Áurea seguia seu ritmo cotidiano. O sol artificial já havia passado do ponto mais alto, marcando o início da tarde. Fazia algumas horas desde o sequestro de Louie.

    Kael, sentado na sala de espera da base de comando central, aguardava com ansiedade crescente. Já havia solicitado uma reunião com os três comandantes de Áurea — aqueles que, juntos, tomavam todas as grandes decisões da cidade.

    Conseguir reunir os três nunca foi fácil. Ainda que o tempo fosse um luxo que Kael não podia se permitir, teve de esperar até que os outros dois estivessem disponíveis.

    Por fim, a hora havia chegado. A reunião entre os líderes de Áurea… estava prestes a começar.

    Kael atravessou os corredores largos e iluminados artificialmente, seus passos ecoando com urgência. Dirigia-se à sala de comando principal, determinado a propor uma medida extrema: ativar a maior força de elite da cidade subterrânea. Aqueles que, segundo ele, tinham potencial para até mesmo superar a lendária Elite dos 10 da OPKM — os Vigilantes.

    Ao entrar, encontrou os outros dois comandantes já à espera. No centro da sala, um mapa digital da cidade projetava em tempo real zonas de risco e pontos estratégicos. O clima era tenso.

    Kael manteve os olhos fixos e falou com firmeza:

    — Precisamos agir agora. Louie foi capturado. Não há tempo a perder.

    Aura, uma das comandantes, observava Kael com atenção. Tinha cabelos lisos, loiros com reflexos alaranjados, cortados na altura dos ombros. Sua pele clara contrastava com os olhos castanhos suaves, e sua postura carregava a experiência de quem aprendeu a tomar decisões difíceis com o tempo.

    — Kael… com “Louie”, você tá falando de quem eu tô pensando?

    Ele assentiu, a voz carregada de convicção:

    — Sim. Estou falando do filho daquele homem. Louie Kaede.

    Fez uma breve pausa, respirando fundo para manter o controle na voz:

    — A mesma organização de dez anos atrás voltou à ativa. E agora, capturaram o filho dele — um dos poucos sobreviventes do massacre no Colégio Península.

    Aura manteve a expressão séria e perguntou, mais direta:

    — E o que você quer fazer?

    Kael não hesitou:

    — Quero mobilizar os Vigilantes para a missão de resgate.

    As palavras caíram pesadas sobre o ambiente.

    Aura franziu levemente a testa, visivelmente preocupada.

    — Se for mesmo a mesma organização do que aconteceu no Orfanato Aurora… e do desaparecimento daquele homem… — ela parou por um momento. — Você não acha arriscado demais mandar a nossa força mais poderosa logo de cara?

    Antes que Kael pudesse responder, Veltor — o terceiro comandante — se adiantou. De pele escura, olhos firmes e uma cabeça completamente raspada, sua presença era imponente. A voz, grave, transmitia prudência.

    — Concordo com a Aura. E além disso, nem sabemos onde estão. Se nos expusermos sem saber com quem lidamos, colocamos Áurea inteira em risco. Não podemos sair às cegas contra inimigos que mal conhecemos.

    Kael manteve a postura firme, encarando Veltor diretamente. Sua resposta veio com firmeza:

    — Louie pode ser só o começo. Assim como foi naquela época. A gente não sabe quais são os verdadeiros objetivos por trás desses ataques. Se não fizermos nada agora, viramos peças num jogo que nem começamos a entender. E quando eles atacarem de novo — porque vão atacar — pode ser tarde demais. A cidade… todos aqui… podem ser os próximos.

    Ele respirou fundo, levou a mão ao rosto, como se tentando conter algo que apertava no peito. E continuou, com a voz mais pesada:

    — E além disso… vamos mesmo deixar algo tão importante praquele homem — a quem todos aqui devem tanto — se perder sem sequer tentar reagir? Sem mostrar resistência? Não podemos ignorar o potencial desse garoto. O sangue que corre nas veias dele… é o sangue dele.

    Kael fez uma pausa. As palavras flutuaram no ar, carregadas de lembranças e significados.

    — Eu sei que é arriscado. Sei bem contra o que estamos lutando. Mas se ficarmos parados agora… o próximo golpe deles pode ser o último. Precisamos agir enquanto ainda temos tempo.

