Capítulo 13: Acorrentado à Vida
O dia seguia no mesmo ritmo de sempre… como se tudo que acontecia nas sombras continuasse lá.
E com Louie não era diferente.
— Ugh… minha cabeça… — murmurou, mexendo de leve as pontas dos dedos. — Meus olhos… parece até que alguém costurou eles… não consigo nem abrir de tanto que dói.
Soltou um suspiro pesado, ainda de olhos fechados, como se não tivesse força nem pra isso.
— Essa dor tá pior que ressaca… — sorriu de leve, meio dolorido. — Não que eu saiba como é… mas deve ser menos pior que isso. Se não, só sendo idiota pra beber algo que te deixasse assim… né?
O silêncio do lugar era assustador. Tão quieto que dava pra ouvir cada batida do coração, como um tambor dentro do peito.
— Isso aí só pode ser culpa daquele merdinha… Seixos, Seprus… sei lá o nome do desgraçado. — Forçou a voz, batendo de leve no próprio rosto. — Acorda, Louie! Bora levantar, porra!
Com uma careta de esforço, foi abrindo os olhos devagar, aos poucos.
A visão estava turva, embaçada… e, quando finalmente recuperou o foco, tudo que viu foi uma escuridão densa. Nada além disso.
Passou a mão pelo chão, como se procurasse uma moeda perdida no meio da rua à noite.
— Que?… Esse chão… é estranho. Liso e áspero ao mesmo tempo. Que material é esse?
Se ajeitou, sentando de pernas esticadas, passando as duas mãos pelo solo, tentando decifrar o que era aquilo.
Deu uns três tapinhas rápidos no chão.
— Caralho… Esse chão é gelado e duro pra cacete. — Levou a mão ao queixo, como se fosse um detetive resolvendo um mistério. — E esse cheiro… metálico, azedo… Não me lembro de nada assim nem em Porto Alegre… nem em Áurea.
Ficou ali, concentrado, tentando botar a mente pra funcionar.
— Hmmmm… Hmmmm… — murmurou, espremendo o cérebro, tentando fazer seus dois neurônios funcionarem. — Saquei… Não faço a menor ideia!
Diz fazendo uma cara de paspalho.
— Mas isso é estranho, no desenho que eu vi do detetive Conan isso dava certo… Será que o problema é a posição dos meus dedos? — Disse, tentando mudar as posições do dedos, infelizmente sem alcançar sucesso nenhum.
Levou as mãos ao chão e suspirou, como se desistisse de pensar.
— Aaaa… deixa pra lá.
Ele se levantou, caminhou pela pequena sala quadrada e escura, tentando compreender melhor onde estava.
— Mas o que realmente é Isso? Uma cela? Não tem nenhuma abertura nela… — Ele questionou a própria mente, buscando alguma saída dali. — Por quanto tempo eu fiquei desacordado? A Nina e Emi vão ficar preocupadas. — falou, soltando uma leve risada.
Mas “aquilo” à sua volta não era só uma simples cela escura. E sim uma construção impossível e fora de lógica.
Algo que sequer Áurea, com todo seu avanço tecnológico e domínio sobre os poderes Kaelums, conseguiria projetar, pelo menos… atualmente.
As paredes ao seu redor — suaves ao toque e, ao mesmo tempo, absurdamente sólidas.
Estavam muito longe de uma prisão de concreto ou metal comum…
Pareciam fundir o brilho metálico do ferro, a dureza absoluta do diamante e a maleabilidade do carbono…
Não… Aquilo não era uma mera fusão de elementos.
Era uma reorganização completa, uma arquitetura atômica nunca antes vista na ciência moderna, um material com uma resistência completamente desumana.
Como se os próprios fundamentos da matéria tivessem sidos realinhados sob novas leis.
E toda essa matéria, agora estava ali, compactado em paredes de pelo menos trinta centímetros de espessura.
E só alguém com um poder Kaelum conseguiria fazer algo desse nível — dominar e manipular a matéria no nível mais bruto possível.
Mexer nela como quisesse, tendo poder para desarticular, desalinhar e alinhar novamente, controlando cada ligação como se fossem fios de tecido na mão.
Louie ainda se sentia meio tonto. Sua cabeça latejava sem parar, a cada segundo que passava parecia piorar mais e mais, o próprio ambiente a sua volta, incluindo o cheiro de ferrugem, o ar denso, e a falta de luz — pareciam feitos pra sugar qualquer vontade física ou mental de seguir em frente.
Sem muita ideia do que fazer, acabou se sentando, encostando as costas na parede fria e dura da cela.
— Agh… essa merda de dor não passa nunca… — murmurou, apoiando a testa na mão, como se tentasse segurar o cérebro que se debatia dentro de sua cabeça. — O que eu deveria fazer? O que o Kael faria?… O que a minha mãe faria nessa situação?
Ficou em silêncio por alguns segundos, respirando fundo.
— …
— Mãe, né… mas será que dá mesmo pra considerar ela assim? — falou baixo, fechando os olhos com força, e virando seu rosto pro teto escuro da cela. — Tecnicamente eu sou filho dela… mas, ao mesmo tempo, não sou também…
Apertou as mãos contra o rosto, tentando se desligar da dor, nem que fosse por um instante.
— Eu sei que o objetivo do Sethros é me fazer pensar desse jeito… mas… será que ele não tá certo no que disse?
