para Garância, após o acampamento Orc ser destruído. Os problemas surgiam um após o outro, dando-lhe uma grande dor de cabeça.
Nesse meio tempo, o exército de Wayne havia enviado alguns batedores para recolher parte do saque após os Orcs se dispersarem, mas devido à magia conjunta do Herin com os magos das Legiões Salamandra e Aurora, a maior parte dos corpos das criaturas foram completamente destruídos, restando apenas seus cristais, com alguns danificados, o que diminuia muito seu valor.
Nos últimos dias, o Batalhão, como uma das Tropas de Exploração, havia enfrentado diversas patrulhas Orcs, Monstros e mesmo Criaturas das Trevas. Nesse ponto, as baixas estavam começando a se acumular, fazendo com que o jovem Tenente e os outros membros centrais tivessem que atuar cada vez mais.
Eles não poderiam parar de analisar o terreno, mapeando e ‘limpando’, visando criar o melhor caminho para o grande exército. Era um avanço lento, mas constante.
Além disso tudo, alguns membros estavam agindo fora do normal, o que o fez ficar pensativo.
Após a missão do acampamento dos Orcs, no final daquele dia, Fernando havia fingido ir buscar os membros da Equipe de Infiltração, apenas para retirá-los do Anel de Aprisionamento.
Felizmente, devido a Brakas ter cuidado dos ferimentos críticos, Archie, Kelly e Lenny apresentavam apenas machucados leves. No entanto, os dois homens passaram a agir fora do comum após retornarem.
O Oficial loiro, em especial, passou a andar mais com o Esquadrão de Louise, assim como evitar se afastar muito do Batalhão nas missões de avanço. Seu jeito animado e brincalhão também parecia ter desaparecido, tornando-se muito mais cauteloso. Por outro lado, Lenny parecia mais retraído e havia até mesmo algum medo em seus olhos sempre que cruzavam com o olhar do jovem Tenente.
Mesmo tendo conversado com todos e explicando mais ou menos a situação, para que não espalhassem nada sobre o Beholder ou Theodora, Fernando não pôde evitar sentir-se ansioso.
Suspira!
Brakas havia sugerido a ele que usasse um contrato de servidão em Lenny, pois o homem parecia muito inquieto. Porém, Fernando acabou rejeitando essa ideia. Mesmo que achasse arriscado deixar esse segredo exposto para alguém de fora de seu círculo mais íntimo, achou que usar da força, nessa situação, contra aqueles que estavam sob ele não era o jeito certo de fazer as coisas.
Se eu fizesse isso, qual seria a diferença entre mim e pessoas como a Guilda Massacre? pensou, cheio de dúvidas.
Apesar de ter recusado no final, o pensamento passou pela sua cabeça por uma ou duas vezes.
Enquanto pensava sobre isso, um soldado veio correndo em sua direção, parando e o saudando.
“Tenente, os Bubas estão de volta!” O homem falou, com a voz rouca.
Ouvindo isso, a expressão de Fernando ficou fria. Ao contrário do que pensou inicialmente, os Orcs não eram, atualmente, a única grande ameaça na Zona Divergente.
Nos últimos dois dias, nuvens de insetos gigantes, do tamanho de um punho, vinham atacando as tropas do Batalhão. Eram semelhantes a joaninhas gigantes, mas tinham uma cor amarelada e um longo ferrão, que usavam para drenar sangue de suas vítimas. Eram chamados de Besouros Bubas.
“Reúna todos os magos!”
Em poucos minutos, Fernando, Tom, Theodora, Louise, Trayan, Emily e vários dos outros membros do Batalhão, que eram proficientes em magia, se reuniram.
Shaaaa! Bang!
Bolas de fogo e outras magias explodiram contra as nuvens de insetos, que pousavam em todos os lugares, desde o chão, a até mesmo cobrindo algumas das árvores gigantes por inteiro.
