CAPÍTULO ANTERIOR

    Após colidirem com algumas paredes, tanto Louie quanto Vorgath conseguem frear com esforço.

    Os dois estavam arfando de dor.

    Encarando os irmãos, Louie pensou, os olhos quase se fechando.

    — “A Reconstrução Eletrocinética já está no limite… eu estou tonto de tanto forçar o meu corpo a se regenerar. Devo ter no máximo mais uma ou duas curas antes de ficar inconsciente.”

    Ele suspira, tentando abafar a dor do corte e do soco que recebeu.

    O peito escorrendo sangue com a ferida aberta.

    — “Por enquanto… Tenho que suportar essa dor.” — Seu olhar já embaçado. — “Mas eles também já estão no limite… Eu só preciso de mais uma… só de mais uma brecha. E eu finalizo eles!”


    Cambaleando, e com sangue escorrendo de sua boca, Louie levanta seu olhar confiante, acompanhado de um sorriso quase debochado.

    Ambos os olhos, mesmo em tons diferentes, brilhavam como nunca.

    Não por arrogância…

    Mas por convicção.

    — “Ele não está se curando… Será que… chegou no máximo que pode se curar?” — se questiona Vorgath, olhando atentamente para os ferimentos de Louie. — “Se esse realmente for o caso, eu e Gorthok podemos vencer!”

    Fumaça saía de seus braços com cobertura metálica, que agora emitia um brilho ardente como fogo.

    — “Ele não vai aguentar mais uma troca de golpes comigo sem se regenerar! E no estado que ele tá, vou vencer dele no mano a mano!” — Vorgath fecha o punho, se preparando para a investida. — “Talvez… eu consiga finalizar ele nessa próxima trocação, antes de superaquecer de vez!”

    E então, sem uma troca de palavras sequer, Louie e Vorgath avançam com tudo pra cima um do outro.

    Mesmo feridos, seguiam firmes.

    Cada metro percorrido era como uma declaração dos dois lados, de que ainda não tinha acabado.

    E, por fim, quando finalmente os punhos de ambos iam se chocar, os olhos de Louie mudaram sua mira…

    — “Agora!” — pensa Louie.

    No mesmo instante, a eletricidade emanou por seu corpo, fechando instantaneamente seus ferimentos.

    Então, com o corpo curado e um movimento tão bem executado quanto um passo de dança, desviou de forma milimétrica do golpe de Vorgath.

    — Desculpa… Mas meu alvo não era tu. — cochicha Louie, investindo tão rápido quanto um raio pra cima de Gorthok.

    — “Q-que!? Ele ainda conseguia se curar?!” — pensou Vorgath, os dentes rangendo. — “Então era só um blefe?!”

    Em um instante, Louie já estava em frente a Gorthok.

    — “M-merda! Ele tá muito rápido!” — pensava Gorthok, sem saídas. — “N-não vai dar pra desviar!”

    Com um movimento simples, Louie desferiu um soco direto no queixo de Gorthok.

    Mesmo enfraquecido pelo desgaste, o golpe foi forte o bastante para despedaçar completamente a armadura de argila que cobria seu rosto.

    O impacto o lançou aos céus, rompendo o teto e desaparecendo da visão de todos ao atravessar o topo do prédio.

    O recuo do golpe explodiu em uma onda de vento brutal, sacudindo o prédio e rachando o chão ao redor de Louie.

    O edifício não duraria muito mais golpes; mesmo com a nova sustentação feita por Gorthok, ele já estava no seu limite.

    E tanto Louie quanto os dois irmãos já sabiam disso.

    Vorgath assistiu seu irmão voar em silêncio, não por frieza ou indiferença, mas por um desespero tão forte que o impedia até mesmo de proferir uma palavra sequer naquele momento.

    E tudo que ele não podia falar, ficava aprisionado, gritando em sua cabeça.

    Era… medo.

    O mais puro e sincero medo de perder a única pessoa que chamava de família…

    Comparado àquele sentimento, a dor do calor que o consumia cada vez mais de dentro para fora parecia inexistente.