Falou baixo, a voz quase se perdendo no vazio, enquanto seus olhos encaravam a escuridão, como se ela pudesse dar alguma resposta para o que ele procurava.
— Será que eu… tenho mesmo alguma importância como o eu de agora? Ou será que sou só… um simples brinquedo quebrado que, se não for consertado com o tempo, perde a graça, perde a função… e ninguém ligaria mais pra ele?
Louie passou a mão no rosto, fechando os olhos por um instante. A cabeça fervia em dor, fome e dúvidas.
Era como se a cabeça dele fosse uma sala branca, enorme, vazia… só ele lá dentro, cercado por uns poucos cacos do que um dia já foi.
Mas esses pedaços eram deixados para trás por milhares e milhares de perguntas e medos que ninguém garantia respostas a ele.
Um futuro não só incerto e imprevisível… Mas sim… indesejável.
— Por que eu tenho que me enfiar nisso tudo do nada? Nem sei quem são essas pessoas, muito menos o que querem comigo!
Ele suspirou devagar.
— E eu nem… sei quem eu sou de verdade… Talvez eu devesse só… desistir mesmo.
Seus olhos ficavam cada vez mais fundos, quase sumindo do mundo.
— Se nem ao menos uma vida normal eu posso ter… Eu nem queria ter existi—
Mas, antes que a mente dele caísse de vez naquele buraco de dúvidas, um barulho cortou o silêncio.
O som era metálico, travado, como uma porta de gaiola emperrada, que tentavam abrir na força.
Junto do som, um leve tremor percorreu as paredes da cela.
CLAAC.
Uma portinhola minúscula se abriu na enorme porta daquele material esquisito que ele nunca tinha visto.
Com ela aberta, uma luz fraca começou a invadir a cela, mais parecia a de uma lanterna do que de uma lâmpada de verdade.
E dali, por aquela portinha apertada, empurraram um prato de comida.
O prato parecia de madeira e rangia de um jeito irritante ao ser forçado pra dentro, como se alguém estivesse raspando faca em metal..
Louie ficou olhando o prato entrando na cela, queria gritar ou pelo menos chamar quem fosse que tinha empurrado aquilo.
Mas o corpo não obedecia. Pesado demais, a garganta travada. Parecia que cada músculo dele gritava pra ele parar.
Sem muita opção, se apoiou na parede com a mão e, com o braço, foi se arrastando devagar até o prato, quase rastejando pelo chão frio.
Quando viu o que tinha dentro do prato, Louie não pensou em nada.
Só se jogou, igual um animal faminto caindo em cima da presa.
Pegou o arroz, feijão e os legumes com as próprias mãos e começou a devorar ali mesmo.
Sem tempo, sem jeito, todo seu instinto tomou conta. Era quase como se ele tivesse virado um animal por alguns segundos.
Após avançar de forma desesperada na comida, Louie parou recupera seus sentidos por um instante.
Sem entender o que motivava seu corpo a avançar, perguntava a si mesmo:
— “Eu… eu não sei mesmo…”
Seus olhos começaram a encher de água, as gotas caiam direto na comida, mas ele nem ligava mais, não parava de devorar a comida de jeito nenhum.
— “Se eu estava falando de desistir agora mesmo… Então por que… por que eu ainda luto pra sobreviver? Por que meu corpo ainda luta pra continuar vivo em um mundo onde nem mesmo sei quem eu sou de verdade?”
— “Por que eu… Desejo tanto viver?!”
Enquanto comia, Louie nem ligava pros sons que vinham do corredor em frente à sua cela, tudo abafado pelos próprios pensamentos.
Mas ali, naquele corredor escuro em frente a cela de Louie, duas vozes conversavam entre si.
— Que nojo, ele está comendo de uma forma… nada elegante. — disse uma voz grave. — Parece até um animal devorando uma carniça…
— E daí? O que importa é que ele tá mandando ver na comida. Já é um bom sinal, pô. — respondeu a segunda voz. — Ia ser mó problemão se ele morresse de fome só por não querer comer…
— Você está certo… Então vamos logo, não quero olhar pra esse deselegante nem por mais um segundo.
— Você nunca vai largar essa parada de elegância, né?
— NUNCA.
— Aaaaaaah, foda-se também, vamo embora logo.
Quando Louie percebeu as vozes que ecoavam pelo corredor, parou de comer por um segundo e levantou os olhos pra portinhola.
Ela se fechou de repente, em uma batida seca, mas deu pra ele ver em um instante antes, por milésimos de segundos, dois pares de olhos.
Um brilhava na escuridão, verde como esmeralda.
O outro… um rosa rosa choque vivo e ardente.
E então, de novo, só sobrou um corredor silencioso atrás da grande porta.
O chão tremia levemente com os passos que se afastavam.
E Louie… voltou a enfiar a comida na boca, agora sem tanta pressa e desespero como antes, mas ainda com aquela estranha e nova vontade de se manter vivo, que se recusava a deixar o mundo daquele jeito.
Depois de terminar tudo, com o prato vazio jogado de lado, Louie se encostou de novo na parede metálica da cela.
Novamente, sozinho…
Naquela escuridão que mais parecia um reflexo da prisão invisível que carregava desde que acordou como seu “eu” de agora, sem lembrar ao menos lembrar quem era.
E preso por correntes invisíveis a olhos nus.
Com apenas poucas fagulhas restantes daquele… hediondo massacre do colégio Península.
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