Os membros da Unidade de Logística recuaram, cheios de medo, enquanto as tropas se protegiam com seus escudos. O enxame de insetos era tão grande que era ineficiente insistir em matá-los com espadas, lanças e outras armas afiadas, sendo magias a melhor solução.
Boom! Boom!
“De novo!” Fernando gritou, quando os magos lançaram outra saraivada de magias, levantando uma parede de chamas entre os soldados e os insetos. Os poucos que atravessavam voando, eram rapidamente abatidos pelos soldados.
Ziiiii!
Depois de cerca de dez minutos, o ‘corpo’ do enxame, no qual estava a maior parte deles, que havia pousado nas copas das árvores acima, começou a emitir um chiado estridente, então levantou voou, partindo para outro lugar.
Vendo isso, o jovem pálido e os outros suspiraram aliviados.
“E lá vão eles de novo.” Ilgner disse, com um sorriso, enquanto todo seu rosto estava sujo de uma gosma verde-amarelada, de tantos insetos que havia esmagado.
Apesar de não serem criaturas inteligentes, o enxame de Besouros Bubas parecia funcionar de forma lógica. Sempre que sofriam muitas perdas ao buscar alimento, as criaturas desistiriam de seu alvo, partindo para um novo lugar.
“Que droga, por que tudo nesse mundo quer um pedaço de mim? Eu sei que pareço ser deliciosa, mas isso é demais!” Emily disse, enquanto tirava um pedaço de besouro morto preso a sua armadura, com um rosto enojado.
“Recolham tudo!” Um homem velho disse. Era Damon, o Sargento aposentado, encarregado de liderar a Unidade de Logística.
Assim que o sujeito disse isso, as pessoas da Unidade rapidamente avançaram, pegando os restos de inseto do chão e das árvores, das áreas que não foram afetadas pelo fogo.
“Senhor Damon, isso é realmente necessário? Essa coisa é… tão nojenta.” Karol, que havia se familiarizado com o velho homem, disse.
Em resposta, o sujeito sorriu, mostrando uma expressão educada.
“Senhorita Karol, é absolutamente necessário. Apesar de serem perigosos em enxames grandes, os Besouros Bubas são ótimos ingredientes na alquimia. Um valor considerável pode ser obtido apenas vendendo seus restos.”
Ouvindo isso, Karol, Emily e alguns outros tinham expressões estranhas, principalmente ao ver o rosto sorridente de uma mulher da Unidade de Logística, que manuseava o corpo molenga e grudento de uma das criaturas mortas.
Com o assunto dos besouros resolvido, todos rapidamente voltaram aos seus afazeres, organizando seu pessoal para voltarem a avançar.
“Tenente Fernando, poderia me dar um minuto de seu tempo?” Damon perguntou, de forma educada.
O jovem Tenente assentiu. Mesmo sem que o homem dissesse qualquer coisa, já imaginava do que se tratava.
Conforme prometido, Fernando fez alguns desvios ao longo do caminho nos últimos dias, para averiguar pequenas fortalezas e vilas onde familiares dos membros da Unidade de Logística viviam anteriormente, em busca de possíveis sobreviventes. Entretanto, não importa onde fossem, tudo que encontraram eram ruínas e restos de corpos, que nesse ponto já haviam sido, na maior parte, atacados por animais e outras criaturas.
“Já mandei um Esquadrão verificar uma rota para o lugar que me pediu, eles devem voltar logo.” Fernando disse, com um rosto calmo.
“Oh, isso é ótimo. Eu fico verdadeiramente agradecido ao senhor.” O velho homem respondeu, numa mistura de felicidade e melancolia.
Enquanto conversava com o sujeito, sua Pulseira emitiu um leve ruído, indicando um pedido de comunicação. Ao ouvir as palavras de Lance, em sua mente, pelo Cubo Comunicador, sua expressão mudou.