    — G-Gorthok… — murmura de forma travada, como se as palavras se recusassem a sair. — “Meu corpo já está no limite… A temperatura não para de subir… Merda! Se eu atacar mais uma vez, vou explodir… Não tem mais volta. Tudo que eu posso fazer agora é…”

    Seu corpo estava trêmulo, tentando se manter de pé com as poucas forças restantes.

    — “Já que eu vou ser perigoso até mesmo para o Gorthok…” — Seu braço latejava, como se fosse uma bomba-relógio prestes a detonar. — “Então… eu tenho que dar um jeito dele sair daqui!”

    Vorgath fecha os olhos por um breve instante, como se estivesse se preparando mentalmente para o que vinha a seguir.

    Após um breve momento de preparação, ele enfim abre os olhos.

    E, com o olhar sem arrependimentos, grita com todas as forças que ainda lhe restavam, fazendo sua voz ecoar pelo prédio inteiro.

    — GORTHOK! SE ESTIVER ME OUVINDO, FOGE! PRECISAMOS AVISAR SETHROS SOBRE O QUE ACONTECEU AQUI! POR ISSO, VÁ!

    No topo do prédio, Gorthok, sentado no chão com poças do próprio sangue à volta de si, ouve o grito desesperado de seu irmão, que se espalhava por todo o prédio.

    — Mas que porra esse otário tá falando… — murmura, sendo interrompido por uma súbita tosse seca, cuspindo sangue. — …Até parece que eu ia meter o pé e te abandonar, né… Seu idiota…

    Ele apoia uma das mãos no chão rachado, os músculos tremendo, o corpo inteiro dolorido.

    — Ainda bem que eu consegui fazer um braço de argila pra me agarrar aqui no topo do prédio… Se não, nem quero imaginar onde eu ia tá a essa hora.

    Ele tenta se levantar, sendo impedido por uma repentina dor, que trava completamente todo seu corpo.

    — Puta merda, na moral! Que dor filha da puta!!

    O olhar de Gorthok se estende pelo buraco na cobertura, o mrsmo caminho que fez até ali em cima.

    — Vai ser difícil da gente ganhar desse muleke do jeito que a gente tá agora… Huff…

    Geme de dor, forçando novamente, e, enfim, ficando de pé.

    — E pensar que… uma casca, sem memória e nenhuma experiência de combate, ia ser forte desse jeito… que bagulho sinistro…

    Então, com um movimento lento, cria à sua frente um quadrado feito de argila, interligado ao prédio por uma espécie de cabo do mesmo material, que o sustentava.

    Após subir no quadrado, como um elevador, desce pelo gigante abismo de dez andares até o térreo.

    Ao chegar no chão, é recebido rapidamente pelo olhar surpreso de Louie e Vorgath.

    — Olha só… Como é que tu tinha dito antes mesmo…? “Mas que bela entrada dramática, hein…” — diz Louie, um sorriso sarcástico no rosto, mas por trás lutava para se manter em pé — eu pensei que tu ia fugir como um covarde… fico feliz em estar errado.

    — Não enche, pirralho… — retruca Gorthok, irritado pela dor.

    — Que foi? Eu estava te elogian-

    Antes que Louie pudesse continuar, é interrompido por um grito desesperado.

    — IDIOTA! — Era Vorgath, olhando para Gorthok com o rosto tomado pelo medo e desespero. — Por que tu ainda tá aqui?! Tu poderia já ter fugido!

    — Idiota é tu por realmente achar que eu faria isso! — rebate Gorthok, ofegante, o corpo molengo, como se fosse anestesiado pela dor.

    — “Eles… eles vão começar a brigar entre si agora…?” — pensa Louie, olhando sem entender pros irmãos. — “Bom… não seria algo ruim pra mim… afinal, o blefe da cura não vai funcionar de novo, e sinto que vou desmaiar a qualquer momento… Então, quando eles se distraírem… eu acabo com isso!”

    — Gorthok, por favor… me escuta. — diz Vorgath, encarando o irmão com um olhar sincero. — Alguém precisa avisar o Sethros… Por isso, um de nós tem que sair vivo daqui.

    — Então por que não vai você?! — rapidamente retruca Gorthok.

    Vorgath hesita por um segundo. A voz sai baixa, quase quebrada:

    — Porque eu… já não tenho mais volta.

