Capítulo 108 — Escavação

Suor frio escorria por suas costas enquanto ele via aquelas manoplas dentro do baú que o Lich segurava. Se todos aqueles artefatos fossem colocados nele, ele com certeza não conseguiria sair facilmente, o mais provável seria sua derrota definitiva e a anulação de sua vontade.

Ele precisava fazer algo. Mesmo que o perigo fosse extremo, e mesmo que após inúmeros retornos ele conseguisse encontrar um meio de escapar, era um futuro melhor do que ficar preso e impotente à mercê do Lich.

Enquanto o Ossiarco Campeão andava para trás devagar sem tirar os olhos de Flügel, o Lich mantinha-se em uma distância segura do triângulo formado pelos Ossiarcos menores, para não ser afetado pelo campo de anti magia.

— Não precisamos dessas coisas, precisamos? Não irei tentar nada, não com essa coisa mantendo suas espadas. Eu aceitei ser seu prisioneiro, para que usar contenções? — Flügel tentou dar um sorriso de confiança, que saiu torto, transparecendo seu desespero. 

— Você está achando que eu vou te deixar sair do campo anti mana sem artefatos de contenção? Você está tentando fugir fingindo aceitar o meu acordo, não é? Que pessoa nojenta e sem honra você é! Prefere matar a todos do reino ao invés de aceitar o seu destino atrasado? Você foi revivido, ou reencarnou, não importa como, mas já era para você estar morto! Vai aceitar ou não colocar as contenções?

Deu dois passos para trás, com um rosto pensativo. Sem mana, ele não tinha o auxílio da magia de gravidade ou vento para conseguir atingir sua maior velocidade correndo, ele teria que confiar apenas na agilidade física e na surpresa.

Ele correu para cima do Ossiarco menor à sua direita, o ponto de fuga mais estratégico do triângulo. Ele estava perto, e o Campeão estava em uma distância ameaçadora, mas Flügel apostava em seu físico para sair do campo anti-mana.

O Ossiarco menor recuou um passo, deliberadamente abrindo a passagem. ‘Ele está me deixando passar! Uma vez fora do campo anti-mana…’ pensou Flügel, ganhando um raio de esperança.

No momento exato em que Flügel estava prestes a passar, sentiu um estalo agudo e seco em sua lombar. Perdeu totalmente a consciência do diafragma para baixo. A foice do Ossiarco havia se movido com uma rapidez letal e o decepado no meio.

Ele caiu de cara no chão, o rosto apoiado na pedra fria. Impulsionado pela corrida, seu tronco deslizou para fora do triângulo. Por um breve momento, sentiu a mana fluir facilmente por seu corpo, sem dificuldade alguma… mas, era inútil. Sua outra metade, as pernas decepadas, jazia no campo anti-mana, e suas vísceras escorriam de seu tronco.

Ele queria gritar, mas não lhe vinha forças, seu sangue escorria de seu corpo, levando consigo seu calor, enquanto a sensação de frio penetrava em seus ossos, a sensação de estar caindo não acabava e sua visão escurecia rapidamente, ele estava morto. 

— Seu animal inútil! Não era para matar ele! — O Lich gritou furioso, atravessando o local de pedra com passos velozes, olhando para o corpo de Flügel, suas vísceras esparramadas no chão, e suas pernas longe de seu tronco. Sem sua armadura, ele foi facilmente partido ao meio pela foice do Ossiarco menor. 

Sua maior cobaia de experimentos em centenas de anos estava partida em dois na sua frente. 

Quando Flügel foi totalmente consumido pela escuridão, ele se viu novamente diante das entidades misteriosas. 

— Retorne, e aprenda com seus erros. — Eles disseram, mas Flügel não deu tempo de eles continuarem com seus discursos. 

— Para quê vocês me fazem voltar no tempo? Não veem que eu estou encurralado? Se vocês possuem a capacidade de me reviver ou fazer o tempo rebobinar, não seria mais fácil me ajudar a sair dessa situação? — questionou, a sensação de ser partido ao meio ainda lhe perseguiu, mesmo sendo apenas em sua cabeça, ele não conseguia de ficar com uma péssima sensação por causa do evento tão recente. 

— Criança, acha que iremos te ensinar tudo? Te damos a chance de você poder repetir o mesmo erro infinitas vezes, isso já não é o bastante? Aprenda as coisas por si mesmo, e então, quando chegar a hora, agradecerá a nós. Agora, retorne. — As vozes das centenas de entidades ecoaram, e então o local escuro se explodiu em uma explosão de cores vivas, machucando os olhos de Flügel. 

