Índice de Capítulo

    Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
    Aspas duplas para conversa mental: “
    Travessão para falas em voz alta: —

    Flügel encarou por alguns segundos o homem bizarro, sua aparência doentia e olheiras profundas lhe causando um mal estar. Ele deixou seu olhar passar pelo homem e parou em Borghen, sentado de forma impaciente e com o rosto em uma carranca.

    Flügel conseguia ver o porquê disso. Sua cadeira estava levemente com as pernas espaçadas, sua coluna estava curvada e o assento parecia estar prestes a ceder a qualquer momento. Flügel sabia disso, e podia jurar que a madeira não aguentaria por muito mais tempo o peso do gigante anão. Cada movimento de Borghen era acompanhado por um rangido baixo, um lamento da madeira sob a tensão. O gigante parecia tão impaciente quanto sua cadeira.

    O olhar de Flügel então voltou para o homem de aparência doentia. Ele era Gundal, o batedor e um cara estranho que o ficou encarando durante seu primeiro encontro.

    O silêncio na cabana era quebrado apenas pelo som da respiração pesada de alguns dos presentes e pela respiração abafada de Nytheris, que estava logo atrás de Flügel, sua presença imponente. O elmo prateado de Nytheris estava fixo no grupo, o queixo um pouco para baixo, como se estivesse com o olhar perdido.

    Garrick finalmente se sentou, o som da cadeira de madeira rangeu sob seu peso. Ele colocou o mapa sobre a mesa, ele era um tanto quanto confuso, desenhado de forma porca como se seu criador não tivesse tempo o suficiente para se dedicar em deixá-lo totalmente legível e amigável.  Sua voz firme e autoritária ecoou pela cabana, quebrando o silêncio.

    — Gundal, por favor, comece. Conte-nos o que você viu.

    Gundal assentiu, sua voz rouca e calma como sempre. — O Lich está em uma caverna. A entrada fica em uma fenda entre duas montanhas. O caminho é sinuoso. Não consegui chegar mais perto para confirmar o que há lá dentro, mas é onde eu vi ele entrar e não sair por um bom tempo. Vultos esfarrapados estão por toda parte, há mais de um em qualquer sombra perto da entrada e ao redor. — Ele deu uma pausa, esperando todos absorverem as informações. Depois de alguns segundos de silêncio, ele continuou:

    — Gigantes também estão espalhados, com escudos, espadas, e alguns usam manoplas. Ele fez um exército completo. Tenho certeza que ele tem mais peões que não nos mostrou… É apenas um achismo meu, mas acho que ele sabe que o observamos, porém, está deixando nós vermos apenas o que já conhecíamos, mantendo suas novas peças escondidas. Para assim, nos pegar desprevinidos no momento certo. Eu diria que ele deve possuir um exército três vezes maior do que sabemos que ele tem, e de monstros novos. 

    — Quantos dos grandões você viu e onde os viu? — perguntou Borghen, esfregando o rosto enquanto observava o mapa, tentando ler ele, mas seu cenho franzido era a prova de que ele não estava conseguindo. 

    Gundal se inclinou para frente na cadeira, para alcançar o mapa aberto na mesa. Com o dedo ele apontou sobre o mapa, fazendo um círculo. — Aqui dentro, por volta de trinta deles. — Gundal finalizou, sua voz calma se tornando mais sombria com o número.

    A palavra “trinta” ecoou na cabana como um sino fúnebre. O ranger da cadeira de Borghen parou abruptamente. O gigante anão fixou o olhar no mapa, e pela primeira vez, a carranca em seu rosto foi substituída por uma expressão de pura e crua seriedade.

    — Trinta gigantes? Isso é uma legião! — Dellia exclamou, a descrença em sua voz se misturando à raiva. Ela se recostou na cadeira, cruzando os braços, a irritação contida por sua postura. — E você diz que ele provavelmente tem mais?

    — É o meu palpite. — Gundal respondeu, sem desviar o olhar do mapa. — A entrada da caverna é o que ele quer que a gente veja. O que ele está escondendo é o que vai nos pegar.

    — Se ele tem mais do que isso, por que não atacou o reino ainda? Afinal, também possui esses vultos esfarrapados, não é? — A voz de Aleksander estava tensa. Ele se inclinou sobre a mesa, os olhos fixos em Gundal, como se a resposta do batedor fosse a única coisa que importava.

    — Não sei. Talvez ele ache que não compensa adentrar em um local onde não tenha controle. Estamos indo direto para a base dele, ele pode ter montado círculos mágicos no caminho, feito armadilhas. Para nós é vantajoso matarmos o invasor no quintal, pois precisamos proteger os residentes da casa, mas para ele, a vantagem fica do seu lado assim que ele conhece melhor a sua própria casa do que quem o invade — respondeu Gundal enquanto recostava na cadeira, sua voz calma e inabalável.

    O silêncio na cabana se tornou mais denso do que nunca. A lógica de Gundal era impecável, e a realidade do que ele estava dizendo pesou sobre todos. A missão não era apenas difícil, era uma entrada direta em um jogo cuidadosamente preparado pelo inimigo, onde cada passo podia ser o último.

    Flügel sentiu um arrepio percorrer sua espinha, e não era de frio. A arrogância que ele sentira por ter enfrentado o Lich desapareceu, substituída por um respeito cauteloso. O monstro não era apenas poderoso, era um estrategista frio e metódico. O Lich não se importava com os monstros perdidos, mas sim com o objetivo final.

    — Então, o que fazemos? — Dellia perguntou, a voz baixa, o que era incomum para ela. A raiva em seus olhos tinha dado lugar à preocupação. Ela ficou tensa sob a verdade do que eles estavam enfrentando. 

    — Se acalmem, não é o fim do mundo. O plano não mudou. Vamos até lá, aniquilar cada um dos monstros, e pôr um fim nessa ameaça de uma vez por todas. — Garrick bateu a palma da mão na mesa, sua voz sendo como gasolina para as chamas da esperança no peito de cada um.

    — Ótimo! Mal posso esperar! Eles podem ter trinta, ou trezentos! Temos Ophiornis do nosso lado. — Aleksander parecia ser o único que não precisava de palavras de motivação. Seus olhos brilhavam com um fervor que não era de medo, mas sim de antecipação. Aqueles números só lhe serviram para ser a promessa da grandiosa batalha que estava por vir.

    Todos ficaram em silêncio com as palavras de Aleksander, incrédulos com a estupidez do príncipe do império. Respirando fundo e quebrando a quietude que pairava no ambiente enquanto todos encaravam o garoto, Flügel disse: 

    — Odeio concordar com ele, mas faz sentido. Provavelmente deve ser a criatura mais forte de todo o continente, e temos ele em nosso exército. Não dá para soterrar o Lich sob a montanha? Tenho certeza que um ataque de Severus é capaz de fazer parte da montanha desabar.

    O olhar de todos se voltou para Flügel, a incredulidade de antes sendo substituída por uma análise calculada. A ideia, vinda de um garoto tão jovem, era audaciosa, mas tinha uma lógica perturbadora.

    — Soterra-lo? — Dellia repetiu, a voz carregada de ceticismo. — E se ele escapar? E se a montanha desabar sobre nós? É muito arriscado.

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