    — O… o quê? — Gorthok arregala os olhos, assustado.

    — A camada de titânio do meu corpo foi rachada há um tempo já, Gorthok. — explica Vorgath, com um olhar triste. — Neste momento, eu sou uma bomba-relógio que não pode mais ser desarmada. Estando aqui ou não, eu vou explodir logo. E eu… não quero que você esteja perto quando isso acontecer.

    Ele respira fundo, se aproximando de Gorthok com passos lentos. Sua mão, trêmula, caiu com firmeza sobre o ombro do irmão.

    — Então… pode ver isso como um último pedido egoísta meu — disse Vorgath, com a voz calma — deixa eu dar algum significado pra minha vida… nem que seja no fim dela.

    Ele abaixou a cabeça por um instante, como se o peso das memórias recaísse como uma enorme pedra sobre suas costas.

    — Eu já falhei contigo e com Sethros antes. Como irmão mais velho, mesmo sem ser de sangue, era minha responsabilidade cuidar de vocês. — Sua mão suava sobre o ombro de Gorthok — Mas eu… eu não consegui proteger vocês dos experimentos deles… nem mesmo impedir que continuassem nesse caminho.

    Vorgath deu um passo mais perto, encarando o irmão com um olhar coberto de inquietação.

    — Por isso… essa é minha última chance de consertar tudo. Então… me deixa te proteger. Afinal… se eu já tô condenado a morrer, que pelo menos seja de forma elegante!

    — I-irmão… — sussurra Gorthok, uma lágrima escorrendo entre as feridas do rosto. — Mas… eu…

    — Por favor… — repete Vorgath, agora com um sorriso fraco, porém genuíno.

    Gorthok fecha os olhos. Sua mente e corpo hesitam por um segundo, mas, silenciosamente, ele aceita…

    — …Certo. — diz, enxugando o choro.

    Se fingindo de forte, ele se vira e corre entre os destroços.

    Atravessa várias das aberturas do prédio, destruídas pela luta.

    Por onde passava, um rastro de sangue ficava para trás.

    — Vorgath… você é um imbecil… O maior imbecil de todos… — murmura, os olhos cheios de lágrimas escorrendo sem parar pelo rosto coberto de feridas.

    — Mas… também é o imbecil mais elegante de todos. Esse seu sacrifício… sem dúvidas ficará marcado, pelo menos para mim, como o mais elegante de todos!

    Com a mão no peito, ele solta um último grito coberto de lágrimas para o irmão…

    — EU JURO QUE VOU LEMBRAR DE TI PRA SEMPRE… IRMÃO!

    Sua voz ecoou por todo o quarteirão e, claro, chegou até Vorgath.

    — Obrigado… maninho. — Vorgath suspira de alívio.

    Louie apenas escutava o que Vorgath havia dito, sem se meter em um único momento da conversa entre irmãos.

    Sua cabeça estava uma mistura de sentimentos que nunca experienciou antes; bom… não como o ele de agora, pelo menos…

    Ele sentia confusão, surpresa… mas, principalmente… conexão.

    Louie permanecia parado, o corpo trêmulo e o coração acelerado.

    As palavras de Vorgath para seu irmão ainda ecoavam em sua mente, como um sino que insistia em ressoar.

    Ele havia escutado tudo.

    E, por mais que tentasse organizar os pensamentos, sua mente estava um caos.

    Isso tudo era comprovado com uma reação tão inesperada quanto espontânea do próprio corpo.

    Uma lágrima que descia pelo seu olho esquerdo.

    Sem entender o próprio corpo, Louie olha para a palma da própria mão, como se tentasse segurar a lágrima que caía pelo ar.

    Vorgath encarava Louie, ainda mantendo o fraco sorriso no rosto.

    — Eu estava me questionando o porquê de você não ter feito nada, mesmo tendo a chance, mas, olhando para a lágrima no teu rosto, parece que há um motivo maior por trás — disse Vorgath, exausto, mas ainda firme. — Afinal, se quisesse, poderia ter nos atacado e impedido Gorthok de fugir, mas não fez. Antes de acabarmos com tudo, talvez queira me dizer por que não o fez?

    Louie ficou em silêncio por alguns segundos, olhando a própria mão, agora molhada pela própria lágrima.