Ele estava de volta à caverna. O sangue escorrendo de sua testa era a prova que ele havia retornado pouco tempo antes de morrer. A memória do corte fatal era fresca, lhe dava um frio na barriga e embrulhava seu estômago. 

O Lich ainda falava, a voz carregada de nojo: — Você está achando que eu vou te deixar sair do campo anti-mana sem artefatos de contenção? Você está tentando fugir fingindo aceitar o meu acordo, não é? Vai aceitar ou não colocar as contenções?

Flügel parou. A raiva ameaçando borbulhar por sua estupidez em achar que o Ossiarco o deixaria passar tranquilamente. Como ele pôde ser tão ingênuo? Isso teria que ficar para outra hora. Ele não tinha muito tempo para pensar em uma maneira de sair daquela situação. 

As malditas entidades não o ajudariam. Eles queriam que Flügel crescesse. Queriam que ele ficasse mais forte. O pior era que estavam conseguindo. A única opção era sobreviver.

Ele só via duas saídas: deixar o Lich colocar as contenções, esperando por uma chance futura, ou tentar sair do triângulo anti-mana correndo.

— Não, não estou… mas sabe, né? Ficar aprisionado é ruim. Se eu já aceitei, para que fazermos isso? — Flügel abaixou levemente, levando as mãos para as amarras da calça, fingindo desarmar a armadura. Seu foco estava no elmo amassado que jazia no chão.

Ele agarrou a borda inferior do elmo. Então, correu. Correu para o mesmo Ossiarco que o havia partido ao meio.

O Ossiarco menor deu dois passos para o lado, um gesto sutil, mas sugestivo. O miserável estava jogando o mesmo jogo. Recuando para dar a Flügel o falso senso de vitória.

‘Não vou cair no mesmo truque, miserável!’

Flügel apertou o elmo na mão direita. Faltando poucos metros para o Ossiarco, ele arremessou o elmo. Não como um ataque, mas como uma distração.

O Ossiarco foi rápido. Ele rebateu o elmo com sua foice em um movimento seco e ágil. Havia entendido que Flügel não iria ser facilmente enganado. O som do metal distorcido atingindo a lâmina ressoou pela caverna.

O Ossiarco agiu mais rápido do que Flügel esperava. Teria se precipitado ao arremessar o elmo cedo demais? Ele quase podia jurar sentir o Campeão atrás de si. Agora o Ossiarco menor já balançava a foice na altura do estômago de Flügel, pronto para cortá-lo ao meio novamente.

Flügel não parou. Ele estava no alcance da lâmina. A foice estava a meio caminho.

Em vez de tentar desviar, Flügel mergulhou para o chão. Ele aproveitou o impulso da corrida e a superfície lisa do metal da armadura, que deslizou facilmente contra a pedra, para executar um deslizamento baixo e brusco. A lâmina zuniu a milímetros de suas costas, voando inofensivamente sobre ele.

Ele estava livre. Ao deslizar para fora do triângulo, sentiu a mana fluir novamente com facilidade, um choque elétrico. Com as mãos já no chão, Flügel não perdeu tempo e despejou o máximo de mana que conseguia em um Feitiço de Terra.

— Você pagará caro! — gritou o Lich, cheio de fúria.

A caverna tremeu sob as pesadas paredes de pedra batendo contra seu teto, Flügel criou um enorme pedaço de pedra do chão e o chocou contra o teto, sua intenção era esmagar todos ali com sua magia e criar um buraco seguro para si mesmo. 

— Aaah… Ah…. — Ele estava ofegante. Essa experiência lhe fora aterrorizante, mas não tinha custado muito. Estava preparado para morrer dezenas de vezes, mas em sua segunda tentativa havia conseguido fugir. Ele realmente estava ficando mais forte e melhor em batalhas? Não esperava que saísse tão bem. 

Não ficou muito tempo parado, apenas alguns segundos, o suficiente para reorganizar seus pensamentos e ver se não conseguia ouvir nada, como parede quebrando. Não duvidaria que o Lich não fosse usar feitiços ou seus mascotes para destruir tudo. 

Sua cura passiva trabalhava a todo vapor, a latejante dor de cabeça começava a desaparecer. Ele distribuía sua mana em três tarefas: alimentar Nytheris, se curar e, por fim, começar uma escavação nas pedras a suas costas, pensava em criar um buraco para fora da montanha. 

Ele injetava pulsos de mana de terra nas paredes, reconstruindo a rocha atrás dele para selar o túnel e, ao mesmo tempo, continuava a desintegrar a pedra à sua frente, forçando o túnel para fora da montanha.