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    Perfura! Perfura!

    Com um olhar calmo e sangue escorrendo pelo rosto, Fernando observou em silêncio, enquanto os Soldados finalizavam os últimos Orcs vivos.

    Em vários pontos do corredor, os homens continuavam usando suas armas para perfurar os corpos que pareciam intactos, hora e outra era possível ouvir um grito ou gemido.

    “Já acabamos por aqui!” Noah gritou na comunicação.

    “Aqui também, tinha alguns se fingindo de mortos, mas acho que pegamos todos eles.” Trayan falou.

    Após cercar em torno de 1.000 Dobats, sob a liderança de Silvester e Jack, junto aos outros Capitães e o Batalhão Zero, as criaturas acabaram não tendo a mínima chance. Mesmo os quatro Orcs Líderes não haviam escapado, sendo caçados pelos Majores no espaço estreito, encurralados feito ratos presos em uma ratoeira.

    Apesar de parecer algo cruel matar os inimigos derrotados e feridos, o jovem Tenente sabia que não havia espaço para ser de coração mole, ainda mais quando se tratava de Orcs. 

    Essas criaturas eram simplesmente monstros sanguinários, ele próprio já havia visto com seus próprios olhos do que eram capazes e o que faziam com os Humanos pegos, então não sentiu nem um pingo de remorso em retribuir sua crueldade.

    “Precisamos remanejar as tropas da Sexta e Sétima Brigadas e fechar o corredor assim que as chamas baixarem.” Jack disse, ao olhar para longe, mesmo ele, um Major, estava completamente ensanguentado após o fim do massacre.

    Fernando, que ouviu isso, assentiu. Isso era exatamente o que ele estava planejando, a estratégia do corredor havia funcionado muito bem, mas era completamente inviável repeti-la. Não só os Orcs do lado de fora pareciam saber o que havia acontecido lá dentro, devido aos gritos, como ficaram ainda mais agressivos e agitados, fazendo com que a Sexta e Sétima novamente tivessem dificuldades de manter suas posições.

    Apesar da situação ter se estabilizado com a presença dos Capitães Combatentes e do ataque à retaguarda da Horda Orc por parte da Brigada Salazar, o número de inimigos ainda era simplesmente muito alto.

    Mesmo após a perda de quase 1.000 Orcs dentro do corredor e das baixas sofridas no ataque surpresa em sua retaguarda, o exército inimigo no Leste ainda era muito poderoso, com mais de 6.000. Por outro lado, as tropas da Sexta e Sétima Brigadas, somadas às do Batalhão Zero e Bemir, que compunham metade das forças da Nona, totalizavam menos de 2.500 homens após tantos conflitos e baixas.

    Ainda que fosse somado o reforço da Brigada Salazar, com mais 2.000 homens, as forças mal chegavam a 4.500 e ainda havia o fato do Capitão Alonso Allen e suas tropas estarem no extremo oposto, então seria difícil coordenarem investidas juntos. Tanto Fernando, quanto Jack e Silvester, sabiam bem disso.

    Além disso, ainda havia o conflito no Sul, onde a Oitava Brigada, mais a outra metade da Nona, com cerca de 2.000, mal estavam se segurando contra 4.000 Orcs.

    Atualmente o jovem Tenente estava dedicando todo seu foco para lidar com o Leste, afinal Dimitri e os outros Majores estavam no Sul. Mesmo que todos estivessem feridos, suas capacidades de liderança e comando ainda estavam lá e eles deveriam ser capazes de se segurar por algum tempo.

    “Fernando!” Enquanto o rapaz pensava sobre o que fazer a seguir, ouviu uma voz familiar que fez seu coração, endurecido pela visão de pilhas e pilhas de corpos, mover-se.

    Ao olhar para trás, viu Karol, montada em seu Lobo Prateado. Inicialmente ele estava feliz em ouvi-la, mas ao perceber o braço e perna da garota com ferimentos, sua expressão mudou, então rapidamente correu em direção a ela.

    Tanto Jack, quanto Silvester, que estavam próximos, viram isso com surpresa, principalmente a mudança de atitude do jovem.

    “Humph, no fim, ainda é um pivete, que corre atrás de um rabo de saia.” O Major caolho declarou, balançando a cabeça em desaprovação. Eles estavam no meio de uma discussão estratégica e o rapaz simplesmente saiu assim.

    Mesmo Silvester teve que concordar com o velho homem dessa vez. No exército, tudo que importava era o trabalho, coisas como vida privada não deveriam ser misturadas.

    Ambos os homens estavam verdadeiramente impressionados com as conquistas e talentos do jovem rapaz, mas também perceberam que ainda havia um longo caminho para ele pela frente.

    “O que aconteceu? Você está bem?!” Fernando perguntou, aproximando-se.

    Ao ver o olhar preocupado e em pânico de seu marido, Karol sorriu.

    “Eu estou bem, não se preocupe.” disse, tentando descer do Lobo Prateado, que se abaixou lentamente, para facilitar o desmonte de sua mestra. O próprio Lobo também estava com seu pelo branco manchado de sangue, havia até mesmo vários cortes enormes.

