Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
Aspas duplas para conversa mental: “
Travessão para falas em voz alta: —
Capítlo 49 — As Boas-Vindas do Lich
— Tá complicado segurar aqui atrás! — gritou Dellia, movendo sua espada em um arco mortal. A cada balançar de sua lâmina, um trapo ou pedaço daqueles seres repugnantes caía no chão, imóvel. O cheiro podre no ar era tão forte que uma pessoa poderia pensar que chegara a um cemitério de corpos expostos.
— Thalion, ajude Dellia e Nytheris! — ordenou Garrick, enquanto continha três vultos esfarrapados — três dos vinte que ainda restavam, de um grupo que antes era de trinta.
Todos continham mais de um dos vultos esfarrapados; até mesmo o “ladrão babaca”, como Flügel o chamava mentalmente, fazia o seu máximo para matar as criaturas estranhas. A luta era extremamente cansativa e difícil, tanto por conta de suas velocidades extremas quanto pelo seu número massivo. E sempre que matavam um dos vultos, todos tinham que se mover para longe, por conta do perigo de o corpo se autodestruir. Estavam, basicamente, lutando em um campo minado.
— Eu estou tentando! — Thalion gritou de volta, enquanto conjurava um feitiço de gelo. Uma pequena bola de gelo apareceu acima do cristal de seu cajado, e ele a lançou para o ar com toda a sua graça. Quando ela acertou o chão, explodiu em um círculo de gelo, quase congelando os vultos esfarrapados, mas eles apenas tremeram por um instante e avançaram com tudo contra Dellia e Nytheris.
— Eco Prismático! — alertou Flügel, enquanto arremessava uma bola negra do tamanho de uma maçã contra a horda de inimigos que avançava sobre ele e Borghen. Ele avançou, sem se preocupar em ser machucado. Não conseguiria fazer nada se ficasse com medo agora, então avançou.
Sua armadura negra como o breu lhe dava uma aura de respeito; era tão negra que parecia ser a sombra de algum cavaleiro das trevas, mas era ele mesmo. Era uma armadura de corpo inteiro que, com sua espada longa e negra, o transformava em um verdadeiro black knight1, como eram chamados os cavaleiros que usavam tudo de preto nos jogos de sua vida passada.
Sua armadura era trucidada a cada segundo, mas, quase no mesmo instante em que era danificada, ela se curava. Sua mana estava sempre abaixando e aumentando, então o esgotamento não era sua principal preocupação naquela luta, mas sim quando as levas de monstros iriam finalmente acabar.
— Rharrr! — Com um rugido feroz, Flügel balançou sua espada longa de mana com toda a força contra um dos vultos esfarrapados, fazendo sua cabeça rolar pelo ar e cair por perto. Feixes de luz de diferentes cores eram vistos ocasionalmente passando pelos vultos, quando algum deles, por sorte, não era acertado pela magia de Flügel.
‘Como ficamos tão encurralados em tão pouco tempo?’, Flügel pensou, amaldiçoando o Lich por ter criado tantas dessas aberrações. E o que mais odiava era saber que isso era apenas uma pequena fração da verdadeira quantidade de vultos esfarrapados que o Lich deveria ter.
— Koto vai mesmo nos avisar se estivermos perto de monstros fortes? — Nytheris perguntou, sem se importar com a desconfiança que transparecia em sua voz.
— Ele pode não parecer a melhor das pessoas, mas pode confiar que traidor e covarde ele não é — Garrick respondeu enquanto liderava o grupo, sua mão repousando no cabo da espada, pronta para sacá-la assim que necessário.
— Ele não me parece esse tipo de pessoa. Para falar a verdade, ele me parece o tipo de pessoa que abandonaria qualquer um para sair por cima — Flügel adicionou. Ele também não se preocupou em esconder o desprezo em sua voz, não tinha porque, afinal, todos ali sabiam que, se alguém pensava isso de Koto, a culpa era exclusivamente dele.
— Dê uma chance a ele. Quando vocês se conhecerem melhor, verão que ele não é de todo ruim — Borghen disse, com a voz abafada pelo elmo. — Ele é melhor que o Gundal, pelo menos. Com aquele, você deve ter um cuidado extra sempre que possível.
— Você é um gigante, Borghen? — Flügel não aguentou segurar a curiosidade e perguntou. Ele também já não temia que o gigante que empunhava um machado de guerra fosse esmagar sua cabeça por uma simples pergunta.
— Hã? Eu? Sim, sou, mas não um gigante completo. Sou da linhagem de Durgan — Borghen disse, estufando o peito, como se tivesse orgulho de sua linhagem.
— Linhagem de Durgan? — Flügel perguntou, curioso e confuso. Ele não sabia que os gigantes eram divididos em linhagens diferentes.
— Adoraria conversar mais com você, garoto, mas aparentemente temos problemas vindo — Borghen pegou seu machado das costas, enquanto apontava com o queixo para Koto, que saía do meio das árvores com um rosto assustado. Mesmo assim, o homem não perdeu seu sorriso malicioso e torto.
— Notícias? — perguntou Garrick, tentando decifrar o rosto de Koto.