    Então, com a voz baixa e cheia de dúvidas… respondeu…

    — Eu… não sei…

    Com calma, ele fecha sua mão, como se tentasse segurar firme dentro de si aquela sensação estranha de sufocamento.

    — Talvez eu só esteja ferrado demais pra me mover.

    — Tem certeza? — dizia Vorgath, olhando profundamente pro Louie. — Eu não acho que seja só isso não, garoto. Por que não tenta compartilhar comigo… já que esse vai ser o meu fim mesmo?

    Ele ergue os olhos, fixando-os nos de Vorgath.

    — Sabe… quando acordei naquele hospital… eu não fazia ideia de quem eu era, ou de onde estava.

    — Minha aparência… por algum motivo, me causava repulsa, como se eu estivesse olhando para uma aberração no espelho.

    — Minhas memórias tinham desaparecido. Meus sentimentos… estavam confusos, misturados, como se pequenos fragmentos que sobraram do que eu era antes se juntassem.

    — Formando assim… eu. Um ser novo e… incompleto.

    — Era como se eu tivesse sido jogado dentro do corpo de alguém que já tinha morrido…

    — Uma casca vazia, apenas restos de alguém tentando entender o porquê de ainda existir.

    — Eu não me sentia Louie…

    Seu olhar estava baixo, cada palavra saia pesada de dentro dele.

    — Mas mesmo assim… minha irmã e minha mãe me aceitaram e me receberam de braços abertos.

    — E eu acho que foi aí que eu comecei a errar…

    — Comecei a tentar ser aquele Louie, por medo de ser deixado caso não fosse.

    — Mas… com tudo isso que aconteceu… eu consegui refletir bastante sobre tudo isso. Tanto o que Seprus disse, quanto o que eu acreditava.

    — E, acho que… finalmente cheguei à minha conclusão. Minha mãe e irmã não me aceitaram como o Louie que elas conheciam… mas sim, como esse novo Louie que me tornei.

    — E sabe o que é pior? Mesmo sem saber como eu era antes, eu admiro o antigo Louie.

    — Mesmo sem eu lembrar de nenhuma das duas… só a ideia de perder elas já me destrói por dentro.

    — Acho que isso mostra… o quanto ele se importava com elas.

    Ele faz uma pausa longa. O silêncio entre os dois era sincero, e Vorgath só ouvia em respeito ao seu oponente.

    — Eu acho que… vi isso em você, Vorgath. Esse desespero por não querer perder alguém.

    — Eu vi no teu olhar, na tua voz… no modo como implorou pro Gorthok fugir. Mesmo prestes a explodir, mesmo ferido e com dor… você ignorou tudo isso e escolheu se sacrificar por ele.

    — E eu acho que dá pra dizer que me identifiquei com isso. Não importa se somos de lados opostos. Não importa o que você fez antes… se é culpado ou inocente.

    — Naquele momento… você era só um irmão mais velho querendo proteger sua família.

    — Eu realmente não sei o que me impediu de fazer algo, mas se fosse pra falar o que eu acho… eu diria que esse foi o motivo.

    Ele olha para baixo, depois volta a encarar os olhos verdes como esmeralda de Vorgath.

    — Mas de uma coisa eu sei.

    — Se eu tivesse que me sacrificar por quem eu amo, mesmo sem lembrar direito delas… eu também faria. Sem pensar duas vezes.

    Vorgath olhava para Louie. O olho direito do garoto brilhava com um vermelho intenso.

    E, com um suspiro exausto, ele sorri de forma brilhante.

    — Louie, né? — murmura Vorgath, recebendo um aceno como resposta. — Há coisas nesse mundo que valem muito mais pra mim do que os objetivos da Sacrificium Sanguinis.

    — Às vezes… pessoas acabam acorrentadas a lugares onde nunca quiseram estar. E mesmo assim… permanecem. Por medo. Por culpa. Ou simplesmente… por amor a quem ficou preso junto.

    Louie encara o homem diante de si. O terno esfarrapado, coberto de rasgos, sujeira e sangue.

    — Você é uma dessas pessoas? — pergunta Louie, com a voz baixa.

    Vorgath dá um sorriso calmo, cansado e… doloroso.