    Nesse momento, Anane, junto a alguns outros Soldados do Esquadrão Dama de Prata, aproximaram-se. O velho homem, ao receber o olhar do jovem Tenente, imediatamente ajoelhou-se, colocando sua lança no chão, onde havia corpos por todo o lado.

    “Este sente muito por falhar em minha obrigação. A jovem senhora feriu-se por Anane ser incompetente.”

    Ao ouvir isso, o olhar de Fernando se intensificou.

    “I-isso não é verdade, eu me machuquei porque fui desatenta. Se não fosse por Anane…” A Cabo, falou, aproximando-se do velho homem e o ajudando a se levantar.

    Assim como ela havia dito, sua vida havia sido salva pelo lanceiro. Numa das investidas surpresa do Esquadrão Dama de Prata no Primeiro Pelotão, Karol havia ficado para trás para ajudar alguns dos cavaleiros mais lentos e graças a isso um Orc havia derrubado-a de seu Lobo Prateado.

    Se não fosse por Anane tendo uma reação rápida e decisiva, voltando para ajudá-la, a mulher sabia que muito provavelmente não teria conseguido.

    Quando Fernando ouviu a respeito, respirou fundo. Pois sabia que não havia culpados nisso se não ele próprio. Que tipo de homem permitia que sua esposa lutasse numa guerra?

    Esse era o preço de se viver nesse mundo, de buscar sobreviver e ter mais poder. Era como um círculo vicioso, quanto mais alguém queria viver, mais riscos teria que assumir.

    Quantas milhares de pessoas morreram nesta única batalha? O jovem Tenente sabia que se ele fosse um mero Soldado, não poderia proteger nem sequer sua própria vida, muito menos daqueles próximos a ele.

    “Ninguém aqui tem culpa.” O rapaz disse, não repreendendo o velho ou dizendo qualquer coisa, ele apenas colocou sua mão no braço de Karol, usando sua Magia de Cura.

    Ao ver isso, Anane pareceu entender, levantando-se e prestando seus respeitos ao seu superior.

    Enquanto recebia tratamento de Fernando, Karol olhou em volta, com uma expressão preocupada e até mesmo levemente horrorizada. A quantidade de corpos de Orcs criava pilhas por todos os lados.

    O jovem Tenente percebeu isso, conhecendo o lado gentil de sua esposa, entendeu o que se passava em sua mente.

    “Não podíamos poupá-los, eram eles ou nós.” disse, com uma expressão decisiva.

    Ouvindo isso, Karol olhou para ele com hesitação, então colocou sua palma em seu rosto.

    “Está tudo bem.” falou, com um leve sorriso.

    Fernando ficou surpreso ao ver isso, a mulher não disse qualquer palavra contrária às suas decisões. Na verdade, era mais como se ela estivesse o consolando por ter que fazer isso.

    Um misto de sentimentos complicados inundou seu peito. A verdade é que por mais repulsa que tivesse pelos inimigos, ainda não era fácil derramar tanto sangue. Ouvir seus gritos, súplicas e tentativas de fugir e sobreviver. 

    Ainda que fizesse o possível para não demonstrar, a verdade é que o rapaz sentia a pressão disso tudo, então receber essas palavras reconfortantes da boca de sua amada fez com que o peso em seu coração ficasse mais leve.

    Colocando a palma sobre a de Karol, que tocava sua bochecha, ambos se olharam. Mesmo sem trocar palavras, pareciam se comunicar com os olhos.

    “Comandante Provisório, logo o fogo das Balistas vai enfraquecer, é melhor tomar uma decisão logo. Você disse que iria assumir o comando, então é melhor deixar de namorico e fazer seu trabalho.” A voz de Jack soou, de forma desaforada.

    Ouvindo isso, Fernando respirou fundo, tentando manter a calma. Por mais irritado que estivesse com o sujeito, precisava dele.

    Em sua visão, ele não tinha certeza do motivo do Major estar cooperando tanto após terem tido problemas anteriormente, mas sabia que precisava do homem, caso quisesse levá-los a sobreviver naquele dia.

    “Tenho que ir.” O jovem Tenente disse, preparando-se para sair, então olhou para Anane, que estava afastado. “Leve-a para a Unidade de Logística para receber o tratamento.”

    O velho homem assentiu com a cabeça em resposta. Atualmente as tropas da Unidade de Logística, sob a supervisão do Sargento Damon, estavam, em grande parte, cuidando dos feridos, recolhendo os corpos dos mortos, ou recolhendo o saque dos inimigos mortos pelo Batalhão Zero.

    Mesmo Jack, Silvester e Mendes ficaram surpresos ao ver que havia pessoas apenas para isso no pequeno Batalhão Nomeado.

    Normalmente, numa batalha em larga escala como essa, era algo antiético recolher o saque antes que tudo acabasse, afinal a divisão de lucros deveria ser feita pelo alto comando, mas como eles não sabiam sequer se poderiam vencer ou mesmo sobreviver, além das contribuições do jovem Tenente, fez com que os Majores fizessem vista grossa para essa situação.

    Fernando também sabia disso, mas percebeu que as intenções de Damon eram claras. Se eles perdessem a batalha e fossem obrigados a recuar, pelo menos levariam o máximo de saque que pudessem.

