Índice de Capítulo

    Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
    Aspas duplas para conversa mental: “
    Travessão para falas em voz alta: —

    A escuridão começou a tomar conta dos meus sentidos. Meu corpo não respondia. A água em meus pulmões era densa, pesada, como se quisesse me arrastar para o fundo, me afogar de vez. Eu sabia que estava morrendo novamente. Já tinha experimentado a morte uma vez, mas dessa vez… parecia pior.

    As memórias do meu suicídio voltaram com uma força avassaladora. O enforcamento, a falta de ar, a dor no pescoço… Eu sentia meu corpo sendo puxado para a escuridão, e a sensação de não conseguir respirar me paralisava.

    O pânico explodia na minha mente, prendendo-me no ápice do desespero. Cada fibra da minha garganta apertava-se como aço forjado, me transportando de volta ao dia em que decidi entre viver ou render-me à escuridão.

    A luta desesperada por ar parecia me consumir. O peso da água e da angústia me arrastava mais fundo.

    Foi então que senti mãos firmes me puxando para cima. O choque da mudança fez meu corpo resistir, mas logo fui retirado da água. Um suspiro de alívio percorreu meu corpo, mas a dor no peito e a falta de ar ainda estavam lá. Eu estava fraco demais para reagir, meus músculos se recusando a obedecer, e a sensação de estar morrendo parecia não ir embora.

    A voz de Nytheris chamou meu nome, mas parecia distante, turva. Eu não conseguia focar. Apenas sabia que ele estava ali. Estava fazendo algo. Mas o quê? Eu queria gritar, queria falar, mas as palavras estavam presas na minha garganta.

    Eu estava sem ar, e a sensação de ser puxado para a escuridão era tão forte que parecia uma prisão. Sabia que, se não respirasse logo, não sobreviveria…

    De repente, senti um movimento abrupto. Algo tocou meus lábios. Eu não sabia o que era, mas meu corpo reagiu de forma instintiva, buscando o ar que não vinha. Nytheris estava tentando me salvar, me forçando a respirar. Eu percebi isso, mas não consegui reagir.

    — Flügel… respire. — A voz dele era suave, mas firme, um comando. Ele estava tentando me manter vivo. Eu não conseguia fazer nada. O medo de me afogar novamente me paralisava, de não conseguir respirar.

    Ele repetiu o movimento, pressionando sua boca contra a minha mais uma vez. Eu sentia o esforço dele, mas o medo me dominava. Queria sair da água, queria ser salvo, mas sentia uma fraqueza imensa.

    As memórias do enforcamento, o sufocamento que eu havia vivido, voltavam com uma força avassaladora. A sensação de ficar sem ar me tirava do controle.

    Quando finalmente consegui respirar, a sensação de ter meus pulmões preenchidos com oxigênio foi um alívio imenso.

    Eu me joguei de lado, vomitando toda a água que eu havia engolido, arfando por ar como uma pessoa que acabara de correr uma maratona. Mas eu ainda estava preso em minha própria mente. O medo da escuridão, da morte, me fazia querer fechar os olhos e desaparecer.

    Mas o calor da mão de Nytheris em meu ombro estava me mantendo firme. Ele não me deixava ir, não me deixava sucumbir.

    Depois de expelir toda a água que havia em meus pulmões e estômago, eu respirava com uma enorme facilidade, pelo menos muito mais facilmente que a poucos segundos atrás.

    Meu corpo tremia. Eu estava lutando para me acalmar, para não reviver a morte que já havia me consumido uma vez. Eu não queria morrer. Não assim. Não de novo.

    Nytheris me olhou com uma expressão que eu não conseguia entender completamente, mas algo nela me dizia que ele também sentia o peso da situação. Ele estava tão pequeno, tão frágil, e ainda assim, ele me salvava.

    O sol já estava subindo no horizonte, mas eu não tinha forças para me mover. Eu sabia que precisava voltar para o reino, mas o medo, o trauma, ainda estava aqui, me mantendo preso.

    — Vamos voltar, Flügel. Não temos tempo. Os seus pais vão acordar em breve… você ainda tem uma vida para viver — Eu fechei os olhos por um momento, tentando afastar os pensamentos, tentar focar na realidade.

    Nytheris estava certo. Eu não podia me render ao medo. Não agora.

    Quando finalmente consegui me levantar, os meus músculos ainda estavam fracos, e a sensação de sufocamento estava me assombrando. Mas eu estava vivo. E, com Nytheris ao meu lado, eu teria que continuar. Por mais que o passado me assombrasse, por mais que a morte tentasse me consumir, eu tinha que seguir em frente.

    A luz do sol começava a tingir o horizonte de laranja, suas primeiras pinceladas de calor espalhando-se pela terra fria. O vento soprava suave, mas não conseguia afastar a sensação de peso que ainda me oprimia o peito. A água que ainda escorria de meus cabelos e roupas geladas parecia ser um lembrete cruel de que eu havia escapado da morte, mas não de meu próprio tormento.

    Eu olhei para Nytheris, ainda ao meu lado. Ele estava quieto, com um leve rubor em suas bochechas, seus olhos lacrimosos fixos em mim, mas havia algo de diferente. Algo que não podia identificar completamente. Ele parecia mais… humano, talvez?

    Mesmo com toda a sua complexidade e não humanidade, ele parecia tão pequeno ali, com seus cabelos negros esparramados e o rosto preocupado. Eu havia ficado sem palavras antes, mas agora, ao sentir o calor da vida retornar ao meu corpo, as palavras começaram a sair, embora em um sussurro.

    — Eu… eu não sei como agradecer, Nytheris. — A dor ainda estava presente, mas a sensação de sufocamento começava a desaparecer, dando lugar a uma leveza que eu não sentia há dias.

    Nytheris não respondeu de imediato. Ele apenas olhou para mim, com uma expressão difícil de ler, mas seus olhos brilharam com uma intensidade que me fez entender, sem precisar de palavras, que ele estava tão afetado quanto eu.

    — Você não precisa agradecer. — A voz dele soou estranha, como se ele mesmo estivesse tentando lidar com um turbilhão de emoções. — Eu… não sei o que faria sem você, Flügel. Você… você é tudo o que tenho.

    Aquelas palavras, ditas de forma tão simples, me tocaram profundamente. Eu sabia que ele não tinha ninguém mais além de mim. E eu… bem, eu estava começando a perceber que também não tinha mais ninguém.

    O peso da solidão e da dor que sentia, antes quase invisíveis, agora se tornava claro. Mas, ao mesmo tempo, algo dentro de mim se despertava. Não era uma sensação de esperança, mas algo mais complexo. A necessidade de seguir em frente. Por mim. Por ele.

    Eu olhei para o céu, agora mais iluminado. O vento estava se tornando mais forte, e eu sabia que a nossa jornada ainda não havia terminado. Eu ainda precisava voltar para o reino. Ainda precisava entender o que estava acontecendo com minha vida e com tudo o que me havia levado até ali.

    Eu estava me forçando a não olhar para trás, a não pensar no que poderia ter acontecido, ou no que ainda poderia acontecer. Não mais. As memórias do afogamento e do enforcamento estavam agora sendo empurradas para um canto da minha mente, onde eu não precisava lidar com elas naquele momento.

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