Numa pequena área, Fernando estava reunido com alguns membros centrais do Batalhão Zero.
“Então você está dizendo que nessa área tem pelo menos sete Ciclopes adultos? E que é justamente a área onde iríamos investigar em busca de sobreviventes?” Noah falou, com um rosto franzido ao olhar para Lance, que estava dando seu relatório a todos. “Fernando, eu lamento pelo pessoal da Unidade de Logística, mas acho que devemos ignorar esse lugar. Peço desculpas a você também, Sargento Damon, mas é simplesmente muito arriscado.”
Ao dizer isso, Damon, que estava em silêncio, olhou para baixo, sem dizer nada. Mesmo que o jovem Tenente se recusasse a investigar, ele não poderia pedir que reconsiderasse sua decisão, pois além do Fernando estar fazendo muito mais do que outras pessoas fariam, o velho entendia a gravidade da situação.
“Como você pode falar dessa forma? Temos que analisar a situação com mais calma. Você não sabe como é perder alguém, Noah?” Karol falou, com um olhar penetrante.
“Eu tenho que concordar com o Noah, se há sete Ciclopes na área, devem haver mais deles não muito longe.” Ilgner falou, com os braços cruzados. “Além disso, nossa missão é abrir caminho para o exército, se perdemos homens e tempo com tantos desvios, isso pode nos gerar alguns problemas.”
Noah ficou levemente surpreso com o bárbaro loiro concordando com sua opinião, já que ambos costumavam ter diversos atritos nas discussões.
Muitos ficaram em silêncio, aguardando a decisão do seu comandante imediato. Entretanto, o mesmo não respondeu imediatamente, mas olhou para um par de velho e jovem, que estavam não muito longe. Eram Wedsnagauer e Alfie Caiman.
“O que o senhor pensa a respeito, senhor Wedsnagauer?”
Inicialmente, mesmo com a recomendação de Ferman, Fernando não confiava muito nos dois homens. Entretanto, desde a ajuda que recebeu do velho quando encontrou o General Zado pela primeira vez, somado a vários palpites e histórias que o mesmo compartilhava, acabou se tornando alguém que o jovem Tenente considerava quando estava em dúvidas, se tornando verdadeiramente um Consultor.
O velho homem, com sua longa barba, que parecia ter uma expressão apática e confusa, acordou ao ouvir seu nome. Então ficou em silêncio, de forma pensativa por um momento.
“Ciclopes são criaturas estranhas, alguns vivem isolados, enquanto outros gostam de andar em grupos e formar ninhos. Se você encontrou alguns, provavelmente há outros não muito longe. Mas um Ciclope adulto tem no máximo a força para combater um Tenente, dificilmente chegando a isso. A maioria deles ficam na média de poder para se sobressair perante a um Oficial. Por isso, geralmente se usa pequenos grupos para caçar os solitários. Com tantas pessoas capazes aqui, não deve ser um problema subjugá-los.”
As palavras do velho homem soariam como uma piada de mau gosto se alguém de fora as ouvissem. Ter a força para matar um Oficial, com alguns de sua raça chegando a até mesmo no nível para subjugar um Tenente, seria algo extremamente ameaçador para tropas lideradas justamente por um Tenente, mas o Mestre de Runas estava dizendo que não era um problema para o Batalhão.
Entretanto, para todos os presentes ali, suas palavras pareciam ser estranhamente razoáveis.
Além de Fernando, Ilgner, Theodora, Tom e muitos outros tinham uma força monstruosa. Se não fosse por haver tantos monstros no Batalhão Zero, eles não teriam tido tão poucas perdas nos últimos dias.
Ouvindo isso, o jovem Tenente assentiu.
“Promessas e acordos devem ser cumpridos. Eu dei minha palavra ao senhor Damon e aos outros, e não vou voltar atrás. Preparem-se, estamos partindo.” disse, com uma voz calma e o rosto inexpressivo.
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