Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
Aspas duplas para conversa mental: “
Travessão para falas em voz alta: —
Capítulo 1 — A Alma Que Não Descansa
A corda apertava meu pescoço, sufocando-me. Minha garganta ardia, meus olhos pareciam prestes a saltar das órbitas. A pressão era esmagadora, como se um torno apertasse minha cabeça.
Engasgando e arfando por ar, meu corpo se contorcia em desespero. O arrependimento veio como um soco no estômago — essa não era a forma certa de morrer.
Então, entre espasmos e dores, as memórias me arrancaram da tortura.
Eu estava em uma sala de aula. Um livro aberto repousava sobre minha mesa.
— Certo, alunos, abram na página 59. Vamos ler esse texto até a página 60. Cada um lerá um parágrafo. — A voz da professora de história soou firme, sem espaço para discussões.
— Eu… não quero ler… — murmurei para mim mesmo, tentando me consolar.
— Professora, eu não quero ler. — A voz de outro aluno soou algumas carteiras à frente.
— Todos vão ler. Sem exceções. — respondeu ela, ríspida.
Minha garganta secou. O suor frio escorria pela testa, e uma dor incômoda latejava em minha cabeça. Eu me sentia prestes a enfrentar algo terrível.
Minhas pernas balançavam para cima e para baixo, o pé batendo no chão num ritmo frenético. Minhas mãos estavam geladas, úmidas. Eu já conhecia essa sensação — a mesma de quando meus pais brigavam e também de quando eu estava no primeiro ano.
‘Inferno…’
A garota ao meu lado me olhou, a preocupação evidente em seu rosto.
— Liam, você está bem?
Minha respiração estava pesada, como se tivesse corrido uma maratona. Virei o rosto para ela com dificuldade.
— Estou bem, Eloisa.
— Seus olhos estão vermelhos. Você está pálido.
— Eu… preciso ir ao banheiro.
Minha voz saiu tão fraca que duvidei que ela tivesse escutado.
Levantei-me, sentindo o mundo girar ao meu redor. Minha tontura dificultava cada passo, mas me forcei a seguir em linha reta, sem olhar para ninguém.
— Professora, posso ir ao banheiro? Eu não estou bem.
As palavras saíram espremidas pela minha garganta apertada. Minhas pernas ameaçavam ceder a qualquer momento.
— Pode. — A professora acenou com a cabeça, empurrando levemente meu ombro, como se me mandasse seguir logo.
Saí da sala o mais rápido que pude. Meus músculos estavam tensos, o ar parecia denso, e aquela sensação sufocante de estar em perigo não me abandonava.
No banheiro masculino, liguei a torneira e joguei água no rosto. Levantei a cabeça e encarei meu reflexo.
Olhos vermelhos, pupilas dilatadas.
Rosto pálido como o de um morto.
Respiração irregular, ofegante. A água escorria fria, tão fria quanto minhas mãos.
— Porra… por que eu sou assim? — murmurei para mim mesmo, enojado com minha própria fraqueza.
Mas, por mais que quisesse me odiar, minhas pernas não paravam de tremer. Meus dentes batiam como os de alguém tomado pelo frio. A expressão no espelho era a de uma pessoa doente.
E então fui puxado de volta para a realidade.
Meus movimentos cessaram. A corda, um pouco folgada, tornava o suicídio uma tortura lenta.
Minha visão se encheu de manchas vermelhas, embaçada pela pressão insuportável. Meus olhos ardiam, e minha cabeça latejava, como se fosse explodir a qualquer momento.
‘Por que essa memória agora?’
Outra memória invadiu minha mente.
A chuva torrencial encharcava meu corpo pequeno. Eu corria com todas as forças que tinha. Minha mãe e meu irmão estavam comigo. Fugíamos de meu pai, fugíamos da tempestade, e estávamos correndo em direção a casa de uma amiga da minha mãe.
Sempre que ele bebia, isso acontecia.
O silêncio dominava esse pedaço de memória. Eu não conseguia ouvir nada. Mas minha mãe e meu irmão rindo.
‘Oh, sim… eu tinha feito uma piada.’
Um sorriso fraco e involuntário se formou em meus lábios.
E então, tudo o que restou foi a visão da terra sob meus pés e meu corpo pendurado no ar.
Minha visão escureceu.
E então… nada.
Nem som. Nem dor. Apenas o vazio.
‘Não é possível que isso é a morte, eu não deveria estar consciente!’
O desespero começou a crescer dentro de mim, a paz que eu esperava por não conseguir pensar quando morresse, se foi tão rapidamente quanto a felicidade de uma mariposa por chegar perto da luz de uma fogueira.
O vazio não era silêncio.
Havia algo além do nada, algo que me observava. Era uma presença… imensa.
