Capítulo 13: A cela escura
Louie abriu os olhos com dificuldade, como se suas pálpebras estivessem seladas por chumbo líquido. Uma dor latejante pulsava em sua cabeça, irradiando da nuca até as têmporas com cada batida do coração. Ele estava deitado de lado, sobre uma superfície fria, dura — e estranhamente lisa, como se polida com precisão molecular. O ar ali era denso, pesado, com o cheiro metálico de sangue oxidado, ozônio e algo mais sutil, químico… sintético.
À medida que a sua visão turva se ajustava, Louie percebeu o contorno do lugar onde estava: uma cela pequena, sem janelas, absolutamente simétrica, sem falhas visíveis no teto ou nas paredes. As superfícies não eram de concreto, ferro ou aço, mas de algo novo — uma liga escura e opaca, com reflexos sutis de azul e roxo. Cada centímetro parecia inquebrável, impenetrável. Não havia rachaduras. Nem para onde correr.
— O que é… Isso?
Ele questionou a própria mente — como se houvesse outro alguém ali dentro, sussurrando verdades que ele não queria ouvir. Mas aquilo à sua volta não era um delírio. A cela… não era feita de simples metal.
Não era apenas um material.
Era uma construção impossível. Algo que sequer Áurea, com todo seu avanço tecnológico e domínio sobre os elementos, ousaria projetar. As paredes ao seu redor — suaves ao toque e, ao mesmo tempo, irredutivelmente sólidas — pareciam fundir o brilho metálico do ferro, a dureza imaculada do diamante e a rigidez absoluta do carbono cristalizado. Mas Louie percebia que era mais do que uma fusão: era uma reorganização completa, uma arquitetura atômica inédita. Como se os próprios fundamentos da matéria tivessem sido desconstruídos e realinhados sob novas leis.
Essa cela não fora forjada. Ela havia sido concebida.
E apenas um usuário do poder Kaelum seria capaz de tal façanha — o domínio absoluto da matéria em sua forma mais pura, permitindo desfazer, reconfigurar e reconstruir estruturas do zero, controlando ligações moleculares como se fossem fios de tecido.
E ele entendeu, com a clareza de quem enxerga a própria sentença escrita diante de si: quem quer que o tivesse trancado ali… não queria que ele escapasse.
Não facilmente.
Talvez nunca.
A única abertura na cela era uma portinhola quadrada e reforçada, embutida perfeitamente na porta. Nem mesmo suas habilidades de raio no seu nível atual fariam efeito ali — ele sentia isso. O campo era isolado, o ambiente neutro. Estavam drenando sua energia, aos poucos.
Louie tentou se levantar, mas foi vencido por um cansaço subito. Uma onda de náusea e cansaço o lançou de volta ao chão. Ele arfou, os olhos arregalados. Fragmentos desconexos assombravam sua mente: corredores úmidos, luzes vermelhas piscando em ruínas industriais, mãos enluvadas o arrastando, uma voz ecoando como trovão dentro de sua consciência.
Sethros.
O nome emergiu como uma lâmina na água parada. Cortando tudo. Desorganizando.
Ele se encolheu involuntariamente ao lembrar da presença daquele homem. Seus olhos não pareciam humanos. E suas palavras… cada frase falada por Sethros parecia ter o peso de um veredicto. Não era uma simples conversa — era um processo de lapidação. Uma esculpidura direta na alma de Louie.
Ele se lembrava das perguntas. Da sensação de que estava sendo desnudado por dentro. Sethros não precisava de violência para destruir alguém — bastava sua voz. Mas havia algo que Louie não conseguia alcançar. Respostas. O ser a quem Sethros falou a ele ainda estava em sua mente. Como um pedaço da sua história arrancada de si.
Fechou os olhos, forçando-se a lembrar. E encontrou apenas uma frustração inútil.
Quando conseguiu se sentar, apoiando-se com esforço contra a parede imaculada, olhou em volta. A cela era minimalista até o extremo. Uma cama de estrutura moldada diretamente na parede, uma mesa sem juntas aparentes, e uma cadeira — essa sim destacável — feita do mesmo material escuro e translúcido.
A cadeira… estava ligeiramente fora do lugar.
Louie aproximou-se com passos lentos. Quando passou a mão pelo assento, sentiu um calor residual. Alguém estivera ali. Não há muito tempo. Observando-o? Monitorando? Falando com ele… enquanto estava inconsciente?
Porém, outra pergunta surgiu como um raio, atravessando sua mente antes que pudesse impedi-la:
— Por quanto tempo eu estive inconsciente?
A pergunta escapou de seus lábios em um sussurro seco, mas carregado de urgência. E antes mesmo que pudesse considerar uma resposta — antes que sua mente tropeçasse em suposições frágeis — um som reverberou pela estrutura ao seu redor.
Um som grave e preciso, como um eco vindo das entranhas de algo não humano.
A vibração percorreu as paredes da cela, não como um simples ruído, mas como uma confirmação silenciosa de que ele não estava sozinho.
A estrutura — fria, rígida, impossível de nomear — respondeu não com palavras, mas com presença.
Clac.
Um estalo de travas magnéticas se libertando ecoou do lado de fora. A pequena portinhola se abriu, revelando o brilho branco do corredor. Um prato deslizante foi empurrado com precisão cirúrgica. Arroz, legumes, carne cozida no vapor. E uma garrafa de vidro transparente contendo água pura. O cheiro o atingiu como um soco de realidade.
Louie hesitou. Algo dentro dele dizia para não comer. Mas o corpo falava mais alto. A fome era real, quase dolorida. Ele se ajoelhou e começou a comer, não com pressa desesperada, mas com a urgência de quem sabia que precisava continuar em pé. Cada garfada era um alívio — tensa, cautelosa, e ao mesmo tempo faminta. Como se a cada colherada tentasse calar o medo, o cansaço… e a solidão.
Enquanto comia, sons abafados chegaram até ele. Vozes. Duas. Uma grave, inconfundível. A outra, mais jovem, vacilante.
— Ele está comendo de forma nada elegante…— disse a voz grave. — Que… Desagradável.
— O que importa é que ele está comendo… Isso já éum bom sinal — respondeu a segunda.
Louie ergueu os olhos. O corredor estava silencioso. Passos se afastavam. Mas algo permanecia. Como se uma parte de Sethros ainda estivesse ali, impressa no ar.
Louie encostou-se novamente à parede e deixou o prato de lado por alguns integrantes, ainda com comida. O sabor desaparecera. Sua mente retornava à cela — não física, mas mental. Havia algo selado dentro dele. Algo que Sethros não queria que ele lembrasse. Ou… algo que Louie havia escolhido esquecer.
E aquela cela — aquela cela feita do mais puro desconhecido — não era apenas para impedir fugas. Era simbólica para Louie. Estava ali para lembrá-lo de que o que o prendia não era apenas o exterior. Mas o que carregava em si.
A cela escura era, acima de tudo, um reflexo da prisão invisível que o cercava desde muito antes de chegar ali.
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