    Seu olhar seguiu direto, sério, sem hesitação, de Aura para Veltor. Ele não pedia permissão — ele clamava por responsabilidade.

    Aura e Veltor se entreolharam, em silêncio. Pesavam memórias, riscos, obrigações. Alguns segundos depois, Aura foi a primeira a responder:

    — Tudo bem, Kael. Você tem meu apoio. Vamos com os Vigilantes.

    Veltor apertou os punhos, claramente incomodado. Olhou para Kael com relutância, mas sua voz veio firme:

    — Eu sou contra… mas com dois votos a favor, não cabe mais debate.

    Kael assentiu em silêncio. Sua expressão permanecia inabalável. Assim que a decisão foi tomada, ele se virou, já começando a mobilizar a força especial. Equipes de busca foram ativadas, espalhando-se por toda a cidade de Porto Alegre.

    Eles sabiam que estavam correndo contra o tempo.

    E talvez… Louie já estivesse longe demais.


    Enquanto Kael coordenava a operação de resgate, Louie vivia uma realidade completamente oposta — preso, confuso e à mercê de forças que ele nem sequer compreendia.

    Acordou numa sala fria e escura. O ar era pesado, e sua cabeça doía. Tentou se mover, mas estava preso — mãos e pés imobilizados. Não sabia onde estava, mas sabia que algo estava muito, muito errado.

    A porta se abriu com um rangido, e Sethros entrou. Sua presença parecia encher o ambiente. Ele andava devagar, os passos marcados pelo silêncio ao redor.

    — Você ainda não entende, Louie — disse, com uma calma estranhamente assustadora. Sua voz era baixa, quase um sussurro… mas cheia de algo sombrio. — Há muita coisa que uma mera criança imunda não sabe sobre o que está acontecendo aqui. E sobre o que está por vir ainda.

    Louie tentou responder, mas sua garganta travou. A dor na cabeça piorava, como se algo forçasse sua mente a abrir portas que não queria.

    Sethros se aproximou, o olhar frio. Curvou-se ligeiramente, como se examinasse Louie de perto.

    — Você devia abrir mão do seu corpo, falo isso pro seu próprio bem… vai ser tudo pior depois que tu descobrir o que é amar, o que é o afeto, isso só vai causar mais dor a ti e aos outros quando a ruina chegar. — disse, num tom entediado. — E ela vai chegar. não adianta lutar. Ele vai tomar o controle… mais cedo ou mais tarde. Você só está vivo porque, por algum motivo, ele gostou da sua casca. Caso contrário… já estaria morto.

    Não deu mais explicações. Só ficou ali, o encarando por um tempo, depois virou as costas e desapareceu nas sombras da sala.

    Louie ficou sozinho. Preso por fora, e por dentro. A cabeça fervilhava, cheia de perguntas sem resposta.

    Quem era ele?

    Por que Sethros falava como se alguém estivesse dentro dele?

    Por que diziam que ele devia estar morto?

    Qual era o papel daquela organização em tudo isso?

    As memórias apagadas ainda doíam. Mas, naquele instante, alguma coisa começou a se mexer dentro dele. Fragmentos… pequenos cacos, como pedaços de espelho trincado. Imagens confusas do massacre no Colégio Península. Corpos se retorcendo. Explosões internas. Gritos. Dor.

    Sua mente não conseguia mais suportar.

    As imagens voltaram com tudo, e ele se viu de novo naquela cena. A mesma do dia em que acordou como “Louie”, o novo Louie, sem memórias.

    Seu corpo tremia. Seus olhos ardiam. Ou melhor — um deles.

    O esquerdo, azul como o céu, chorava. Como se o céu chorasse com ele. Já o direito… o vermelho escarlate… vibrava. Sem lágrimas. Sem conforto. Apenas latejava. Como se algo dentro dele estivesse tentando sair. Escapar. Tomar controle.

    A dor na cabeça se intensificou. Uma pressão insuportável.

    Ele tentou resistir. Se manter consciente. Mas era inútil.

    A memória… o peso de simples fagulhas da lembrança… era demais.

    E então, Louie desmaiou.

    Preso. Sozinho. E outra vez, afundando num abismo escuro e silencioso, onde até a esperança parecia distante demais para ser sentida.

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