    — Talvez eu seja… Eu nunca fui o mais forte, nem o mais certo. Só fui o que ficou, então quem sabe, né?

    — Quando o mundo virou as costas pra gente, a gente se virou entre nós. E mesmo quando tudo perdeu o sentido… eles ainda eram minha razão…

    Ele inspira fundo, olhando para Louie.

    — Eu só tentei… me virar do meu jeito. Seguir com eles, mesmo que fosse pelo caminho errado. Se fosse pra cair… então eu cairia ao lado deles.

    Vorgath ajeita pela última vez seu terno, com toda a dignidade e orgulho do mundo.

    — Mas acho que já enrolamos demais isso, não é? — sorri. — Vamos terminar com isso, Louie. Com um espetáculo de elegância!

    Louie acena com a cabeça, o olhar firme e respeitoso.

    — Entendi.

    Ele afunda os pés no solo, como se depositasse toda sua força e vontade no que estava por vir.

    — Não tenho certeza sobre o que sinto por ti, Vorgath. Mas sei que… tu é digno do meu respeito. — diz Louie, com a voz firme. — Então vamos dar o final mais elegante possível a isso!

    E então, como dois guerreiros à beira do abismo, começaram a se preparar para o inevitável.

    Louie concentra o que resta de sua força no braço direito. Raios saltavam em torno do punho fechado, pintando o ar com um brilho azul vívido.

    Vorgath, por sua vez, estende o braço direito. Que brilhava em um vermelho incandescente, pulsando como lava líquida prestes a romper.

    Seus olhos esmeralda não carregavam ódio ou rancor. Mas sim… paz e serenidade. Enfim teria o fim que desejava… talvez, o único fim que aceitaria.

    Então…

    Ambos avançam.

    A velocidade era absurda.

    O mundo à volta dos dois desaparece.

    O som fica a quilômetros atrás.

    O ar se parte em pedaços.

    O rastro deixado por Vorgath é um corredor flamejante.

    O calor de seu corpo era tão intenso que derretia o cimento à volta, transformando os escombros em brasas.

    Louie, sem ao menos perceber, deixa um feixe luminoso para trás.

    Um rastro de raios azuis, que brilhavam como um farol na escuridão da ruína.

    E naquele último instante, esse farol ilumina algo profundo na mente de Vorgath.

    Como uma última lembrança.

    Ele se vê, ainda criança, ao lado de Gorthok e Sethros.

    Na rua, pedindo por migalhas.

    E como a luz, rapidamente troca de lugar.

    Uma sala branca. Fria. Triste… a primeira prisão dos três… Mas também… o último lugar onde se sentiam inteiros.

    Antes das cicatrizes.

    Antes da dor.

    Antes da perda da inocência.

    Um suspiro escapa escapa dele.

    — “Sendo sincero… não me arrependo de nada.”

    Seu coração acelerava, mas não de medo ou nervosismo…

    Mas de aceitação.

    — “Se tudo tivesse sido diferente, talvez eu nunca tivesse caminhado ao lado deles. Talvez nunca tivesse chamado ninguém de irmão. E isso… isso valeu cada ferida.”

    — “Sethros… cuida do Gorthok, por favor. Mesmo com esse teu jeito frio de agora, eu sei que lá no fundo, tu ainda és aquele moleque que se juntou a nós por acaso… e virou nossa família.”

    E então, o impacto chegou junto de seu último pensamento.

    — “Deixo ele… contigo.”

    Os punhos se encontram carregados de vontades, legados e arrependimentos.

    A colisão foi brutal.

    O universo parecia congelar.

    O som não ousava nascer.

    O vento se recusava a acompanhar.

    E a terra se viu obrigada a estremecer.

    Os escombros ao redor foram arremessados para longe como folhas em uma tempestade.

    Era mais do que força física.

    Era o encontro de dois ideais.

    De duas histórias.

    De dois destinos.

    Uma luta para descobrir quem se é.

    Outra, para proteger o que se ama.

    A explosão que veio após varreu quaisquer pedaços restantes do edifício do mapa.

    Ondas de calor e eletricidade levavam tudo embora.

    E, como sempre, a luz vem antes do som.