    Reunindo os Oficiais, Majores e Capitães, Fernando olhou para todos com um olhar calmo.

    “O Batalhão Zero deve avançar, vamos ocupar o espaço vazio do corredor e nos unir a batalha ao lado da Sexta e Sétima Brigadas. Serei franco com todos, eu não tenho mais planos ou estratégias que possamos usar. Tudo que resta agora é lutar, vamos manter essa posição, custe o que custar.”

    Ao ouvir isso, todos ficaram surpresos, em especial, o Major Jack que parecia não gostar nem um pouco disso. Ter uma disputa de resistência com as tropas Orc era uma péssima escolha em sua opinião.

    Embora os números de ambos os lados parecessem estar emparelhados, com cerca de 2.500 ali e mais 2.000 do outro lado, na Brigada Salazar, totalizando 4.500, contra os 6.000 Orcs, todos sabiam que os inimigos eram máquinas de guerra muito superiores aos Humanos. 

    Orcs poderiam continuar lutando por horas e horas a fio, enquanto as pessoas eventualmente se cansariam, sendo desgastadas pouco a pouco. Somado a força individual dos Dobats, que era maior que dos Humanos, faziam-nos estar em uma completa desvantagem.

    Apesar disso, todos, incluindo Jack e Silvester, entenderem que não havia escolha. Agora tudo se resumia a se Wayne e os outros Generais derrotariam o exército central inimigo ou não.

    Enquanto todos pareciam estar pensativos a respeito, Theodora, que estava ao lado de Fernando, pareceu sentir algo. Todo seu corpo arrepiou-se, quando seu olhar ergue-se em direção ao céu. 

    Rapidamente a Subtenente aproximou-se do jovem Tenente, cochichando em seu ouvido.

    “Líder, algo não está certo. Sinto uma sensação estranha no céu, está ficando mais forte.”

    Apesar dela falar baixo, Jack que estava ao lado ouviu isso. Lembrando-se do aviso anterior do rapaz, pouco antes do ataque do Xamã, olhou de forma desconfiada para a mulher.

    Ela talvez tenha alguma Característica de detecção? perguntou-se, chocado.

    Pessoas com Características eram indivíduos, na maioria das vezes, nascidos em Avalon, que possuíam certas individualidades anormais. A maioria delas eram inúteis e até prejudiciais, como ter uma regeneração de mana natural alta, mas possuir alergia a Poções de Mana, ou conseguir sentir inimigos próximos, mas ser cego.

    Dizia-se que isso acontecia como uma forma de punição da Matriz do Mundo, para balancear a situação e impedir que anomalias surgissem. Mesmo que alguém tivesse uma Característica, sempre teria uma deficiência, que na maioria das vezes levava seus portadores à morte em tenra idade.

    Entretanto, algumas vezes, alguns indivíduos abençoados nasciam com Características poderosas e deficiências contornáveis. Pessoas assim eram extremamente visadas pelas Legiões e Guildas, principalmente aquelas que tinham individualidades relacionadas a rastreio e detecção.

    Ping! Ping!

    Enquanto o jovem Tenente ouvia a respeito, sentiu uma sensação fria atingindo sua testa. Ao olhar para cima, notou pingos caindo.

    Chuva? pensou, intrigado. De repente, lembrou-se das palavras de Theodora, pouco antes do ataque do Xamã. Segundo ela, havia um fraco cheiro de chuva no ar, mesmo que o céu estivesse completamente claro, com apenas nuvens brancas.

    Inicialmente Fernando achou que era devido ao Urukkan, mas para a Subtenente ter sentido isso novamente, definitivamente havia algo de estranho nisso.

    O jovem Tenente queria pedir a Medusa para usar seus olhos, mas com tantos Majores e Capitães por perto, simplesmente não havia como fazer isso.

    Cabrum!

    Um forte trovão soou, quando os céus começaram a escurecer, um forte vento soprou, vindo do leste, enquanto gotas de chuva começaram a cair sem parar.

    “O que está acontecendo? O tempo mudou do nada.” Um Soldado falou, impressionado.

    Ao contrário de todos os outros, os Majores Jack e Silvester sentiram um certo calafrio ao notar o estranho fenômeno. Mesmo que o clima na Zona Divergente fosse anormal, mudando a todo momento, essa mudança era simplesmente brusca demais!

    “Avancem!” Enquanto todos pensavam sobre o estranho fenômeno, Fernando incitou as tropas do Batalhão Zero. “Temos que fechar a abertura, antes que as chamas se apaguem!”

    Com a chuva, naturalmente, as chamas das Balistas seriam extintas muito mais rápido do que o esperado. Se os Orcs voltassem a entrar no corredor novamente, seria difícil expulsá-los e como eles precisavam adotar uma estratégia diferente, para conservar suas forças, não poderiam permitir isso.

    Quando todos estavam prestes a se mover, um arrepio frio passou por todo o campo de batalha e uma estranha, e poderosa voz soou.

    “Eu, Calima, Arandur, em nome da rainha, declaro que Humanos e Orcs se submetam!”

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