— Heh, provavelmente a nossa causa de morte — Koto limpou a testa suada. Não era possível saber se era suor frio ou de esforço físico.
— O que quer que seja o criador dessas coisas, ele já parece saber que estamos indo atrás dele. Tem vinte e cinco, não, são trinta deles cobrindo uma grande área da floresta e, obviamente, da estrada. Eles estão parados. Não fui visto, por sorte, mas vamos cair em uma emboscada se formos seguir em frente.
O ar ficou pesado. O sorriso de Koto podia ser irritante, mas a informação que ele trouxe era ouro puro. Trinta inimigos à espera. Uma armadilha mortal.
Flügel trocou um olhar rápido com Nytheris. O desprezo que sentiam pelo ladrão momentos antes se dissolveu em um respeito relutante. Koto não só não os abandonou, como arriscou a própria pele e cumpriu sua função com perfeição.
Garrick, no entanto, não demonstrou surpresa. Seus olhos se estreitaram, processando a informação com uma calma assustadora. Ele se virou para o ladrão.
— Descreva a formação deles, Koto. Estão dispersos? Agrupados? Existe um líder visível?
— Dispersos, mas cobrindo todas as rotas de fuga da estrada principal. Parecem estacas fincadas no chão, esperando. Não vi um líder claro, são todos iguais — respondeu Koto, agora mais sério. Talvez por nervosismo, ele checava suas facas. — Quem passar por ali vai ser engolido.
Garrick assentiu a mão deixando o cabo da espada para pegar o mapa em seu cinto. Ele o abriu e mostrou a Koto. Sem dizer uma palavra, o ladrão apontou no mapa onde eles estavam em maior quantidade.
— Ótimo. Eles nos esperam na estrada. Então, não vamos pela estrada. Vamos virar a armadilha deles contra eles.
Um brilho de interesse surgiu nos olhos dos companheiros.
— Este é o plano — continuou Garrick, a voz baixa e firme. — Koto, você nos guiará pelas árvores, contornando o grupo principal até uma posição lateral. Quero silêncio absoluto enquanto estivermos fazendo isso.
Ele então olhou para seus dois guerreiros mais poderosos em ataque.
— Borghen, Dellia. Quero que vocês se posicionem na lateral do caminho deles. Quando a isca funcionar, o trabalho de vocês é simples: esmaguem qualquer um que se aproximar. Formem uma muralha. Nada passa por vocês.
Garrick se virou para Flügel, e um pingo de intensidade surgiu em seu olhar.
— É aí que você entra, garoto. Você não será apenas a isca, será a avalanche que inicia o desastre. Preciso do seu feitiço mais destrutivo bem no meio deles. Faça-os entrar em pânico. Faça-os correr na nossa direção. Por isso que você vai voando.
Flügel sentiu uma pontada de adrenalina. A responsabilidade era imensa. Mas, maior do que tudo, um enorme medo cresceu em seu ser. Ele estava indo de encontro a trinta dos ser que o massacrou diversas vezes mesmo sozinho, mas ele não era o mesmo. Ele mesmo chegou à conclusão de que poderia ter acabado rapidamente com aquela luta se tivesse mantido a calma.
— Thalion, ataque-os com suas magias de dano em área, mate o máximo possível, ou estaremos ferrados. Nytheris, você dará o suporte. Preciso de magias de lentidão, qualquer coisa que atrapalhe a movimentação deles quando o caos começar. Eu ficarei no centro, pronto para interceptar qualquer um que furar o bloqueio. Todos entenderam?
Houve uma rodada de acenos firmes. A desconfiança se transformara em foco. Eles não eram mais um grupo de indivíduos; eram uma unidade de caça.
Com um gesto de Koto, eles mergulharam na vegetação densa, movendo-se com um silêncio que contrastava com a tempestade que estavam prestes a invocar. Minutos que pareciam horas se passaram até que Koto sinalizou que estavam em posição. Flügel podia ver as figuras imóveis.
Ele respirou fundo, sentindo a mana formigar em seus dedos. Olhou para cima, e seu corpo flutuou com maestria, logo estando acima das copas das árvores. Ele não via nenhuma das silhuetas que vira antes, mas não se preocupou com isso; havia tantos deles que iria acertá-los facilmente.
Flügel ergueu as mãos. A escuridão se acumulou em sua palma direita, uma esfera de energia caótica cuja superfície brilhava com um brilho instável, alternando entre luz branca ofuscante e escuridão profunda, como se fosse um cristal preso entre dois estados opostos. Na mão esquerda, ele formou uma bola de massa negra, magia de escuridão pura, o que ela tocava, destruía até virar pó.
— Agora!
Ele lançou as duas bolas negras, que voaram como dois cometas sombrios. O Eco Prismático passou pelas árvores, mas a massa de magia de escuridão corroeu tudo o que havia em sua frente e, por sorte, corroeu um braço inteiro de um vulto esfarrapado.
O som de vidro estilhaçando ecoou pela floresta, e então os feixes de luz, escuridão e gelo atravessaram o ambiente, acertando qualquer coisa e causando dano.
- cavaleiro negro[↩]
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