Capítulo 2: Retorno ao início
A mulher que se dizia minha mãe me apertava com tanta força que, por um instante, achei que meu corpo fosse se desfazer em seus braços.
Era como se o toque dela fosse a única âncora que a mantinha na realidade — como se me soltar significasse perder tudo de novo.
Seu abraço transbordava amor, mas também carregava uma urgência silenciosa. Um desespero contido que ia além das palavras, como se ela estivesse tentando me costurar de volta à vida com os próprios braços.
Seus ombros tremiam levemente, e mesmo sem ver seu rosto por completo, eu podia sentir que ela lutava contra um choro que ameaçava transbordar.
Então, ela sussurrou — não como quem fala com alguém, mas como quem reza para o universo não ser tão cruel:
— Louie, meu filho… você não sabe o quanto eu temi por você…
O quanto te procurei… cada segundo longe de ti era um abismo…
Eu pensei… — a voz dela falhou brevemente — pensei que nunca mais veria você.
A forma como ela pronunciava meu nome — como se fosse um segredo precioso, um feitiço frágil — me atravessou de um jeito estranho.
Eu ainda não conseguia lembrar… mas naquele instante, mesmo sem reconhecer a origem daquele afeto, senti a intensidade dele me atingir como uma onda silenciosa.
Era mais do que saudade.
Era um amor desesperado por alguém que ela acreditou ter perdido para sempre… e que, de alguma forma, estava ali novamente, respirando em seus braços.
E talvez… só talvez… fosse por isso que ela ainda não havia me soltado.
As palavras dela me confundiam.
Havia algo no fundo de mim, algo que remexia em espaços esquecidos — como se uma parte minha reconhecesse aquela presença, mesmo sem ter lembranças para sustentá-la.
Não conseguia me lembrar de nada de antes do acidente, mas aquela voz… aquele abraço… o calor do corpo dela contra o meu…
Pareciam vir de um lugar que eu já conhecia.
Como ecos de um lar esquecido, mas jamais apagado.
Ela se afastou ligeiramente, ainda me segurando pelos ombros, e me olhou com os olhos marejados. O que eu vi neles não era apenas alívio, mas uma dor profunda, como se uma parte dela ainda estivesse perdida no abismo que eu parecia ter caído. Ela falou, com um sorriso fraco, tentando disfarçar o sofrimento:
— Você está aqui… Isso é tudo que importa agora. Não importa o que tenha acontecido… Não importa o que você tenha perdido. Eu estarei aqui, e sua irmã também. A gente vai te ajudar a lembrar… Vai ver, tudo vai voltar ao seu tempo.
Minha irmã… Ela se afastou de mim para dar lugar à garota de olhos azuis claros, que ainda me observava atentamente, como se estivesse estudando cada movimento meu. Ela parecia tão pequena, mas seus olhos eram imensos, refletindo uma mistura de medo e uma esperança quase incontrolável. Ela hesitou por um momento, mas logo correu para me abraçar novamente, com a mesma energia que antes. Eu senti um calor diferente dessa vez, como se ela estivesse esperando por esse momento desde sempre.
— Irmão! — ela exclamou, sua voz ainda aguda e cheia de alegria. — Você voltou! Eu sabia que você voltaria, eu sabia!
Eu me vi envolvido em outro abraço, mas dessa vez algo diferente aconteceu. Não foi só o carinho de uma criança. Foi como se, ao me abraçar, ela estivesse tentando me ancorar no presente, tentando preencher as lacunas que minha memória insistia em esconder. O vazio não desapareceu, mas algo em mim cedeu àquela proximidade. Eu quase podia ouvir o som das memórias, como se estivessem batendo na porta da minha mente, querendo entrar, mas eu ainda não conseguia acessar.
Minha mãe, que agora estava a poucos passos de nós, olhou para minha irmã com um sorriso nostálgico, mas logo se virou para mim e disse, com uma suavidade que fez meu peito apertar:
— Eu sei que você não se lembra… Mas nós somos sua família, Louie. Você sempre será nosso filho, nossa alegria. Agora, o que importa é que você está vivo e com a gente. O resto… o resto vai voltar com o tempo. Não tenha pressa.
Eu queria acreditar nas palavras dela, mas a verdade era que havia algo em mim que não conseguia aceitar tão facilmente. Eu queria lembrar, queria sentir aquela conexão, mas tudo o que eu tinha era um vazio pesado e a sensação de que algo estava errado. Como se eu tivesse sido arrancado de um lugar que eu não conseguia identificar.
— Mãe… — minha voz soou mais baixa do que eu queria. — Eu… eu quero lembrar. Eu quero saber quem eu sou, o que aconteceu. Por que não consigo lembrar de nada?
Ela me olhou com compaixão, e então, sem dizer uma palavra, se aproximou e me tocou de leve no rosto. Seus dedos eram delicados, mas firmes, como se quisessem me transmitir alguma coisa. Era um gesto simples, mas que parecia falar mais do que qualquer explicação verbal.
— Você vai lembrar, Louie. Mas, por agora, você precisa descansar. Não se pressione. As respostas virão quando for o momento certo.
Eu queria protestar, queria entender logo, mas as palavras da minha mãe pareciam me acalmar de um jeito estranho. Uma parte de mim queria continuar lutando contra esse esquecimento, mas outra parte parecia saber que eu precisava de mais tempo para voltar ao que fui, ao que ainda não sabia ser. Eu olhei para minha irmã e então percebi: por mais que as memórias estivessem distantes, ela ainda estava aqui, ao meu lado, me oferecendo tudo o que eu precisava naquele momento: amor.
Minha mãe, percebendo o silêncio que caiu sobre nós, deu um passo atrás e se sentou em uma cadeira próxima. Sua expressão agora era mais serena, como se tivesse feito o seu papel, mas ainda com a preocupação de quem carrega o peso de um segredo guardado.
— Você está em casa agora, Louie — ela murmurou, como se falasse para si mesma.
Eu olhei para a janela à minha frente. A luz do sol se filtrava pelas cortinas, criando sombras suaves no chão branco da sala. Tudo parecia normal, mas eu sabia que havia algo mais, algo que eu ainda não conseguia ver. Algo que me aguardava, além das paredes dessa sala, além dos abraços, além da certeza de que estava vivo.
A única coisa que eu sabia era que, de alguma forma, eu não estava mais sozinho.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.