    O resultado se revela antes do estrondo alcançar Porto Alegre.

    O prédio colapsa.

    E com ele, a vida de um dos dois combatentes.

    Guerreiros que lutaram até o fim, não por glória… mas por identidade, por memória e… por amor.

    No silêncio, em meio às ruínas e vigas destruídas, uma única silhueta se ergue em meio ao caos.

    Fraquejando.

    Cada passo o enchia de dor.

    Mas também de honra.

    Louie respirava com dificuldade.

    Seu olho direito brilhava em vermelho escarlate.

    Pulsando com os últimos resquícios de sua energia.

    O esquerdo, azul, transbordava água.

    Como um oceano aumentando sua maré.

    Ele… chorava.

    Não pela vitória.

    Mas pela perda.

    Ele não conhecia a história de Vorgath, mas agora sentia que levava uma parte dela consigo.

    Ao emergir entre a poeira, os cidadãos o observavam. Assustados, cochichando entre eles.

    Louie dá mais um passo rumo à frente dos escombros… e então, ao chegar em seu objetivo… ele cai.

    Vitorioso, mas exausto.

    Junto de sua queda, o tempo cedia…

    Nuvens cinzentas se espalhavam pelo horizonte.

    E ali, deitado entre a sombra que vinha do fim e a luz que partia do recomeço, Louie ficou.

    Como se o próprio universo o avisasse que…

    Enfim…

    A batalha tinha acabado.

    ⋞⋆⋟⋰⋞⋆⋟⋰⋞⋆⋟⋰⋞⋆⋟⋰⋞⋆⋟⋰⋞⋆⋟⋰⋞⋆⋟⋰⋞⋆⋟

    Enquanto isso…

    Em um prédio não muito distante, uma estranha figura observava o fim da intensa batalha de Louie.

    O edifício era como um esqueleto colossal de concreto:

    Alto, firme… porém inacabado.

    No topo, aquela estranha entidade não olhava apenas para Louie…

    Mas para toda Porto Alegre.

    Usava um manto tão escuro quanto a mais sombria noite.

    E em seu rosto…

    Uma máscara profana.

    Não aparentava ser um simples disfarce.

    Olhar para aquilo era como olhar para o próprio inferno, moldado em um rosto artificial.

    Era manchada por um violeta profundo.

    Tinha fendas que, juntas, formavam aquele sorriso perturbador.

    Parecia que a própria carne tivesse sido esticada ao limite de sua elasticidade e costurada à força em uma única forma, presa a um só destino inevitável, que o acompanharia por toda a eternidade.

    Era um semblante artificial que misturava a mais brutal dor e o mais insano prazer em perfeita harmonia, como peças criadas única e exclusivamente para se encaixarem.

    Um brilho pulsante percorria as ranhuras da máscara, como se cada linha estivesse profundamente ligada aos próprios batimentos cardíacos daquele que a vestia… se é que ainda se podia chamar aquilo de alguém.

    Seus olhos, mesmo fundos como um abismo sem fim, não transmitiam frieza.

    Não…

    Eles observavam tudo e todos com intensidade humana.

    Como se carregassem memórias, julgamentos e segredos jamais sequer imaginados por meros mortais.

    Do espaço em volta do olho esquerdo, uma fumaça roxa escapava lentamente, dançando pelo ar como se estivesse viva, serpenteando em busca de sua presa.

    Seja lá quem ou o que fosse aquele ser…

    A única coisa certa, ao vê-lo, era que aquela máscara não era feita para esconder alguém.

    E sim… para revelar.

    O céu da grande cidade estava escuro, prestes a chorar.

    O estranho ser, em um movimento simples, porém tão leve e angelical,

    virou seus olhos fundos como abismo para o céu.

    E, diante do que logo logo desabaria em lágrimas, falou.

    Sua voz era tão leve quanto uma pena e, ao mesmo tempo, tão pesada quanto o próprio inferno.

    — …Acho que… vai chover.

    Após essas tão simples palavras que, ao serem pronunciadas, fizeram todo o universo ficar sem ar.

    E então, o estranho ser… despenca do alto.

    Como se nunca tivesse realmente existido ali, seus rastros desaparecem junto da luz do sol, encoberta pelas nuvens da tempestade.

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