Eu não via um corpo, nem uma forma definida. Apenas luz, uma existência tão vasta que minha própria consciência parecia insignificante diante dela. Sua presença não me sufocava, mas me envolvia de forma absoluta, como se estivesse além do bem e do mal.
— Que peculiar… — A voz ressoou, sem som, sem vibração, ecoando diretamente em minha mente.
Meus pensamentos pareciam pequenos e desorganizados diante dela. Eu tentei falar, mas não havia boca, não havia corpo.
— Você deseja a morte… mas a morte não te acolherá.
A entidade falava com uma certeza inquebrantável. Como se minha morte fosse um erro.
Mas eu queria morrer.
Eu deveria ter morrido.
— Sua existência já foi determinada em outra era.
Eu não entendia. Eu não conseguia entender. Era como se tentasse compreender um conceito que minha mente mortal jamais poderia processar.
A luz se intensificou. Minha consciência foi tomada por uma sensação estranha—como se fosse puxado para trás, forçado a algo inevitável.
E então…
Eu o vi.
Um par de olhos carmesins brilhava no fim do nada. Não eram como os da entidade diante de mim. Eram diferentes. Sombras rodopiavam ao seu redor, uma forma nebulosa que eu não conseguia distinguir.
Ele me observava.
Eu não sabia o que era, mas senti. Ele me conhecia.
Meu peito apertou. A sensação de algo indescritível me atingiu, como um presságio, um destino que eu jamais teria escolhido.
A voz divina ecoou novamente.
— Vá.
A luz brilhou uma última vez. Meu corpo foi tomado pelo calor, depois pelo frio, depois por nada.
E então…
Eu despertei.
O calor envolvia meu corpo, sufocante e pegajoso. Meu peito subia e descia em um ritmo irregular, e um peso esmagador prendia meus membros.
Tentei me mover. Nada.
Tentei abrir os olhos. Tudo era turvo, indistinto, como se uma névoa me separasse da realidade. O som de algo molhado e abafado chegava aos meus ouvidos, entre murmúrios e vozes distantes.
Minha pele estava sensível—demais. Cada toque, cada brisa, era uma enxurrada de sensações insuportáveis. Meu corpo parecia pequeno, fraco, descoordenado.
‘O que está acontecendo?’
— …vyyl ta Lhaem! — A voz de uma mulher ecoou próxima, cheia de tensão.
Eu tentei entender, mas as palavras eram distantes, irreconhecíveis.
‘Que língua é essa?’
Eu queria perguntar. Queria falar. Mas quando abri a boca, o que saiu foi um choro.
‘Não…’
Eu sabia o que isso significava. Meu corpo, minha voz, minha mente atordoada.
‘Eu renasci.’
— Klaem! Klaem!… — Outro som veio, trêmulo, urgente.
Mãos quentes, calejadas, me envolveram com cuidado, e o frio do ar tocou minha pele pela primeira vez.
Minha visão ainda era um borrão, mas consegui distinguir formas. Uma silhueta se inclinava sobre mim, seus olhos marejados de emoção.
Ela continuava falando. Eu tentava agarrar alguma lógica nas palavras, mas era impossível. Era uma língua desconhecida, completamente nova para mim.
— Flügel… — A única palavra que reconheci.
‘Flügel.’
O nome reverberou dentro de mim, como algo que deveria me pertencer. Algo que sempre foi meu.
O frio da realidade me atingiu. Eu estava em um corpo novo. Em uma vida nova. Mas as memórias da anterior… ainda estavam comigo.
Eu queria perguntar. Questionar. Mas eu não entendia nada do que diziam.
A voz da mulher tornou-se mais suave, mas eu ainda sentia sua excitação. Ela me segurou com firmeza, e então outra voz, mais grave, respondeu com um tom aliviado.
Eu pisquei algumas vezes, tentando forçar minha visão a se ajustar. As formas ao meu redor tornavam-se mais definidas aos poucos.
Havia uma mulher. Minha mãe.
O rosto dela era jovem, mas exausto, com fios de cabelo grudando na pele suada. Seus olhos brilhavam com uma alegria genuína, como se estivesse vendo um milagre diante dela.
Ao lado, um homem de expressão séria nos observava. Ele parecia rígido, mas seus olhos tinham um brilho contido, um alívio silencioso.
E então, pela primeira vez desde que despertei, senti meu corpo sendo pressionado contra algo quente e reconfortante.
A voz da mulher, agora minha mãe, murmurou algo baixo. Não entendi, mas seu tom carregava um carinho inconfundível.
Fechei os olhos, sentindo o cansaço pesar sobre mim.
Minha mente ainda estava um caos, meu coração, acelerado. Eu não sabia onde estava, quem eram essas pessoas, ou que tipo de mundo era esse.
Mas, por enquanto, eu estava vivo.
E, pela primeira vez, essa constatação não me pareceu tão ruim.
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