Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
Aspas duplas para conversa mental: “
Travessão para falas em voz alta: —
Capítulo 104 — A Arte do Risco
A pergunta de Dellia pairou no ar, trazendo à tona o perigo que o plano de Flügel representava. A ousadia da ideia era inegável, mas a execução era um salto no abismo.
— Podemos encontrar um meio, talvez até mesmo começarmos a batalha com este ataque de Severus. Se a montanha desabar sobre o Lich logo no início da luta, e ele morrer com isso, ótimo. Mas se ele não morrer, eliminaremos muitos de seus monstros. É uma boa vantagem conseguir algo assim logo no início, não?
— Não podemos nos dar ao luxo de lutar contra trinta gigantes, sem mencionar os outros peões que o Lich pode ter. — Borghen elaborou, sua voz grave e calma. — O elemento surpresa será a nossa única vantagem. O garoto está certo. O Lich tem um exército de escudos e espadas, mas não espera que seu teto caia sobre ele.
Garrick permaneceu em silêncio, com a mão no queixo. Sua mente trabalhava rápido, avaliando os riscos e as recompensas no mapa. Lutar de frente era um suicídio. O soterramento, um risco calculado.
— E você, Thalion? — Garrick perguntou, virando-se para o mago. — O que você acha? É possível?
Thalion ajustou seu monóculo, a lente brilhando com um tom azulado, porém, antes que ele sequer começasse a falar, Gundal o interrompeu:
— Não faz sentido. Acham que o Lich se esconderia dentro de uma caverna se ele não tivesse pensado sobre esse perigo de ser enterrado vivo? Isso com certeza não dará certo, estaremos apenas desperdiçando esforços em tentar algo inútil.
Todos ficaram em silêncio. A voz do batedor, calma como sempre, mas agora carregada de uma certeza inabalável, calou a todos. Gundal, que até então parecia apenas um observador, tinha uma autoridade que ninguém podia ignorar.
— Então só nos resta bater de frente contra ele? — Flügel olhou diretamente para Gundal, esperando algo. Apesar de Garrick ser o Major e quem estava no comando do ataque, Gundal era alguém muito confiável. Pelo menos em seu serviço e inteligência. Não era qualquer um que conseguiria desenhar um mapa daquele tamanho sozinho e ainda encontrar a base do Lich. Não era à toa que ele era um membro da Guarda do Rei.
Gundal ficou em silêncio por um instante, como se estivesse escolhendo cada palavra com cuidado. Ele lançou um olhar frio de Flügel para Garrick.
— Não disse que bater de frente é a única opção. Disse que tentar enterrá-lo é uma perda de tempo. — Ele fez uma pausa, e a calma em sua voz era de arrepiar os pelos. — A melhor maneira de enganar um estrategista é não jogar o jogo dele. O Lich nos quer na caverna, no seu terreno, onde ele pode usar o que está escondido.
— Então qual será o plano? — Borghen levantou da cadeira, cansado de pensar que iria cair a cada mínimo movimento que fizesse. A cadeira levantou junto consigo por um momento, antes de cair no chão, rangendo como se estivesse chorando.
Gundal se inclinou novamente e usou o dedo enluvado para traçar o mapa enquanto começava a falar.
— Não entraremos no covil dele. Usaremos o exército para cercar completamente a base da montanha, em uma formação de cerco. Isso nega qualquer rota de fuga que ele possa ter. — Ele olhou para Aleksander. — E usaremos o poder de Severus não como uma arma de confronto direto, mas como uma artilharia. Severus pode voar a uma altura segura e lançar ataques poderosos na caverna e em seus monstros, enfraquecendo as defesas e eliminando os monstros aos poucos. Ele será a nossa arma de cerco, a nossa maneira de obrigar o Lich a sair e lutar para não ser esmagado, ou ser aniquilado por um ataque que ele não consegue parar.
Gundal havia transformado a missão de um assalto frontal em um cerco tático, onde o tempo e a paciência seriam as armas.
— Usar a Besta Sagrada como uma arma de cerco? O poder de Ophiornis é para aniquilar o inimigo, não para atirar pedras! — Aleksander explodiu, a voz cheia de indignação. Seus olhos brilhavam de fúria, e ele se sentiu insultado pelo plano.
— A sua besta é a nossa única chance. Usaremos ela para vencer, não para lutar de forma impulsiva — respondeu Garrick, sua voz firme, cortando a tensão como uma lâmina. Sem se importar com o status do príncipe, ele continuou: — Preparem-se. A marcha para a montanha começa assim que estivermos com as tropas em prontidão. Não há mais tempo para hesitação.
— O comando será dividido. — sua voz ecoou na cabana. — Borghen e Dellia liderarão os cavaleiros. Cada um de vocês ficará no comando de metade das nossas tropas, formando os dois flancos do cerco. Borghen, você estará no comando do flanco direito. Dellia, você, do esquerdo.
Borghen e Dellia assentiram.
— Gundal, você liderará os batedores do flanco direito e será responsável por encontrar e neutralizar qualquer armadilha que o Lich possa ter espalhado por lá. Koto guiará o outro grupo de batedores, no flanco esquerdo. Vocês serão a nossa vanguarda, os primeiros a entrar em contato com o inimigo.
Gundal não teve reação além de balançar a cabeça. Koto, que estava com um sorriso torto, parecendo tenso, ficou com um rosto contorcido, como se tivesse comido algo amargo. — Não gosto de ser o líder — resmungou.
Ignorando a reclamação de Koto, Garrick continuou:
— Thalion, você e metade dos magos de seu grupo ficarão no comando do apoio mágico do flanco direito. Sua responsabilidade será a de dar suporte aos nossos soldados. A outra metade dos magos de seu grupo será liderada por Eadric, ele será o nosso líder mágico do flanco esquerdo.
Thalion assentiu, e a tensão em seu rosto se tornou mais aparente. Ele não parecia satisfeito, mas se manteve calado.
Citando Eadric na conversa fez Flügel pensar o porquê de o capitão não estar presente na reunião, mas ele decidiu guardar a dúvida para si.
— E eu? — Flügel perguntou, sua voz estava baixa, e ele parecia um pouco apreensivo.
— Você irá com o exército de Borghen, na linha de frente — Garrick respondeu. — A sua força é vital para a nossa vitória. Você vai ajudar Borghen na batalha, e sua responsabilidade será segurar e matar o máximo possível.
Flügel assentiu, e a tensão em seu corpo diminuiu um pouco. Ele se sentiu aliviado por não ter a responsabilidade de liderar o exército.
— E eu, Garrick? — Aleksander questionou, a voz transbordando de uma raiva contida e autoridade ferida.
— Aleksander, sua responsabilidade será a de cuidar de Ophiornis. Você estará encarregado de lançar ataques mágicos na entrada da caverna, enfraquecendo as defesas e eliminando os monstros aos poucos.
Aleksander assentiu, e a tensão em seu rosto se tornou mais aparente. Ele não parecia satisfeito, mas se manteve calado.
A divisão de tarefas estava clara. O exército de Tournand estava prestes a entrar em uma guerra, e eles tinham nas mãos o destino de seu reino.
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